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Aleijadinho e o Aeroplano: o paraíso barroco e a construção do herói
colonial (Guiomar de Grammont, ed. Civilização Brasileira/Editora Record,
Rio de Janeiro, RJ, 2008, 322 pp., R$ 45,00) seria simplesmente uma tese!? Um
longo ensaio!? Uma ficção!? Uma biografia!? O grande exercício intelectual e
estético são as interconexões na leitura, reunión de gêneros literários,
em mais de três centenas páginas e dezenas de referências bibliográficas
nacionais e estrangeiras, numa temática instigante. Polêmica magnífica. A
filósofa, historiadora, professora da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP),
doutora em Literatura Brasileira (USP) e premiada escritora mineira Guiomar de
Grammont, numa linguagem envolvente, análise profunda e rica em informações,
estuda com inteligência a construção do mito, a vida e a obra de Antônio
Francisco Lisboa, natural de Vila Rica, MG, o Aleijadinho (1730-1814), artista
plástico mais importante do Brasil de todos os tempos. A pesquisadora transita
minuciosamente à procura de verdades ou verossimilhanças: a autoria ou não de
determinadas obras atribuídas a Antônio Francisco Lisboa, a sua formação como
entalhador, arquiteto, a origem familiar e o seu estilo escultural.
Destaque especial para o capítulo 1 (A gênese do ‘herói barroco’), ao
entrecruzar e refletir com lucidez os conceitos do ‘homem barroco’ em Affonso
Ávila e José Lezama Lima, para conceber uma visão admirável sobre o barroco
mineiro. Outro capítulo que merece uma leitura mais atenta é o 4 (Aleijadinho,
estilo e autoria). A partir das idéias de Michel Foucault e Roger Chartier, vai
além e demonstra uma das questões centrais levantadas, controvérsia entre muitos
historiadores contemporâneos: a ubiqüidade de Aleijadinho. E analisa as
críticas, estudos estilísticos e ambigüidades que perpassam as várias teorias
levantadas, sem jamais descaracterizar e refutar, por parte da autora, a
genialidade do artista. Um dos melhores livros do ano – com ilustrações, digno
de uma leitura atenciosa, calma e reflexiva – que afirma e interroga o processo
de formação do mito Aleijadinho através da História do Brasil, sem ficar preso
aos discursos históricos oficiais e fórmulas herdadas.
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Sortilégio (Edson Cruz, Editora Demônio Negro, São Paulo, SP, 2007, 92
pp., R$ 20,00): livro bilíngüe (português/espanhol) de estréia, repleto de
artifícios poéticos sonoros. Enviesado por composições curtas, longas e
singulares. Os limites invisíveis são enfeitiçados pela linguagem
Sambaquis de signos em movimentos. Caieiras. Edson Cruz ferve a boa
poesia, tal qual o ‘forno onde se calcina/ a cal da memória’. Como observa o
professor da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) e escritor uruguaio
Eduardo Milán, ‘mescla a uma ironia controlada que a veces, saludamente,
desbarra en ira’. Na seção Parabolês – a melhor e mais consistente
de todas – temos suítes longas e afiadas.
Em Cidade imaginária, a rima desconcertante nutre a busca indignada,
incessante, em meio às tempestades e o sol tórrido. O poema transcendental, em
transe, diálogo com o Oriente e stand-by existencialista, reflete a roda
do mundo, na qual ‘a cidade é imaginária, pura névoa cármica’. Ao multiplicar-se
em partituras preciosas, processo sólido da escrita, Edson Cruz, editor-fundador
do Portal de Literatura & Arte Cronópios, apresenta-nos uma antologia – o
livro lembra uma antologia – afirmativa/reafirmativa, com vôos prodigiosos para
o futuro. Intrépido ‘feito gato no cio’ é um quelônio pertinaz ‘na contingente
luz verde que se revela’, e antevê/vê com maestria ‘o sândalo na onda indo
noutra direção’.
3
Um dia, o trem (Fernando Fiorese, Nankin Editorial, São Paulo, SP, 2008,
48 pp., R$ 15,00): poesia da mais alta qualidade, impactante, com imagens
engenhosas, sem jamais cair no excesso de sentimentos. Na realidade, o livro tem
um lirismo com requintes grandiosos. Metafísico. Caminhos, ir e vir – um devir –
que pulsa na tensão pai-filho-pai-filho, enlace com ternura, articulados num
ritmo extraordinário; a sagrada confluência, ou encruzilhada, de versos, prosas,
ressonâncias e enigmas silenciosos. Híbrido. Lembra uma Maria Fumaça percorrendo
seus trilhos numa viagem reflexiva, sinuosa, sem perder o tom e flashes
poéticos, indagando quem é ela/ele na travessia e para onde vai – o menino, o
pai e, por extensão, quem somos nós e para onde vamos.
Fernando Fiorese, jornalista, escritor e professor da Universidade Federal de
Juiz de Fora (UFJF), que comemora com Um dia, o trem 25 anos de
publicação do seu primeiro livro, sussurra paisagens/passagens em bitolas amplas
de letra, forma e ferro, banhadas pelo despertar do carvão e da fumaça, de uma
maneira bem mineira. Cinematográfico. Murilamendes falando, telegrafa e desloca
o tempo, a temperatura e as estações: ‘as pessoas são frases, fases’. A sua
bagagem é um trem-metáfora, um parêntese que apita eternamente. ‘A infância é
ferroviária.’
4
Não poderia deixar de mencionar a excelente
revista comemorativa dos dois anos da Confraria do Vento (Editores
Márcio-André, Ronaldo Ferrito e Victor Paes, Editora Confraria do Vento, Rio de
Janeiro, RJ, 2007, 140 pp., R$ 27,00). Recebi o exemplar em 2008 – assim como o
livro mencionado acima do escritor Edson Cruz. O projeto gráfico, visual,
ensaios (distinção para Poesia e Imagem, de autoria do argentino Raul
Antelo), poesias, contos, traduções e imagens (Jean Baudrillard e Fernando
Figueiredo, exímios) são ‘make it new’. 71 autores. Renovação, qualidade e
pluralidade. Vamos aguardar o próximo número…
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Jornalista, escritor, pesquisador e ensaísta, autor de Pavios Curtos (Anomelivros, 2004), participa da antologia O Achamento de Portugal (Fundação Camões e Anomelivros, 2005) e dos livros Pequenos Milagres e Outras Histórias (2007) e Folhas Verdes (2008); Belo Horizonte, MG