Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O jogo da guerra contextualizado

A caixa azul guarda um tabuleiro onde, no lugar de casinhas e desafios a serem enfrentados, há um mapa mundi com os principais países. Seis dados, três vermelhos e três amarelos, são os ataques e as defesas. Em caixinhas de plástico, pecinhas do mesmo material de seis cores diferentes representam os exércitos dos jogadores. Um dos mais tradicionais jogos de tabuleiros da Estrela, o War, é uma brincadeira não só para crianças – por conta da complexidade de suas regras –, mas também para adultos, que ficam até por horas bolando estratégias para eliminar os oponentes ou conquistar territórios e continentes.

Apesar de ser só um jogo, a impressão é que o tabuleiro deixou de ser feito de papelão para se tornar realidade – é a imagem que os jornais passam de um conflito que parece existir há pelo menos 60 anos entre israelenses e palestinos na Faixa de Gaza, no Oriente Médio.

O objetivo dos jogadores é, porém, obscuro. Nas reportagens que são publicadas diariamente sobre o conflito há somente os fatos mais quentes. Aquela cartinha que os jogadores do War ganham no início do jogo com o objetivo real da partida, porém, deixou de ser divulgada há muito tempo. Em jornalismo é chamada de contextualizar a notícia essa técnica ou recurso, e não demanda nem muito tempo, muito menos tanto espaço para ser feita. Em outras notícias que receberam as chamadas suítes (continuação da notícia no dia ou página seguinte), há sempre uma ou duas linhas relembrando as causas e origens da notícia.

‘Um conflito sensível e humano’

Na edição do Estado de S.Paulo de sábado (3/1), por exemplo, há cinco notícias e um artigo distribuídos em duas páginas na seção Internacional (págs. A8 e A9). A primeira, que abre a página, é sobre a liberação de estrangeiros da Faixa de Gaza. A notícia traz as impressões daqueles que conseguiram sair e como andam as negociações entre Egito e Israel, Hamas e Fatah, por um cessar-fogo. Ao lado uma matéria, uma segunda sobre a ‘calma tensa de Jerusalém’, que relata um pouco da mídia do local e uma manifestação feita em um dos portões da Cidade Vermelha por conta da morte de crianças no conflito.

As matérias seguem falando sobre a ofensiva terrestre que será feita por Israel; a revolta do Hamas com a morte do líder do grupo, Nizar Rayan; a tentativa dos Estados Unidos de intermediar um cessar-fogo duradouro e um artigo de um pianista e maestro argentino de ascendência judaica e naturalizado israelense, Daniel Barenboim.

O único que comenta a origem do conflito é o pianista que em cinco linhas no segundo parágrafo do seu texto dá uma ideia das causas de tanta rivalidade: ‘É um conflito intrincado e sensível, um conflito humano entre dois povos profundamente convencidos de seu direito de viver no mesmo pedaço de terra.’

Partilha rejeitada

Em uma época onde as novas mídias são cada vez mais utilizadas pelos grandes jornais, sobrou para a versão online do Estadão tentar oferecer essa contextualização da notícia. Os chamados hiperlinks – conexões entre matérias na internet – possibilitam fornecer ao leitor um resumo cronológico dos principais acontecimentos que levaram os ataques israelenses, que duram pelo menos oito dias.

Em uma das notícias que ganha destaque na primeira página do jornal on-line, há links para galeria de fotos, vídeos e mais textos sobre o conflito. Em um deles, chamado ‘Conheça a história do conflito entre Israel e palestinos‘, é possível tomar conhecimento do desdobramento do jogo de guerra da vida real. O primeiro item do texto fala sobre a aprovação da ONU, em 1974, para partilhar a Palestina criando um Estado judaico e outro árabe. O pequeno texto já diz que desde aquela época os palestinos e outros países árabes não aceitaram a divisão. A listagem prossegue pontuando a criação do Hamas, porém sem precisar a data (1987-92) até dezembro de 2008 quando o grupo palestino ‘rompe trégua e volta a lançar mísseis contra o território israelense’.

Estratégia do ‘calhau’

Para aqueles que têm internet, é possível acompanhar as notícias além das páginas impressas. Enquanto a página A9 traz a informação de que o grupo Hamas convocou um ‘dia de ira’ para se vingar de Israel por conta da morte do líder Rayan, a versão online já traz a notícia de que Israel conseguiu matar um segundo líder, o comandante militar Mamduk Jamal (Abu Zakaria al-Jamal). As notícias na web não param e são atualizadas sem uma periodicidade regular.

Mas e aqueles que não possuem um computador? Tudo bem que o acesso à internet está cada vez mais fácil e também é possível se presumir que os leitores do Estadão sejam de uma classe econômica atualizada tecnologicamente. Mas o jornal impresso acompanha seu leitor aonde quer que ele vá. Apesar do tamanho das páginas ser um ponto negativo, o fato de ser um objeto, um material concreto, e não virtual, possibilita ser lido na varanda ou até no ônibus. E é nessa hora que o leitor depara com a curiosidade de querer saber mais detalhes sobre o conflito.

Pode ser uma boa estratégia colocar um ‘calhau’ (anúncio institucional publicado quando há sobra de espaço no jornal) direcionando o leitor para o site do jornal, mas a tática pode também irritar o leitor, que se veria abastecido com mais uma ou duas linhas que conte a origem do conflito – por mais velho que ele seja.

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Jornalista, Limeira, SP