Muito se fala da situação atual da imprensa cubana. No entanto, há um volume bem menor de trabalhos que analisam a imprensa antes da Revolução Cubana. Para tratar desse assunto, nos basearemos não em um trabalho científico, mas, em um registro histórico, em depoimento de quem viveu a época.
Armando Gimenez, repórter dos Diários Associados, além de suas reportagens para os jornais do grupo de Assis Chateaubriand, escreveu naquele mesmo ano de 1959 o livro Sierra Maestra: a Revolução de Fidel Castro, que foi um sucesso de vendas, conseguindo alcançar uma segunda edição em seu ano de lançamento.
Entre os capítulos que formam seu depoimento, encontramos dois de extremo interesse para os estudos em jornalismo: o capítulo XIV, intitulado ‘Cuba e a imprensa’, e o capítulo XV, chamado ‘A Operação Verdade’. Segundo Gimenez, ‘páginas gloriosas eram escritas pelos revolucionários cubanos (…). Era toda uma conjuntura política e econômica que se sentia ameaçada pela revolução de Fidel Castro. Tudo isso, porém, precisava ser denegrido ou ignorado’.
O papel da ‘rádio de libertação’
Na leitura de Gimenez…
‘…a imprensa latino-americana nada divulgava. As agências telegráficas norte-americanas, subordinadas pela tirania, escondiam tudo. O que era notícia trescalava a mentira, calúnia e injúria. Deturpavam nos seus noticiários a verdade cubana. Ocultavam os crimes bárbaros cometidos contra um povo. Fidel Castro e seus companheiros eram apresentados ora como simples aventureiros, ora como agentes comunistas. Com estas últimas palavras julgavam intimidar os povos americanos que ajudaram a enganar durante anos, acenando com falsas bandeiras de pseudodemocracia, enquanto a rapina continental continuava e, infelizmente, continua. Quem ouviu falar em Ventura, o carrasco de Havana? Quem tomou conhecimento através do noticiário internacional dos jornais da grande campanha desenvolvida por Fidel Castro durante a guerra civil? Divulgavam-se, sim, os atentados que os estudantes e operários levavam a efeito contra o tirano e seus asseclas. Com tal procedimento procuravam apresentar os revolucionários cubanos como bárbaros’.
Mas o principal motivo de se realizar a Radio Rebelde e o jornal Cubano Libre – principais armas da então intitulada Operação Verdade – era que ‘a verdade permanecia encoberta. Ampla divulgação, no entanto, tinham as mentiras forjadas no serviço de imprensa e rádio do Estado-Maior de Columbia. O capitão Boix Comas, o locutor Otto Meruelo e outros Goebbels do regime imaginavam vitórias. Falavam em grandes baixas por parte dos guerrilheiros’. Então, a Radio Rebelde precisava fazer mais do que contrapropaganda, tinha que fazer contrajornalismo.
Isso entra em consonância com a afirmação de Claude Collin acerca do papel do rádio em um processo revolucionário:
‘A rádio de um movimento de libertação tem realmente como papel primordial elaborar contrainformação eficaz, desmontar as mentiras das rádios oficiais (sejam elas da classe no poder ou da potência imperialista) e fornecer os dados verdadeiros sobre a situação militar, denunciando os assassinatos cometidos pelas forças da repressão.’
O modelo de mesmice
Dessa forma, em fevereiro de 1958 os guerrilheiros cubanos faziam sua primeira emissão desde Sierra Maestra, transmitindo todas as tardes, até o fim da guerra contra Fulgencio Batista, a partir do quartel-general da Plata. Em um dos principais livros sobre jornalismo alternativo, Rádios Livres: a reforma agrária no ar, Arlindo Machado, Caio Magri e Marcelo Mazagão classificam a Rádio Rebelde como uma das principais experiências em comunicação alternativa na América Latina.
Segundo eles, a…
‘…Rádio Rebelde teve, antes de tudo, uma importância estratégica na luta revolucionária: ela foi o principal elo de ligação entre o quartel-general e as várias frentes guerrilheiras. Além disso, através dela a população cubana podia ter uma informação alternativa sobre o governo de Batista e as ações dos rebeldes. Uma voz nova se afirmava no panorama da guerra civil e a sua simples existência já rompia o silêncio de séculos de dominação da oligarquia espanhola. Os sinais de um tambor livre que podia, em algum momento, ser também a voz de cada cidadão cubano’.
Logo neste início de 2009, não há mais luta na imprensa sobre a Revolução Cubana. Não há mais silenciamento e a necessidade de se produzir um jornalismo alternativo para poder informar o público leitor sobre os fatos revolucionários que ocorrem. As notícias entram naquele mesmo modelo de mesmice que de outras matérias de comemoração de aniversário histórico.
Esperança é a internet
Ou seja, tanto faz se são 50 anos de Revolução Cubana ou 50 anos da morte de uma celebridade famosa, a estrutura da pauta é a mesma. Muitas fotos – aqui vale destacar a antes esquecida presença da figura de Raúl Castro, que transformou em quarteto o trio Fidel-Che-Cienfuegos – com alguns especialistas falando e o debate de perspectivas futuras.
Dificilmente as reportagens sobre os 60 anos da Revolução Chinesa, a serem comemorados em outubro deste ano, ou mesmo sobre os 70 anos do início da II Guerra Mundial, em setembro, fugirão desse triste enquadramento estilístico. Uma mera historicização da cobertura cristaliza o fato e retira, da esfera da mídia, todo o campo de luta simbólica que a imprensa antes sediou na cobertura da época.
A única esperança que podemos ter reside no principal campo atual – muito vasto e assim, por vezes, invisível em um primeiro momento – do jornalismo alternativo: a internet. É nesse campo de múltiplas possibilidades (e links) que a luta alternativo-hegemônico pode continuar e proporcionar um melhor cumprimento do dever social do jornalismo.
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Jornalista e pesquisador do Alterjor – Grupo de Estudos sobre Jornalismo Popular e Alternativo da ECA-USP