Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Erros ‘entre aspas’ das pesquisas

Uma matéria do jornal O Norte, de João Pessoa, publicada em 27 de agosto sob o título ‘Natal vive escândalo das pesquisas’, vem pautando até agora a mídia potiguar e os discursos dos candidatos de oposição nas eleições da capital do Rio Grande do Norte. Na reportagem assinada pela jornalista Lina Ribeiro, foi dito que na campanha política o uso das pesquisas de preferência de voto estava sendo tratado como mais uma ferramenta de marketing eleitoral, no claro intuito de ‘forjar’ a opinião do eleitor natalense.

Em princípio, logo que algumas edições de O Norte começaram a passar de mão em mão (o jornal não chega nas bancas de Natal) e principalmente a versão online foi acessada, houve uma reação – até de setores da imprensa da cidade – para tentar desqualificar a informação e a denúncia contidas no texto da matéria. Assessores do atual prefeito, candidato à reeleição, Carlos Eduardo (PSB), e alguns jornalistas chegaram a não dar crédito ao fato e trabalharam inclusive na estratégia de deslegitimar o diário pessoense pelo simples fato da sua distância geográfica.

Esquema de marketing

Só que após vários episódios de desencontros nos resultados das pesquisas (os institutos Ibope, Databrain, Consult, Perfil e Smart têm índices diferentes) e a descoberta de grupos de jovens fazendo aferição nas ruas em nome dos candidatos do PSB, além de duas prisões efetuadas pelo Ministério Público na cidade de Caicó (a 269 quilômetros de Natal), quando divulgavam supostas pesquisas em nome de institutos de Pernambuco, o caso destacado em O Norte tomou outro rumo e ganhou o noticiário e as ruas.

Na manhã de quarta-feira, 8, o jornalista Tadeu Oliveira, dono do instituto Smart, deu longa entrevista ao repórter Jurandir Nóbrega, no programa Bom Dia Cidade, na rádio homônima. Explicou o cientificismo das pesquisas, rechaçou a matéria de O Norte e garantiu a infalibilidade dos números. No horário gratuito dos candidatos de oposição e nos debates pela TV a página do jornal paraibano já ganhava ares de estrela de Hollywood e pelas ruas de Natal o assunto era um só: a manipulação ou não das pesquisas.

Os debates nas fileiras do PSB, gerados pela reportagem de O Norte, tentam desqualificar o tradicional diário e passar ao natalense a idéia de que a matéria condenou institutos. Quem leu direito percebeu que o centro da denúncia é o esquema de marketing por trás das publicações dos índices, colhidos em circunstâncias que os próprios estatísticos consideram ‘campo contaminado’. Outra crítica é quanto ao vazamento de datas de aferição e dos resultados, neste caso em até 72 horas antes da publicação por jornais e rádios.

Com a roupa da posse

Na noite de quinta-feira (9/9), a TV Cabugi, afiliada da Rede Globo em Natal, divulgou novos números do Ibope com uma diferença de 9 pontos do prefeito Carlos Eduardo para o deputado Luiz Almir (PSDB). Outras pesquisas locais registraram vantagem que variavam entre 12 e 17 pontos a favor do representante do PSB. O dono do instituto Smart disse na Rádio Cidade que uma pesquisa, por sua natureza científica, não falha, mas depois complementou dizendo que ‘falha entre aspas’, dando um exemplo bem claro de uma consulta feita em campos contaminados, os tais currais de certos candidatos.

Talvez tenha sido a tal ‘falha entre aspas’ que levou em 1986 o presidente do instituto Gallup, Carlos Mateus, a telefonar para o ex-governador do RN, Tarcísio Maia, parabenizando-o pela vitória do candidato a governador João Faustino (PDS), que as pesquisas indicavam vencedor com mais de 100 mil votos de dianteira. Abertas as urnas, Geraldo Melo (PMDB) foi eleito com maioria de mais de 14 mil votos. Em 1988, o então diretor de jornalismo da TV Cabugi, o hoje marqueteiro Antonio Melo, anunciou que uma pesquisa boca-de-urna do Ibope garantia a vitória do deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB) para prefeito. A ‘falha entre aspas’ deu Wilma Maia (PDT) na cabeça.

No ano de 1990, a ‘falha entre aspas’ só apareceu no segundo turno das eleições para governador. Lavoisier Maia (PDT) era apontado vitorioso, mas quando as urnas abriram o governador eleito foi José Agripino (PFL). Dois anos depois, o candidato Henrique Eduardo (PMDB) passou para o segundo turno já com a roupa da posse. No dia da eleição, pesquisas de boca-de-urna consagravam sua vitória contra Aldo Tinoco (PSB). Mas Tinoco ganhou por 961 votos.

Perigo de descrédito

A disputa para senador em 1998 também registrou uma ‘falha entre aspas’, provando que a ciência não é infalível. Todas as pesquisa ungiam Garibaldi Filho com uma dianteira de mais de 10% sobre o principal adversário, José Agripino. Quando as urnas abriram, o retrovisor do PMDB registrou um susto nos 3% que separavam um candidato do outro. No ano 2000, palmas, não teve falha nenhuma, todo mundo acertou a vitória esmagadora e inconteste de Wilma de Faria. Mas a ‘falha entre aspas’ voltou tinindo em 2002, quando as pesquisas juravam a vitória de Fernando Bezerra (PTB) para governador.

A eleição de 2002 merece um parágrafo a parte, pois trouxe de volta ao estado nordestino o radicalismo político dos anos 1960, com o marketing do PSB massacrando a reputação e a honra do senador e ex-ministro petebista. A mesma atriz que hoje apresenta Carlos Eduardo na TV gerou indignação a alguns com as agressões a Fernando Bezerra, que nem chegou ao segundo turno, sendo ultrapassado por Fernando Freire (PPB), que perdeu para Wilma. A ‘falha entre aspas’ naquele ano foi tamanha que fez até o ilustre marqueteiro Ney Figueiredo e o professor Paulo de Tarso, da Consult, declararem à imprensa que o novo governador do Rio Grande do Norte era Bezerra.

Na entrevista do jornalista Tadeu Oliveira na rádio, ele reconheceu que as pesquisas ‘são uma peça fundamental na campanha eleitoral’, tese que foi destacada na matéria de O Norte. E também reconheceu o perigo do descrédito que os políticos e seus assessores podem causar à atividade, quando aferições são feitas para ‘forjar’ opinião. O próprio entrevistador revelou que pesquisadores estiveram em sua casa indagando sobre o prefeito e candidatos a vereador da sua coligação. Várias pessoas em Natal declararam ter recebido o mesmo tipo de visita. Talvez esteja aí um dos motivos para aquilo que O Norte chamou de ‘escândalo’ e que só agora a imprensa do Rio Grande do Norte passou a dar atenção.

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Jornalista em Natal, colunista do diário O Jornal de Hoje e criador do site Sanatório da Imprensa (www.sanatoridaimprensa.com.br)