Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A presença de Paulo Francis

Em 40 anos de militância no jornalismo – de 1957 até sua morte, em 1997 –, Paulo Francis marcou presença na mídia brasileira devido à contundência dos argumentos que esgrimia, à sofisticação de sua inteligência enciclopédica e, sobretudo, pelo estilo espontâneo, aberto, às vezes injusto e arrevesado, mas francamente polêmico, adotado em seus escritos e aparições na TV. Goste-se ou não de Paulo Francis, impossível desconsiderar sua importância como jornalista e escritor.

Ainda muito jovem, Daniel Piza – hoje editor-executivo do Estado de S.Paulo, onde mantém uma coluna dominical no Caderno 2 – aproximou-se de Francis. Na convivência então estabelecida está o motivo da opção que Piza fez pelo jornalismo. Também escritor profícuo, é dele, do discípulo, a autoria do 43º volume da coleção ‘Perfis do Rio’, Paulo Francis – Brasil na cabeça, lançado semana passada numa co-edição Relume Dumará e RioArte, da Prefeitura do Rio de Janeiro.

Na entrevista a seguir, feita por e-mail, Piza comenta seu novo trabalho.

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Qual o mote de seu livro?

Daniel Piza – É um perfil que tenta mesclar a narrativa biográfica com uma interpretação das mudanças de pensamento do Francis em relação ao Brasil e a tudo o mais. Os fatos centrais da vida dele estão ali, mas, se tenho algo a oferecer, é a leitura de suas opiniões em face do que vivia; por exemplo, o impacto do golpe de 1964 não só em sua carreira, mas também em sua psique, foi mais importante do que normalmente se pensa, foi uma grande desilusão dele inclusive em relação a si próprio.

Como você se aproximou de Paulo Francis? Que lições guardou da convivência com ele?

D.P. – Eu tinha 19 anos e era admirador fervoroso da coluna dele, ‘Diário da Corte’, na Folha de S.Paulo, e decidi escrever uma carta para ele contando minhas leituras e angústias. Ele achou a carta bem escrita e sugeriu que eu me tornasse jornalista. Em 1991 eu o conheci pessoalmente e a partir dali passamos a nos falar com muita freqüência. Dessa convivência guardei a seguinte lição: ele era o que escrevia, apesar de mais gentil ao vivo e mais virulento por escrito; ele se dava todo para os textos, injetando personalidade em cada palavra. Não era rigoroso nem sereno, mas tentava olhar as coisas sempre de forma crítica, corajosa, franca.

O que as novas gerações têm a aprender com a trajetória e os escritos de Francis?

Daniel Piza – Acho que a importância que ele dava ao jornalismo, especialmente ao jornalismo de opinião, para um indivíduo e para a sociedade. Hoje os jornalistas estão muito burocráticos, com medo de colocar personalidade no que escrevem, com medo de pensar de modo diferente ao da média dos colegas. O bom jornalismo precisa sempre de um tom autoral, desafiador, de pessoas que tenham opinião e a fundamentem com perspectiva e sensibilidade. Francis cometia excessos (ataques pessoais, por exemplo) que não devem ser copiados, mas foi um articulista que não fazia condescendência, que ia contra a corrente, e era muito culto e inquieto. Qualidades hoje escassas.

Qual a melhor qualidade do jornalista Paulo Francis e o seu pior defeito?

Daniel Piza – A melhor qualidade foi essa intensidade que conferia aos textos, o que contagiava o leitor nem que fosse para repudiá-los. O pior defeito era que o próprio Francis às vezes caía vítima desse ardor, deixando-se levar pelo destempero e até mesmo pela opinião pouco embasada. Cometia leviandades. Eu acho possível combinar o calor do texto com o equilíbrio da opinião.

Quer acrescentar algo que considera importante sobre seu novo livro?

Daniel Piza – Apenas dizer que ele pode surpreender os fãs por fazer objeções aos exageros de Francis e os detratores por defendê-lo como um dos melhores e mais influentes jornalistas brasileiros de todos os tempos, por sua inteligência, caráter e cultura.