Eu sou Eduardo Mamcasz, jornalista com diploma e carteirinha, na ABI e nos sindicatos do Rio e de Brasília, desde o dia 7 de 7 de 77, portanto, já lançado na cesta dos velhos, até porque desde 80 estou na EBN-Radiobrás-EBC, ou o nome que venha ainda a ter. Atualmente, estou analista em Comunicação Pública, mas comecei como jornalista, repórter no Palácio do Planalto, coordenador de Notícias e diretor de Jornalismo.
Alerto, antes de apresentar a proposta, dentro do tema proposto, ou seja, TV Pública, que não represento, neste momento, a Comissão dos Empregados da EBC, para a qual também fui eleito, e nesta posição pessoal lamento que outros setores da EBC continuem sendo deixados para o Neverland, mas acho que o rumo público a ser definido para a TV Brasil possa servir para as Rádios Nacional e Agência Brasil, ou EBC.
Portanto, crianças, diante do esclarecido, permitam-me viajar no tempo, em nome dos meus cabelos tingidos de branco, e começar pelas discussões que, utopicamente, como hoje estamos aqui, acreditávamos por ocasião da saída dos militares do poder e da entrada dos civis, primeiro pelo meio indireto, na chamada Nova República, quando, como dizíamos, eram tempos em que o Ulysses entrava na sala do Sarney sem bater na porta.
E o que a gente defendia, naquela época, inclusive no Palácio do Planalto, e acho que continua válido, inclusive nesta audiência dita pública, era um caminho que se pretendia para a nova EBN – Empresa Brasileira de Notícias, atual EBC – Empresa Brasil de Comunicação, no sentido dela deixar de ser governo e passar a ser Estado. Eis aí meu raciocínio embora na confusão que se formou no que deva ser público, estatal, governamental.
Qual a fatia do governo?
Naquele recomeço, a gente acreditava que a nossa empresa, na época EBN, atual EBC, voltaria ao interesse do Estado, aqui chamado de público, representando não o estatal, termo deturpado, nem o privado ou setorizado, mas o conjunto do que seria a nação, ou seja, a pessoa cidadã, discussão esta até hoje precisando ser consolidada, por conta de interesses dos governos que, na verdade, continuam donos das TVs Públicas.
Deixem-me explicar melhor este começo de ontem para chegar à proposta no dia de hoje, ou seja, falta muito para se definir claramente o que é público, no sentido do que está sendo discutido aqui, e já me adianto à primeira provocação, apoiando-me nas linhas iniciais da Carta de Brasília, 11 de maio de 2007, ao final do Primeiro Fórum Nacional das TVs Públicas, e aqui leio textualmente não as conclusões, mas as preliminares:
‘Nós, representantes das emissoras públicas, educativas, culturais, universitárias, legislativas e comunitárias…’
Portanto, completo, sem qualquer deturpação às conclusões do fórum nacional, que TV pública é uma coisa totalmente diferente e me desculpem os comunitários aqui presentes porque TV Pública não teria nada a ver com as outras TVs, mesmo que comunitárias, educativas, universitárias ou legislativas, até porque elas se destinam a um determinado setor, mesmo que bem intencionadas, e não ao estimado público em geral.
E aí, como é que a gente fica hoje? A TV Brasil, em se pretendendo pública, apesar do longo caminho a ser percorrido, teria que fazer exatamente o que em relação ao Estado? E não estou dizendo no sentido de empresa estatal, não, mas voltada ao todo, a partir do que coloco a segunda provocação: em sendo pública, qual deveria ser a fatia do governo e quem de fato representaria a sociedade civil na gestão editorial?
‘Políticas republicanas de alcance social’
Então, vamos direto ao miolo do abacaxi e me refiro ao tema de hoje, TV Brasil-TV Pública. Coloco em discussão, a partir da pré-definição do que estamos aqui defendendo, que seja primeiro muito bem definido o termo ‘público’, para diferenciá-lo do ‘privado’ ou do ‘estatal’, inclusive cito uma discussão interna acontecida na Comissão dos Empregados da EBC sobre as possíveis diferenças entre ‘governo e governamental’.
Tem mais discussão que pode ser acrescentada aqui em torno de como deva ser definido o que é público, de publicar, publicitar, não deixar escondido, plural, ao contrário do privado, de privar ou particular, de partícula, singular, estendendo-se a palavra para o conceito de republicana que, na tradução, ficaria sendo uma coisa em se mantendo pública e, por conseguinte, nunca voltada a apenas um espaço, mesmo que este seja o terceiro setor.
Volto a um tempo desconhecido das crianças aqui presentes, que foi o grande rebuliço criativo da Constituinte de 88, o qual definiu os princípios do que seja uma administração pública, bem enumerados pela ex-seringalista Marina Silva num artigo naFolha de S.Paulo em 29 de junho de 2009, e que deveriam ser, penso eu, aplicáveis ao caso aqui sendo discutido, ou seja: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Dou sequência às virtudes colocadas na Constituição com as conclusões do Fórum das TVs Públicas, recomendando que as TVs Públicas devam ser ‘independentes, democráticas e apartidárias’, ao que foi ainda acrescentado que o ‘campo público da televisão promova a cidadania’, que o financiamento tenha origem em ‘fontes múltiplas’ e, além disso, que promova ‘a construção de políticas republicanas de alcance social’.
Lentidão imobiliza Conselho Curador
Portanto, permitam-me um singelo complemento, ou seja, tudo o que uma TV Pública deveria ter para assim ser classificada, a EBC, no caso a TV Brasil, não o pratica e vejamos logo porque afirmo isto. O Conselho Curador aqui presente não é independente porque nomeado pelo governo federal, que também alimenta as fontes de recursos, sendo portanto a EBC uma empresa fechada, distante da governança corporativa e dependente.
Volto ao ano de 2004, quando foi divulgada a ‘gestão estratégica’ da Radiobrás, atual EBC, cujos termos ainda não foram mudados na prática, quando ficou escrito que entre os valores perseguidos estava o ‘respeito ao caráter público de nossa atividade, ao buscar a excelência e ao exercer a transparência externa e interna’. Aliás, corte rápido porque desde dezembro não são publicitados os boletins administrativos da EBC.
Mas continuando, e passo para outra provocação porque também foi colocado como estratégia editorial, aliás seria papel deste Conselho Curador definir a linha editorial da empresa, mas sem esta exagerada lentidão com que se imobiliza, haja a ver que até o Manual de Redação está sendo feito sem discussão pública, mas volto à frase em que a Radiobrás deveria concentrar o foco em jornalismo e no ‘espaço público político’.
Falta de políticas públicas
Aqui jogo outra provocação ao espaço maior dado ao jornalismo tradicional que está sendo praticado, e no caso aqui sendo discutido, pela TV Brasil, que pretende vir a ser pública porque ainda não foi dado espaço devido ao lúdico, educativo, formativo, didático, serviço, manifestação cultural ainda não comercializada, porque o jornalismo em si impede o inovativo, criativo, experimental, interativo e multiprogramático.
Apoio-me num artigo de Alfedo Boneff, do Ibase, questionando se a TV Educativa seria TV Pública, nesta defendendo maiores espaços para a invenção, a experimentação e até mesmo a inovação, inclusive diante dos novos meios digitais que ainda parecem distantes, na prática, e que irão favorecer a formação de uma rede múltipla, com destaque para a regionalização, mas sem as prejudicantes dependências políticas localizadas.
Finalizo com Rodrigo Murtinho de Martinez Torres e seu estudo preliminar sobre as múltiplas configurações das televisões públicas no Brasil, quando conclui que elas estariam ‘fragilizadas e dependentes de um Estado omisso, dirigidas por governos comprometidos com as políticas neoliberais e contaminados por práticas clientelistas’, e completo de vez com a seguinte frase dele, que aplico ao caso aqui da TV Brasil:
‘Trabalhamos com a hipótese de que, diante da falta de políticas públicas para o setor, associada ao esvaziamento político da sociedade civil, as TVs públicas (brasileiras) buscam modelos de gestão, financiamento e de programação semelhantes às TVs comerciais.’
É o que eu tinha a dizer. Obrigado.
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Jornalista