Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘A internet não veio para salvar o mundo’

As frases longas e bem elaboradas a que os leitores de José Saramago estão acostumados continuam lá, mas o ambiente é outro, justamente um que costuma pedir frases curtas, sem a necessidade de muita elaboração. Desde setembro de 2007, o escritor português, prêmio Nobel de Literatura em 1998, mantém um blog, onde comenta temas relacionados a política, literatura, religião e sociedade ou simplesmente escreve relatos sobre suas viagens, muitas ao Brasil.

Os textos estão saindo da internet e ganhando o papel, numa coletânea de sete meses de posts lançada esta semana pela Companhia das Letras sob o título de O caderno.

Em entrevista ao Globo (por e-mail, como é mais apropriado ao tema), Saramago explicou o que pensa sobre a rede, revelou que um dia deve se cansar do blog e exaltou a literatura de Chico Buarque.

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O caderno é uma coletânea de textos de seu blog. Escritores mais velhos, porém, costumam manifestar certo descaso com blogs. Como o senhor lida com a internet? O senhor enxerga nela a possibilidade de literatura ou apenas a vê como fonte de informação? 

José Saramago – Escrever num blog não difere de escrever no papel. Salvo a extensão do texto em que, no caso do blog, se aconselha uma certa brevidade, os escritores não estão condicionados por regras que, supostamente, caracterizariam o blog. Não sou frequentador assíduo da internet.

Consulto o Google com frequência, nada mais. Quanto a ler blogs, faço às vezes, mas não mantenho diálogo com eles. Para mim, a internet é uma fonte de informação rápida e em geral eficaz, porém não confundamos: a literatura ou é ou não é, não há meios termos. Muitas transformações teriam de dar-se (e eu não vejo como nem quais) para que a internet tomasse lugar no fazer literário.

O senhor acha que a experiência em escrever para um blog, onde teoricamente os textos são mais diretos, teve alguma influência na sua escrita? 

J.S. – Nenhuma. Continuo a utilizar frases longas, das que dão espaço e tempo para observações e análises, que considero necessárias. A tão louvada clareza das sínteses é, não raro, enganosa.

O senhor acompanha o fenômeno do Twitter, já pensou em abrir uma conta no site?

J.S. – Nem sequer é para mim uma tentação de neófito. Os tais 140 caracteres refletem algo que já conhecíamos: a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido.

No livro, o senhor escreve, sobre a internet: ‘É isto o mais parecido com o poder dos cidadãos?’ E diz, ainda: ‘Não tenho respostas, apenas constato perguntas’. A resposta já apareceu? O senhor considera a internet um espaço democrático e verdadeiramente livre? 

J.S. – Nada há que seja verdadeiramente livre nem suficientemente democrático. Não tenhamos ilusões, a internet não veio para salvar o mundo.

Num texto, o senhor também comentou o romance Budapeste, de Chico Buarque: ‘Não creio enganar-me dizendo que algo novo aconteceu no Brasil com este livro’. Por que a literatura de Chico seria tão renovadora? O senhor já leu seu novo romance, Leite derramado

J.S. – Achei Leite derramado à altura do melhor que Chico Buarque tem escrito, embora, de todos os seus livros, continue a preferir Budapeste. A meu ver, a grande renovação operada por Chico Buarque deu-se ao nível da linguagem: o vernáculo toma o seu lugar ao lado do coloquial.

No dia 16 de novembro de 2008, o senhor escreveu, ao completar 86 anos: ‘Dizem-me que as entrevistas valeram a pena. Eu, como de costume, duvido, talvez porque já esteja cansado de me ouvir’. O senhor acha impossível ser surpreendido por alguma entrevista hoje? 

J.S. – Creio que me fizeram todas as perguntas possíveis. Eu próprio, se fosse jornalista, não saberia o que perguntar-me. O mal está nas inúmeras entrevistas que tenho dado. Em todo caso, tenho o cuidado de responder seriamente ao que se me pergunta, o que me dá o direito de protestar contra a frivolidade de certos jornalistas a quem só interessa o escândalo ou a polêmica gratuita.

O senhor segue escrevendo para o blog hoje. Pretende seguir atualizando-o indefinidamente? Podemos esperar um O caderno II para breve? 

J.S. – Haverá um O caderno II ainda este ano, mas não me vejo a escrever blogs indefinidamente. Tem sido uma boa experiência, chego a mais leitores com mais rapidez, mas tudo acaba por cansar.

Num texto recente do blog, o senhor escreveu um post muito afetuoso sobre sua alegria em ser escolhido acadêmico correspondente da Academia Brasileira de Letras. Por que o Brasil é tão importante para o senhor? 

J.S. – O Brasil é importante para qualquer português. Gostaria de nos ver mais unidos a trabalhar em assuntos de interesse comum, mas as políticas nacionais nem sempre se inspiram nas melhores razões. É uma pena que assim seja. As minhas memórias mais antigas são as da literatura, os nomes e as obras de Machado de Assis, Manuel Bandeira, Jorge Amado, João Cabral de Mello Neto, Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos – tantos e tão grandes escritores, estes e outros, que fizeram da literatura brasileira um tesouro inesgotável.

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Da Redação de O Globo