O que vinha sendo planejado há meses, como estratégia eleitoral do primeiro-ministro Ehud Olmert, virou, com respaldo da mídia ocidental e seus ‘especialistas em Oriente Médio’, uma compreensível reação aos foguetes lançados por militantes do Hamas contra território israelense. Trata-se de pura falácia, propaganda ideológica barata que trata uma ação de extermínio como se fosse o confronto de forças simétricas.
Tanto que chega a soar estranho o veto imposto por Israel à entrada da imprensa na área. Não será ela, como já aprendemos há algum tempo, quem denunciará o massacre perpetrado contra a população civil. Desde a invasão do Iraque, esse papel é cumprido por blogs e imagens de celulares de pessoas que não pertencem ao campo jornalístico.
A ofensiva militar ao território de Gaza obedeceu a um cálculo frio de custos e benefícios. Os mais de 500 mortos até agora, sendo 87 crianças, tiveram seus destinos traçados em outubro de 2008, quando o partido governista, submeteu à apreciação do Parlamento sua dissolução e a proposta de eleições antecipadas.
Além de uma disputa parlamentar acirrada, o ataque à Faixa de Gaza é um recado ao futuro governo estadunidense. Para as lideranças israelenses, não há como sobreviver sem um projeto expansionista. A sorte dos dois é indissociável da manutenção da barbárie no Oriente Médio. Sionismo e imperialismo são as duas faces de uma mesma moeda. Barack Obama deve assimilar isso como ensinamento da Torá. Hillary Clinton lhe pode servir como excelente guia.
Razões da resistência
A hegemonia política do fundamentalismo sionista é responsável pelo emprego de métodos de guerra que são comparáveis aos utilizados por outras potências coloniais, ao longo da história, contra a população civil que resistiu à opressão. Transformar o terrorismo de Estado em política aceitável tem sido a tarefa do jornalismo ocidental. Um trabalho tão recorrente quanto a punição coletiva de um povo se mostra aceitável para as ‘boas consciências’ ocidentais.
Mais uma vez o governo israelense, com total apoio dos Estados Unidos, pratica uma aventura bárbara e criminosa, ditada por interesses e conveniências estratégicas. Conta para isso com a cumplicidade covarde das ditaduras e monarquias árabes. As demais potências, como já destacou José Arbex Jr, em artigo para Caros Amigos, ‘mesmo tendo seus interesses contrariados pela política expansionista da aliança Washington/ Tel Aviv, não têm vontade política nem se sentem com força para impor qualquer limite legal’.
Como já tivemos oportunidade de escrever [‘O holocausto palestino‘ (8/2/2008)]…
‘…desde o massacre no Sul do Líbano, em 1982, passando pelo sufocamento de duas intifadas, não é o terrorismo de fanáticos que Israel persegue. Na região conflagrada, o movimento palestino era o mais progressista projeto de resistência, o mais prenhe de valores da modernidade. O mais rico em termos culturais. As pedras dos jovens árabes defenderam da insanidade uma herança cara ao Ocidente. Querer reduzi-los ao Hamas e outros grupos de motivação religiosa é, com apoio logístico da mídia internacional, distorcer a realidade para ocultar contradições mais profundas. Mentir com insistência até que a inverdade assuma ares de realidade inconteste’.
Para o historiador Oswaldo Coggiolla…
‘…na Faixa de Gaza são visíveis as razões para a resistência dos palestinos. Com uma população de mais de 1 milhão de habitantes, a Faixa de Gaza, chamada de `Soweto de Israel´, não é um Estado e não foi anexada a Israel. As forças de defesa de Israel controlam toda a fronteira. Se os moradores de Gaza quiserem sair dessa área, precisam obter uma permissão dos israelenses. Muitos palestinos – nascidos a partir de 1967 – nunca saíram da faixa, uma tripa de terra situada entre o deserto de Neguev e o mar Mediterrâneo, que mede 46 km de comprimento e 10 km de largura, aproximadamente’.
Crise humanitária
Em um contexto dessa natureza qual a única forma possível de ação a um povo destituído de qualquer direito? Sem qualquer possibilidade de ser reconduzido a uma unidade territorial que nem de longe lembre a idéia de Estado?
Quando o presidente Shimon Peres rejeita a possibilidade de trégua e diz que o Hamas precisa de ‘uma lição real’, reafirmando que não tem qualquer interesse em reocupar a Faixa de Gaza, vem à memória a famosa fala de Itzak Rabin na Guerra dos Seis Dias, como comandante do Exército: ‘Não temos o objetivo de anexar qualquer terreno palestino, sírio ou egípcio’. É o caso de se perguntar qual a lição real a ser extraída? A quem interessava que o conflito israelense-palestino, que tinha um caráter nacional, se transformasse em conflito religioso que atinge todo o mundo mulçumano?
Oslo e Mapa da Estrada foram elaborações frustradas pelo extremismo sionista. Em novembro de 2007, durante a Conferência de Annapolis (EUA), o presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, e o primeiro-ministro de Israel, Ehud Olmert, concordaram em realizar um esforço negociador para alcançar um acordo até o final de 2008. Em janeiro de 2009, agentes da ONU informam que a ofensiva terrestre israelense piorou a crise humanitária em Gaza.
Ou assumimos a causa palestina como nossa ou assumimos o papel de integrantes de uma força de ocupação que nega nossos melhores discursos. Não há meio-termo.
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Professor titular de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), Rio de Janeiro, RJ