Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O jornalismo e o preço do almoço

O jornalismo como espaço público onde se debatem as idéias, ou como espaço ideal para a formação de uma consciência de cidadania, está em vias de extinção. Nascido em época de frenéticas trocas de idéias, lá pelos idos do século 19, o jornal surgiu com este propósito: tratar de debates públicos. Ninguém imprimia um jornal para falar que sua cadela deu cria. No século seguinte, com a consolidação do poder da nova classe dominante, percebeu-se a importância do jornalismo para um dos mais elogiáveis ideais trazidos pelas revoluções burguesas: a democracia.

Mas isso aconteceu há algumas décadas. Nestes tempos hipermodernos, de rápida obsolescência, fica a constatação: o cenário acima descreve o jornalismo em um distante passado.

Resta, então, a pergunta: o jornalismo-como-conhecíamos interessa hoje a alguém? Ou, mais precisamente: quem se interessa por um jornalismo que venha ao encontro dos interesses públicos? Mais adiante ainda: o que são interesses públicos? O que é esfera pública?

Numa época de supressão dos espaços públicos de trocas, numa era de individualidades, customização e auto-engodo, as pessoas se interessariam por temas da esfera pública? [Aqui, lembro-me de uma matéria da Veja sobre as manifestações de Seattle, no longínquo ano de 2000. Uma das fotos da reportagem (?) trazia um casal de lésbicas empunhando bandeiras contra a matança de baleias e a legenda era algo como: ‘O que elas têm a ver com isso?’ Como se fosse absurdo ou indevido defender causas que ultrapassam a esfera privada.]

Almoço pago

Para responder à indagação acima (‘o jornalismo-como-conhecíamos interessa hoje a alguém?’), vamos inverter hegelianamente o ponto de vista: do consumidor ao produtor.

Pergunta: quem faz jornalismo hoje? Deste ponto, surgem mais perguntas: quem paga a conta da máquina de fazer jornal, da empresa capitalista que tem departamento financeiro, departamento comercial, recursos humanos e, vá lá, departamento de jornalismo? Resposta: as outras empresas capitalistas, ‘parceiras’, no mais novo eufemismo de uma fonte inesgotável deles (product placement, merchandise, ‘informe publicitário’).

Em um país em que quase 70% da população é funcionalmente analfabeta, pequena parcela da receita de um jornal vem do leitor de banca e do assinante – o tal ‘cidadão’. Portanto, o nível de atenção que os jornais dão às demandas deste cidadão – ou seja, da sociedade – é diretamente proporcional à participação dele no bolo da receita.

Matou a charada o jornalista Frei Betto, em entrevista ao site Repórter Social (www.reportersocial.com.br), reproduzida pelo portal Comunique-se em 6/7/04: os jornais vendem cada vez menos porque se afastam do leitor, do cidadão comum, cada vez mais. E se aproximam cada vez mais do pensamento e da ação de pequenos grupos.

Não existe almoço grátis, alguém já disse com muita propriedade.

Para salvar um moribundo

O maior desafio do nosso tempo, para nós, jornalistas, talvez seja o de compreender o lugar do jornalismo neste novo momento histórico. É preciso estudar sobretudo o novo espaço público, lugar onde nasceu e para onde deveria desembocar o jornalismo. Como este novo espaço público se forma? De que ele se alimenta? O que impele as pessoas a aderirem a uma discussão?

Aqueles que discutem temas como criação do Conselho Federal de Jornalismo ou obrigatoriedade do diploma para o exercício da função jornalística devem considerar esse aspecto. Não se pode perder de vista que o jornalismo dos séculos 19 e 20 quase não existe mais. A questão mais premente agora seria discutir o que fazer do jornalismo nessa nova configuração do espaço público. Para, assim, oferecermos a este público o que ele quer, o que ele precisa para se sentir mais cidadão, mais pertencente. Para resgatarmos a bela função do jornalismo.

Como começar? Não sei. Algum palpite aí?

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Jornalista, em Minas Gerais