‘Dentre as capas dos principais portais e sítios de notícias do mundo, a do iG é talvez a única a não ter um espaço, na capa repito, para a previsão do tempo. Não há qualquer menção fixa ao assunto na capa, que destaca dezenas de outras prioridades.
Presente com destaque em todos os veículos e seus noticiários, o noticiário do tempo, que alguns chamam de ‘previsão’, foi se tornando serviço cada vez mais obrigatório, embora nem sempre preciso e confiável.
A internet incorporou o tema imediatamente, valendo-se de informações cada vez mais volumosas e de melhor qualidade. A meteorologia hoje baseia-se muito no uso de tecnologia avançadas, desde os satélites e suas fotografias até os supercomputadores e seus sofisticados modelos matemáticos capazes de fazer previsões quase ‘infalíveis’ a partir de uma grande quantidade de informações.
No jornalismo da internet, a previsão do tempo foi logo incorporada. A rede é ávida por informações rápidas, pontuais e de uso prático. Afora isso, sabe-se que a meteorologia tem relevância econômica pois serve como referência para previsões de safras, afetando preços de produtos.
No iG, a previsão do tempo não ocupa o lugar que deveria. Ainda é assunto de segunda. Só pode ser alcançada se o leitor a descobrir na página do Último Segundo, o site informativo do iG.
E na hora de decidir com que roupa vai sair de casa, ou mesmo se vai sair de casa, o leitor quer informação fácil, simples e na hora. Não quer buscas e cliques adicionais. Pior do que a dificuldade de achar o assunto, isso indica um cero descaso com as necessidades concretas (e o tempo) dos leitores.
O aquecimento global tem afetado o planeta de maneira cada vez mais grave e o Brasil não está isento de seus efeitos. Faz parte das prioridades de muitas instituições internacionais. Talvez seja o tema que mais preocupa a humanidade.
No Brasil, nesses tempos de seca em vastas regiões, há uma enorme necessidade de mais informações, agregando análises e prognósticos. Todo veículo de comunicação de se dispor a informar com destaque e influir positivamente no sentido de ações que visem a minorar os efeitos do aquecimento sobre a vida do planeta. A importância do tema só vai aumentar. Cabe ao iG prestar serviço aos internautas. E investir mais na cobertura das mudanças climáticas que estão aí, adaptandos-se com rapidez aos novos tempos e às prioridades que eles impõem.
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Entre a glória e o fiasco (20/9/2007)
Afinal de contas, como vai o Brasil? Quem procura fazer um juízo mais sereno do momento econômico atual tem que atravessar o distanciamento de uma barreira de analistas, principalmente os brasileiros, cujas opiniões críticas são cada vez mais atacadas sob o argumento de que estariam contaminadas por preferências políticas. Seria uma espécie de movimento coletivo de jornalistas incapazes de admitir o sucesso da administração Lula.
Recentemente, o ministro Guido Mantega afirmou que a política econômica do governo tem tratamento muito mais positivo na imprensa internacional do que na brasileira. A cúpula da mídia brasileira, especialmente os colunistas, editores e repórteres especiais dos grandes veículos, é acusada de preferir a oposição, em especial o PSDB. A recente divulgação do relatório final da Polícia Federal sobre a investigação do chamado valerioduto mineiro – uma divulgação relativamente discreta e com cuidados para não envolver presidenciáveis tucanos – alimentou as acusações de falta de isenção por parte da mídia. A discrição com que foi recebida a melhoria de indicadores sociais na recém-divulgada PNAD, em especial a diminuição ao longo do governo Lula do número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, foi encarada também como indicação desse mesmo fenômeno.
Nada a favor de Lula, tudo contra ele.
Não pretendo provar objetivamente quem tem razão nessa polêmica, embora tenda a achar que há um mau-humor generalizado contra o governo federal. Não há nada a reparar quanto a isso. Na dúvida, é melhor mesmo que a maioria dos analistas prefira a crítica, se afaste do governo. Isso deveria, porém, valer para todos os governos, e para os candidatos de todos os partidos, não apenas para os petistas. Outro aspecto evidente é quando essa atitude crítica se enrijece e se torna uma atitude previsível, um alinhamento automático. A opinião desses analistas é tão previsível e radical que para eles não existem vitórias, mas apenas derrotas ou sorte.
A mídia, às vezes, parece mais um instrumento de combate do que de esclarecimento. O leitor comum fica sem saber quem está certo na disputa entre os seguintes cenários: o Brasil vive o melhor momento de sua história ou perdeu a onda favorável às economias dos países exportadores porque o governo recusou-se a fazer as mudanças que estimulam a atividade econômica de maneira mais permanente?
Por enquanto, a única certeza é de que é relativamente difícil achar na mídia brasileira relatos como os seguintes, e que devem fazer a alegria da equipe de Mantega e dos que o precederam:
‘Para ter uma lição de como combinar políticas sociais com livre comércio, os democratas poderiam dar uma olhada cuidadosa no desenvolvimento político da América Latina. (…) O novo conceito de centro-esquerda é simbolizado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil, um líder que uniu liberalização do comércio e economia moderada. (…) A virada para a esquerda foi acompanhada por um boom econômico. A economia latina tem registrado cinco anos consecutivos de crescimento econômico de 5%, com baixa inflação e altas exportações, de acordo com Luis Alberto Moreno, presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento’
David Ignatius, The Washington Post, 4 de agosto
‘A maioria dos economistas internacionais diz que o sistema imobiliário dos Estados Unidos não terá um impacto catastrófico nas economias da América Latina, mas pode machucá-las de alguma forma. Eu gostaria de acrescentar que, a longo prazo, ele poderia ter até mesmo um resultado positivo na região’
Andres Oppenheimer, The Miami Herald, em 23 de agosto
‘O Brasil oferece basicamente como perfil doméstico: uma economia forte e estabilidade política democrática. A corrupção no governo Lula e possíveis nuvens no horizonte econômico podem ser controladas pelas instituições brasileiras. Eleições livres, justas e disputadas são o suporte da política brasileira’
Marifeli Perez Stable, The Miami Herald, 17 de agosto
‘Até alguns anos atrás, se o mercado de crédito internacional sofria um resfriamento, o Brasil era um dos primeiros a pegar uma gripe. Hoje, o Brasil está amparado fortemente por grandes reservas estrangeiras, baixa dívida externa e bom saldo de conta corrente… O crescimento econômico está batendo cerca de 5% ao ano, mais do que o dobro do crescimento nas duas décadas passadas… O país, aparentemente, nunca esteve em tão boa saúde. Por que, então, se fala tanto em ‘doença brasileira’ recentemente?’
Jonathan Wheatley, Financial Times, 3 de setembro
‘Brasil é o mais claro exemplo da nova estabilidade financeira da América Latina. (…) No círculo financeiro, a América Latina tem tido a reputação de algo como um continente ‘subprime’ que periodicamente se esforça para pagar o dinheiro emprestado por seus credores. Essa era a expectativa brasileira. Quem se lembra da crise de 2002, 1999 e 1998? O índice da bolsa de valores brasileira, o Ibovespa, perdeu 17% de 23 de julho a 16 de agosto. O real ultrapassou a barreira simbólica de dois para um dólar. Mas, apesar disso, investidores e analistas parecem compartilhar a atitude do presidente do país, Luiz Inácio Lula da Silva. ‘O Brasil não tem medo desta crise’, ele disse. Graças ao aumento dos preços de commodities, o país também goza de um bom saldo em conta corrente, o que ajudou o Banco Central a acumular cerca de US$ 160 bilhões em reservas. De fato, o Brasil é agora um credor mundial, o que significa que tem muito menos a temer’
The Economist, ‘A shrug not a shudder’, 23 de agosto
‘Ninguém discute que o Brasil é o principal fator de estabilidade no conjunto da América Ibérica. De fato, o gigante sul-americano oferece neste momento o rosto de um país amável, que tem levado a sério suas responsabilidades no século 21. Transformado em ator global, sua musculatura estratégica evitou o pior: que a região sofresse uma repetição das turbulências populistas desatadas nos países vizinhos com a chegada ao poder de Hugo Chávez e Evo Morales. Hoje, a imagem que o Brasil oferece ao mundo é a de país seguro e com um potencial de crescimento extraordinário, e não só porque estamos falando de um continente dentro de um continente, mas porque seus governantes colocaram as bases para que desenvolva e projete toda a sua potencialidade econômica’
ABC, Espanha, 18 de setembro
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Barriga de aluguel, jornalismo de canal (19/9/2007)
Não é a primeira vez que este ombudsman chama a atenção para a importância do noticiário de Ciência e Saúde. O tema já foi comentado na nota ‘Internet é ciência’ (clique aqui). As notícias dessas áreas realizam um sonho do jornalismo: conhecer e dominar o corpo, o nosso e o dos outros, por dentro, ou seja, conhecê-lo de fato, dominar a sua realidade.
No caso, o iG destacou (e não foi o único) nesta quarta-feira uma notícia acompanhada de foto de grande apelo, em que imperava uma imensa barriga de mulher grávida, ornada pelo seguinte título: ‘Avó ‘barriga de aluguel’’ – Mulher dará à luz próprios netos. O texto aqui analisado é o que foi publicado às 15h18, neste link. Pouco mais de duas horas depois, às 17h27, o iG publicou uma nova reportagem, desta vez, completa. Porém, o comentário permanece.
A enorme barriga e sorriso da pernambucana Rosinete Palmeira Serrão, de 51 anos, chamam o leitor para a notícia. No texto, porém, mais uma vez, o leitor encontra uma dieta magra de notícias. Confira a íntegra:
‘Avó ‘barriga de aluguel’ dará à luz netos’
‘RECIFE – A auxiliar de enfermagem Rosinete Palmeira Serrão, de 51 anos, que é ‘barriga de aluguel’ de seus netos, um casal de gêmeos, em Recife, Pernambuco. Rosinete vai dar à luz bebês da filha, a dona-de-casa Claudia Michele, de 26 anos, que tem um problema no útero. O óvulo de Claudia Michele foi fecundado com o espermatozóide do marido e colocado dentro do útero de Rosinete.’
O texto poderia ilustrar uma possível galeria de curiosidades. Foi editado, porém, no ‘canal’ ‘Ciência e Saúde’, o que exige um pouco mais de informação. Chamar as seções de um veículo jornalístico de ‘canal’ implica já induz a uma associação com a nomenclatura da TV. O que traz vantagens e desvantagens.
São tantas as questões pessoais e científicas em jogo que é difícil dar conta de todas. A história pessoal, as sensações das pessoas que vivem essa situação são um convite ao trabalho dos repórteres. A obrigação do iG seria buscar essas informações para satisfazer a curiosidade que a notícia criou. Ou exigir que seus parceiros jornalísticos saciassem o interesse dos leitores.
A divulgação do assunto e da foto é uma iniciativa elogiável, embora, seja forçoso notar nela também uma certa tendência para o inusitado, para aquilo que está fora da ordem, à aberração. Uma antiga tendência da medicina é sua atração pelos corpos deformados, em esforço extremo, no limite da resistência.
No caso, esse limite é testado para uma tarefa do bem, a maternidade, com todo o imaginário de santidade ritual que a cerca. O pequeno texto colocado junto à foto é na verdade a legenda da imagem. Barriga gorda, texto curto e magro. Uma grande imagem, uma bela barriga, só isso aparece nesse jornalismo cada vez mais instantâneo, descartável, televisivo, que vai ao ar num ‘canal’.
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O texto da chacina (18/9/2007)
No fim-de-semana, a leitora Rita de Cássia Alecrim enviou a seguinte mensagem sobre texto da Redação do Último Segundo. Veja, abaixo, a nota e as reclamações de Rita:
‘Mário Vitor, bom dia!
‘Três pessoas morrem em chacina na zona norte’
‘Com erros gravíssimos de concordância e informação incompleta: qual é o bairro da zona norte onde ocorreu o fato? Qual o nome do bar? A nota afirma que a polícia suspeita que as morte ocorreram pela disputa pelo poder na zona norte de São Paulo. Eu pergunto – disputa pelo poder? O que significa esta afirmação? Em frente ao bar??? Obrigada pela atenção!’
Rita de Cássia Alecrim
As críticas da leitora tratam de um problema que se repete: a baixa qualidade de textos do Último Segundo, causada por um conjunto de situações, inclusive a falta de revisão e leitura, ou seja, sem verificação de qualidade antes da publicação. A internet parece favorecer o agravamento de um problema existente no jornalismo brasileiro e, portanto, na cultura do país: a crescente queda de qualidade dos textos. A cultura virtual parece abrir mão de uma cultura de excelência, segundo a qual a marca do bom jornalismo se expressava também na busca da perfeição da narrativa.
Não é possível falar da qualidade ‘técnica’ de um texto de forma isolada. A qualidade da redação depende da qualidade das informações, que dependem do empenho na sua apuração. É preciso colher as informações com cuidado e detalhes essenciais têm que estar presentes. A rapidez não é desculpa para uma redação ruim.
Vamos aos detalhes, além daqueles que a atenta leitora apontou. No primeiro parágrafo, não se sabe com certeza, embora seja provável, que as pessoas que morreram estavam entre as que foram baleadas. A redação é ambígua e, se bem feita, poderia não ser.
A nota fala ‘de grupos’, mas não diz quais são e nem a que tipo de atividade se dedicam. Grupos de quê?
Segundo o texto, o quarto baleado se encontra em cirurgia desde sábado. Não foram dadas mais informações desde então e, se algum leitor, como Rita, se interessou pelo caso, ficou sem saber o desfecho.
– Na mesma noite, uma chacina matou oito pessoas no ABC paulista. Alguns homens entraram em um bar e atiraram contra os clientes. Coincidência ou não, a mensagem de Rita de Cássia Alecrim mostra que os leitores não aceitam mais chacinas e textos como o que falava dos mortos sem nome da zona norte.
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Cacciola e rapidez (17/9/2007)
Desde o Bom Dia Brasil das 7h a notícia era conhecida. No final da manhã de hoje em Mônaco (início da manhã no Brasil), a Justiça havia decidido pela aceitação da prisão de Salvatore Cacciola (veja aqui) abrindo espaço para sua rápida extradição para o Brasil. Trata-se de uma aparente reviravolta das expectativas da mídia no caso, pois o tom do noticário do fim-de-semana era o de que seria muito difícil o retorno do banqueiro, pela inexistência de acordo de extradição entre o Principado de Mônaco e o Brasil. Agora, as autoridades afirmam que ele pode ser enviado de volta mesmo não havendo o tal acordo tão valorizado antes. São, portanto, notícias importantes em função de reviravoltas recentes em caso oficial.
A concorrência do iG, citando o jornal Bom Dia Brasil, publicou as novidades já às 7h19 da manhã: ‘Prisão de Cacciola é aceita; Brasil tem 40 dias para acertar extradição’. Até depois das 8h, o iG não acordara para a novidade e continuava publicando em sua capa um texto ultrapassado: ‘Brasil quer extradição – Cacciola vai à Justiça de Mônaco nesta segunda-feira’. Cacciola já tinha ido à Justiça a essa altura. Porém, a notícia só foi aparecer na lista do ‘Último Segundo’ às 8h21.
Capa do iG às 8h
E a capa às 8h40, quando finalmente o iG deu a notícia
É preciso checar os caminhos pelos quais a informação chega ao iG e – mais importante – como o iG chega à notícia. Informação em grandes portais jornalísticos deve ser também instantânea, e não é a toa que o serviço jornalístico do iG chama-se ‘Último Segundo’. A tarefa mais redundante dos portais é acompanhar uns aos outros a todo momento, e checar TVs, rádios e agências, atualizando a capa sempre. Quando isso falha, é porque devem estar faltando condições adequadas para essa tarefa.’