Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Ignorância é poder

A frase do título, de George Orwell, se aplica às eleições americanas. O povo americano provavelmente reelegerá um homem que chegou a presidência dos Estados Unidos de forma sabidamente controversa. De sua gestão, a grande imprensa americana comenta principalmente o combate ao terror. Na prática, Bush e sua equipe de governo desprezaram significativos alertas de que os terroristas da al-Qaeda estariam planejando um ataque em massa nos EUA, numa total – e suspeita – ineficiência de seus órgãos de inteligência antes do atentado de 11 de setembro. Em vez de apurar suas falhas anteriores ao atentado como chefe de Estado, a mídia americana preferiu poupá-lo, apontando nele a ‘grande liderança’ da ‘guerra ao terror’. Com isso, Bush alcançou na época popularidade de 90%.

Os bilhões gastos na guerra do Iraque tiveram resultados pífios; o gigantesco aparato militar deslocado – que dilapidou os cofres americanos – apenas ‘destronou um tiranete’ encontrado dentro de um buraco imundo, acompanhado por um exército de piolhos. As ‘perigosas armas’ de Saddam Hussein resumiram-se numa pistola, exibida como um troféu por Bush aos visitantes da Casa Branca, guardada com todo o cuidado no escritório junto ao Salão Oval. Segundo a revista Time, Bush mostra a arma a visitantes especiais: ‘Ele realmente gosta de mostrá-la e tem orgulho de possui-la’. O fato pitoresco nesse episódio é que a arma de Saddam ‘está guardada na mesma sala onde o ex-presidente Bill Clinton manteve encontros com a então estagiária Mônica Lewinsky’ (O Globo, 31/5/2004).

No mundo real, seus funcionários tentam manter o moral das tropas, para combater os insurretos que lutam ferozmente contra os EUA. Mesmo assim Bush ainda insiste nesta ‘ocupação’ baseada em mentiras, que já custou a vida de 1.000 soldados americanos e de milhares de iraquianos, a maioria civil.

Bilhões de dólares aquecem as fábricas de armamentos. O motivo principal da guerra do Iraque torna-se evidente nas declarações do subsecretário da Defesa dos EUA, Paul Wolfowitz, aos delegados que participaram da cúpula de segurança asiática em Cingapura, como informou o jornal alemão Der Tag-Spiegel em maio de 2003 – ‘Nadar em petróleo foi a principal razão para a ação militar’. Também em maio de 2003, em entrevista à revista Vanity Fair, Wolfowitz afirmou: ‘Por razões ligadas à burocracia de nosso governo, fixamos como ponto principal algo com o qual todos poderiam concordar – as armas de destruição em massa’. O jornal O Estado de S. Paulo apresentou o título ‘Razão do ataque foi o petróleo, diz Wolfowitz’, em 5/6/2003.

O jornal The New York Times, já desperto de sua postura anterior, em que se omitiu no acompanhamento da guerra do Iraque, atenuou sua ausência com o mea-culpa de 17 de junho de 2004:

‘É difícil imaginar como a comissão que investiga os ataques terroristas de 2001 poderia ter afirmado com mais clareza, que nunca houve qualquer indício de uma ligação entre o Iraque e a al-Qaeda, entre Saddam Hussein e o 11 de setembro. (…) Agora o presidente Bush deve pedir desculpas ao povo americano, que foi levado a acreditar em algo diferente. (…)

Entre todos os caminhos com os quais Bush persuadiu os americanos a apoiarem a invasão do Iraque no ano passado, o mais obviamente desonesto foi seu esforço para ligar sua guerra de escolha à batalha contra os terroristas em todo o mundo. (…) Esta não é apenas uma questão de diminuição da credibilidade do presidente, ainda que isso seja suficientemente perturbador. A guerra contra o terrorismo, na verdade sofreu perdas uma vez que o conflito do Iraque desviou recursos militares e de inteligência de lugares como o Afeganistão, onde poderia realmente haver forças da al-Qaida, incluindo bin Laden’.

E, mesmo assim, segundo o Instituto Gallup, Bush está com uma vantagem de 13 pontos percentuais à frente de Kerry (Folha Online, 17/9/2004). Por quê?

Comportamento exclusivista

Segundo pesquisa feita pela National Geographic Society em 2002, apenas um em cada sete americanos (cerca de 13%), com idades variando entre 18 e 24 anos, soube indicar no mapa onde fica o Iraque. E pior: metade não soube apontar onde fica a cidade de Nova York. Qual o motivo para tanta alienação? O americano médio não quer saber do mundo aqui fora.

A mídia americana fomenta esse comportamento exclusivista, e isso hoje em dia tem um sentido mais profundo e preocupante: os jornalistas perdem, dia após dia, a liberdade de crítica ao establishment na grande imprensa. Os interesses econômicos geralmente manipulam as notícias. Ted Turner (criador da CNN) declarou ao jornal The Washington Post em junho de 2003, analisando as tendências de concentração na mídia: ‘Limitarão o debate público, inibirão novas idéias e fecharão as pequenas empresas de comunicação’.

A Federal Communications Commissions (FCC) – presidida por Michael Powell, filho do secretário de Estado do governo Bush, Colin Powell – em junho de 2003 aprovou a proposta que relaxou as normas do controle de propriedade de meios de comunicação no país. A partir desta data, uma companhia pode ter até três emissoras de TV e um jornal numa mesma região.

Nação abandonada, mar de papoulas

A imprensa americana como um todo acata a política do medo, publicando constantemente as notícias oficiais, que anunciam o perigo iminente de novos e catastróficos atentados – que não acontecem e nem acontecerão dentro de território americano. Não agora que Bush está tão perto da vitória.

Os alertas-relâmpago – que vêm intensos e somem rapidamente, sem explicação – mantêm a política do medo que alicerça a campanha de Bush. Aliás, o último grande alerta teve um motivo bem retardado: ‘O governo de George W. Bush se viu ontem sob pressão, depois da revelação de que grande parte das informações que o levaram a elevar o alerta contra atentados terroristas e a mobilizar um grande aparato de segurança ao redor de edifícios apontados como alvos em três cidades dizia respeito a planos da al-Qaeda de três anos atrás, ou seja, anteriores aos atentados de 11 de setembro de 2001’ (O Globo, 4/8/2004).

O Afeganistão é hoje uma nação abandonada, cuja população vive na penúria (70% dos afegãos vivem com menos de 2 dólares por dia), um país dominado pelos produtores de papoula, matéria-prima da produção do ópio. ‘A produção de ópio voltou com toda a força e só no ano passado rendeu US$ 2,3 bilhões, mais de 50% do PIB do país’ (IstoÉ, 7/4/2004). Os antigos chefes da Aliança Norte são, agora, ‘barões’ da droga. Mas como conseguiram o dinheiro para as plantações? Bob Woodward, em seu livro Bush at war, dá uma pista: ‘A derrota do Talibã foi resultado em grande parte dos milhões de dólares em notas de 100 que a CIA dava aos comandantes afegãos para conseguir seu apoio’. Receberam um bom dinheiro da CIA, para aceitarem as tropas americanas seguindo na retaguarda de suas tropas. E posteriormente investiram esse dinheiro na droga: ‘O Afeganistão, desde 2002, já é um narco-Estado responsável pela produção ilegal de 75% do ópio mundial’ (CartaCapital, 3/12/2003). Ou seja: com o dinheiro fornecido pelo governo Bush, os chefes da Aliança Norte fizeram seus investimentos em floricultura. Talvez seja por isso que a administração Bush nada faça a respeito. Afinal, são apenas flores, um mar de lindas papoulas coloridas.

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Estudante de Jornalismo