Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A pura verdade

‘Nasci homem de imprensa. Fui, sou, tenho sido e só serei, enquanto tiver vida e capacidade de trabalho, apenas e tão-somente homem de imprensa. Este é o meu destino. Esta é minha vocação. … Nenhum título, nenhuma honraria, nenhuma comenda, nada importa mais para mim do que o exercício diário, ininterrupto, constante, das funções profissionais que, ao longo da vida, venho exercendo no jornal que se honra de ter sido fundado e continua a ser inspirado por Irineu Marinho.’ Roberto Marinho

De certa maneira, o Jornal Nacional nasceu adulto: ele é parte de uma tradição que começou bem antes de setembro de 1969, quando foi ao ar pela primeira vez. Suas raízes estão nos dois jornais criados por meu avô, Irineu Marinho: A Noite, que nasceu em 1911, e O Globo, que data de 1925. Irineu morreu 21 dias depois do nascimento do Globo. Foi meu pai, Roberto Marinho, quem levou O Globo adiante. Como faria mais tarde com o Sistema Globo de Rádio, a Editora Globo e a TV Globo.

As três aventuras – A Noite, O Globo e o Jornal Nacional – têm em comum a paixão pela notícia e a busca permanente de formas eficientes de transmitir informação correta ao maior número possível de cidadãos. Uma das heranças deixadas por Irineu foi a lição de que um empreendimento só pode progredir se, além da vontade do dono e do capital investido, existir também a capacidade de atrair os melhores profissionais, e lhes oferecer ambiente e meios para se realizarem pessoalmente.

Foi o que Roberto Marinho fez ao longo de toda a sua vida, tendo a seu lado os irmãos, Ricardo e Rogério Marinho. E é exatamente o que meus irmãos, Roberto Irineu e José Roberto, e eu procuramos fazer até hoje. Desde o começo, meu pai buscou profissionais competentes, não importando o matiz ideológico. ‘Os comunistas de Roberto Marinho’ não são apenas parte do folclore político, mas a prova de que, para meu pai, importava mais a capacidade de trabalho do que as divergências de pensamento. Ao lado disso, assim como A Noite de Irineu, O Globo de Roberto Marinho sempre foi mais voltado para a notícia do que para o debate pseudo-intelectual, muitas vezes estéril, tão em moda nos jornais do início do século XX. Ele tinha a convicção de que a um jornal não cabe formar opinião, mas oferecer ao leitor as informações relevantes para que ele forme suas próprias opiniões. Isso nunca significou abdicar de suas opiniões, mas estas tinham seu lugar adequado nos editoriais do Globo.

Um jornal informativo e ágil exige pessoal de talento, trabalhando com o que de mais moderno existir nas formas de produção e transmissão de informação. Foi por acreditar nisso que O Globo foi o primeiro jornal da América Latina a ter radiofotos, telefotos, telefotos em cor. Não por acaso, o jornal foi pioneiro na informatização, um processo que se estende da redação ao parque gráfico.

Olhar brasileiro

Nesta casa de jornalistas – assim como meu pai, também nós, seus filhos, tivemos toda a nossa formação na redação do Globo –, adquiriu forma e consistência o tipo de comunicação de massa de que o Jornal Nacional é um dos herdeiros. Quando, em 1º de setembro de 1969, o Jornal Nacional entrou no ar, ainda ligando poucas cidades, meu pai concretizou um de seus sonhos mais ousados: quase 20 anos após o aparecimento da televisão brasileira, Roberto Marinho fez surgir no Brasil a televisão em rede. Como sempre, a notícia era a espinha dorsal do projeto – e a sua qualidade, o fator que determinaria o seu êxito.

Herdeiro de uma tradição, o Jornal Nacional foi também o criador de uma nova linguagem jornalística no Brasil. Inspirados no modelo americano, profissionais como Armando Nogueira e Alice-Maria souberam tropicalizá-lo, afastando-se do modelo radiofônico a que ainda se apegavam os telejornais de então. No Jornal Nacional, palavra e imagem tiveram desde o início a mesma importância. Hoje, assistindo aos diversos telejornais da Globo e da concorrência, parece que todo o conjunto de regras que rege o telejornalismo nasceu pronto; na verdade, foi construído pouco a pouco por uma geração de profissionais dedicados. Assim como no Globo, também na Globo Roberto Marinho fez questão de se cercar dos melhores, dos mais preparados. E eles fizeram o mesmo com seus auxiliares. Antes de Armando Nogueira – e o Jornal Nacional – a Globo já contara com Mauro Salles. Vieram depois nomes expressivos do jornalismo brasileiro: Alberico de Sousa Cruz, Evandro Carlos de Andrade e, hoje, Carlos Henrique Schroder.

Da mesma forma, numa velocidade enorme, a tecnologia evoluiu de tal maneira – tendo sempre o Jornal Nacional como pioneiro – que poucos se dão conta de que a realização das primeiras externas era um desafio de difícil superação, tal o tamanho das câmeras cinematográficas com filmes em película. Hoje, câmeras pequenas, leves e totalmente digitais, são capazes de captar a imagem em qualquer parte do mundo e transmiti-la já sem a necessidade de satélites.

Nesses 35 anos, a sofisticação dos nossos instrumentos de trabalho somou-se ao progresso do sistema de afiliação de emissoras, que dividem conosco um mesmo corpo de valores, para transformar a Rede Globo – cinco emissoras próprias e 112 afiliadas – no único veículo de comunicação presente em todo o território nacional, com redações completas e bem equipadas. Nenhum outro órgão de mídia tem o alcance da Rede Globo. Não é por acaso que, se algo acontece em qualquer cidade do Brasil, é na Globo que os brasileiros se informam em primeiro lugar. Apenas a Rede Globo está presente, com repórteres, cinegrafistas e editores, nos 27 estados brasileiros, em 117 municípios, cobrindo literalmente o Brasil inteiro. Ao todo, são 4.500 jornalistas para contar aos brasileiros o que acontece no país. É igualmente ampla a cobertura internacional. Além de usar das melhores agências de notícias, o Jornal Nacional está presente nos Estados Unidos, na Argentina, no Reino Unido, na França, na Itália e em Israel, com correspondentes próprios. É um olhar brasileiro sobre o mundo. A qualquer hora do dia ou da noite, mas especialmente no horário do Jornal Nacional.

Mil horas

O avanço do jornalismo pela TV e, mais recentemente, pela Internet, influiu fortemente na evolução dos jornais impressos. Se antes cabia a eles dar a primeira notícia sobre os fatos, essa missão é hoje principalmente do chamado jornalismo eletrônico. Aos jornais impressos, cabe prioritariamente analisá-los, interpretá-los e colocá-los em perspectiva. Importa, acima de tudo, contar ao leitor em que os novos fatos,processos e tendências afetam sua vida. Há mais de uma década, os jornais das Organizações Globo adaptaram-se com sucesso a esse novo modelo, no qual os diferentes meios de comunicação de massa são complementares, muito mais do que rivais. Mas não deixam de ter em comum o zelo pelos atributos da qualidade jornalística:correção, agilidade, isenção. Esse é o perfil do Jornal Nacional nesses seus primeiros35 anos. Não é por acaso que é líder absoluto de audiência desde que foi ao ar pela primeira vez: trata-se de conseqüência direta da qualidade do jornalismo que apresenta.

Mas a todos os atributos da qualidade, o jornalismo moderno acrescenta mais um: a transparência, a autocrítica, a admissão de falhas. Talvez não seja exagero dizer que não há atividade mais frenética no mundo do que o jornalismo, e o jornalismo televisivo em primeiro lugar: a cada minuto, o volume de informações que devem ser captadas, entendidas, avaliadas e processadas é tão assustadoramente grande que chega a parecer um milagre diário que o índice de erros seja tão pequeno. Mas erros existem. E, numa organização como a nossa, não há falha, por menor que seja, que não suscite reflexão profunda e discussões às vezes longas, buscando a correção de rumos, de processos, de procedimentos.

Para celebrar os 35 anos do Jornal Nacional, nada melhor do que um livro que narrasse os seus inúmeros êxitos, a sua história de sucesso, os seus personagens mais marcantes – sem esquecer todos os momentos difíceis. Não se faz um livro com esse objetivo senão através da palavra de seus principais atores, do editor de imagem ao editor de texto, do repórter ao editor-chefe, do diretor-geral aos acionistas. Para isso, pôde-se contar com o Memória Globo, um projeto dirigido por Sílvia Fiuza, sob a liderança de Luis Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicação, e com a colaboração de Ali Kamel, diretor executivo de Jornalismo. O projeto existe para preservar a história dessa aventura brasileira que começou quase um século atrás. São mais de mil horas de depoimentos dos pioneiros das Organizações Globo, de ex-colaboradores e dos profissionais que hoje nos ajudam a levar à frente a nossa missão. Este livro é a história do Jornal Nacional, contada por seus protagonistas, com base também na documentação existente.

Quando o leitor virar a última página, esperamos que ele tenha a mesma certeza diária que tem ao terminar de assistir ao Jornal Nacional: a de que o que acabou de ler, goste-se ou não, é a pura verdade.

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Vice-presidente das Organizações Globo e presidente do Conselho Editorial