Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A voz dos fantasmas

Não sei se os suplementos especializados em livros, cujo espaço é cada vez mais exíguo na imprensa, terão interesse ou condições de comentar Crônicas do rádio: nos tempos áureos da Mayrink Veiga, de Luís Antônio Pimentel. O livro é muito pertinente – ou ‘um achado’, como diz na apresentação o professor Aníbal Bragança, da Universidade Federal Fluminense, coordenador do Núcleo de Pesquisa sobre o Livro e a História Editorial e doutorado pela Universidade de São Paulo. Foi ele quem organizou essas crônicas de Pimentel, jornalista brasileiro influenciado pela cultura japonesa.

Luís Antônio Pimentel foi, senão o primeiro, um dos primeiros a divulgar em livro a cultura japonesa em nosso país ao publicar, em 1942, no Brasil e no Japão, Contos do Velho Nipon.

Pimentel é um daqueles intelectuais que a alta especialização das academias está matando há décadas – e as exclusões são feitas no atacado, como se o ecletismo fosse crime. Jornalista, ficcionista, compositor, fotógrafo, artista plástico, historiador, biógrafo, memorialista, teve músicas gravadas por Odete Amaral e Carmem Miranda. Nascido em 1912, continua na ativa, publicando semanalmente a seção ‘Artes Fluminenses’ em A Tribuna e no Jornal de Icaraí, ambos de Niterói.

Devemos muito à pequena imprensa, assim como devemos muito também à ‘imprensa nanica’, expressão cunhada pelo falecido escritor João Antônio – a quem, aliás, o jornalismo e a literatura brasileira tanto devem, e de quem parecem, ambas as estâncias, esquecidas. João Antônio, para dizer o mínimo, é referência solar nos dois ofícios, de escritor e de jornalista.

‘Cumprimento insincero’

O volume Crônicas do Rádio: nos tempos áureos da Mayrink Veiga vem acompanhado também de preciosa de introdução feita por Sonia Virgínia Moreira, jornalista e professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, mestre em jornalismo pela Universidade de Colorado e doutora pela Escola de Comunicações e Artes da USP. De sua introdução, destaco este trecho que diz muito:

‘Este livro representa uma viagem no tempo e no espaço. Um tempo em que trabalhar no rádio era fazer parte do broadcasting, com speakers, e integrantes de seleto cast circulando pelos studios das PRs (referência ao prefixo das rádios pioneiras, formado por três letras e um número). A terminologia ainda era estrangeira, mas a produção era tipicamente nacional, com os personagens convivendo no espaço de duas cidades: Rio de Janeiro, capital da República, e Niterói, capital do Estado do Rio, em ambientes urbanos como cafés, confeitarias e cassinos, onde a cultura, a música, a informação e a política inevitavelmente misturavam-se num caldeirão de conteúdos surpreendentes e desfechos imprevisíveis’.

As crônicas cobrem os anos de 1935 a 1937. O humor está presente em muitas delas, como em ‘Que pena…’, de 21 de abril de 1936, dando conta de que o célebre The Times, jornal inglês que nunca ri, segundo Eça de Queiroz (ou que não ria ao tempo do escritor português), noticiara que repórteres da BBC tinham ido ao Castelo de Kent, construção medieval, ‘munidos de microfones sensibilíssimos, impressionáveis aos mínimos sons’ para ‘britanicamente… irradiar a aparição de fantasmas’. A notícia tinha sido dado no Brasil pelo cronista de São Paulo, Frandini Neto.

Luís Antônio Pimentel faz blague:

‘Imagine ainda o caro leitor, o espanto e o horror dos pobres mortais ao ouvirem a voz gélida do fantasma, terminadas as irradiações, rosnar, em tonalidades de além-túmulo, numa frase corriqueira, o cumprimento mais insincero do mundo… senhores ouvintes… boa noite!!!’.

E conclui, criticando a voz de alguns locutores:

‘Nós brasileiros, pelo menos aqui no Rio de Janeiro, nesta ‘cidade maravilhosa’, podemos ouvir todas as noites as vozes dos mais autênticos fantasmas, a começar pela voz de certos speakers‘.

Vale a pena procurar o livro.