A tendência, nociva, há tempos é denunciada neste Observatório por Alberto Dines: os departamentos comerciais ou de marketing das empresas jornalísticas mais e mais têm o privilégio de pautar e armar a primeira página dos jornais brasileiros – ou pelo menos de alguns dos de maior prestígio.
Hoje, anúncios ocupam, de alto a baixo, o espaço do que antes se considerava, com rigor e interesse, um espelho da edição que o leitor tinha nas mãos ou lia de relance numa banca. Pior ainda, nos últimos tempos alguns desses anúncios contém palavras, frases inteiras em língua estrangeira, de preferência inglês. Não poucos leitores perguntarão do que se trata: é notícia ou anúncio? Isso quando e se entendem o que diz o texto.
E como estamos diante de uma tendência que só cresce e se ramifica (faz pouco a agência África, em anúncio interior de página inteira, se intitulava uma ‘agência de branding’), talvez seja inócuo, ingênuo até insistir na denúncia, pois no bater do martelo entre jornais e agências de propaganda predominam os interesses comerciais de ambas as partes. O importante, tudo indica, é satisfazer os clientes das agências, não os leitores do jornais.
Excuse me?
Ainda assim, com alguma apreensão, nestes tempos de comunicação veloz e atordoante, agravada com o tão antecipado fim do ofício de produzir informação de forma profissional, faço aqui o registro de outro exemplo melancólico de como se diluem as fronteiras entre jornalismo e propaganda, sem que se vislumbre no horizonte a menor repercussão negativa, o mais ínfimo protesto.
No quarta-feira (8/7), o ‘Caderno 2’ do Estado de S.Paulo trazia, em sua primeira página, sob a manchete de uma matéria sobre Paulo Francis – ‘Eterno polemista’ – um texto publicitário, obviamente intitulado em inglês, ‘Opening soon’, contendo carta de alto executivo de rede hoteleira inglesa parabenizando um empresário brasileiro que, com seu empreendimento no ramo, se associa ao grupo europeu.
Escrita em inglês comercial, nela o signatário se alterna entre autoelogios sobre os padrões de qualidade em hotéis de alto luxo de sua empresa e louvores à competência comprovada do associado brasileiro na área, que justificam agora sua plena aceitação no conglomerado mundial.
Até aí, tudo bem, estão fazendo negócios, gerando empregos, divulgando seus objetivos. O problema é que a tal carta não vem acompanhada de explicação alguma em bom português: é publicada na íntegra sobre um fundo negro, sem um mísero alerta aos leitores do jornal a respeito de sua verdadeira finalidade.
Cada um na sua
Para os poucos sabedores do assunto, fica claro, é publicidade pura e simples; mas, e os milhares de outros leitores, o que podem concluir? Afinal, quantos lêem inglês ou conhecem as diferentes técnicas publicitárias?
Seja como for, duas coisas parecem claras nesse quadro deplorável: primeira, os jornalistas não devem estar muito à vontade com esse tipo de decisão marqueteira da casa, um triste desrespeito à natureza do seu trabalho; e, segunda, a propaganda brasileira, uma das mais criativas do mundo, poderia utilizar outros recursos menos invasivos para cumprir seu legítimo e importante papel na comunicação moderna – fazer publicidade de marcas, produtos e serviços dentro de seu próprio território, ou seja, no espaço tradicionalmente reservado para isso nos veículos.
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Jornalista e escritor