O futuro do planeta depende de você. Sim, de você. Caso não pratique a coleta seletiva, não salve o máximo de litros possível d´água ao tomar banho ou continue a andar de carro, o meio ambiente sofrerá as consequências. As calotas polares vão derreter, cidades costeiras serão inundadas, doenças respiratórias serão mais frequentes, a temperatura global aumentará em níveis críticos. E você tem que fazer alguma coisa para conter esse cenário devastador.
Se ficou intimidado com a mensagem acima, sua reação é plausível. De fato, constatam-se índices assustadores em relação à degradação do meio ambiente. O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), de 2007, aponta aumento de três graus na temperatura média da Terra, suficientes para causar danos graves ao planeta, como secas generalizadas e impacto na vazão de rios. No Brasil, restam hoje apenas 7% da Mata Atlântica. Mas até onde a culpa disso tudo é sua?
Veículos de comunicação em geral têm salientado com cada vez mais recorrência a importância de ações individuais no combate às diversas formas de poluição, ao mesmo tempo em que reverberam a adoção, por todos, de hábitos de vida sustentáveis. São reportagens do tipo ‘o futuro da natureza depende de você’ que acabam por delegar ao indivíduo comum o poder (ou o dever) de salvar o planeta. Mas como as iniciativas individuais contribuem para a efetiva preservação do ambiente e qual o peso dessa contribuição em comparação à do setor industrial? Dar enfoque ao papel do indivíduo na preservação da natureza é o meio mais eficaz de a mídia cobrir a devastação ambiental?
Projetos quase utópicos
A atual onda de sustentabilidade envolve implantação de coletores solares em residências, os quais podem usados para aquecer a água do chuveiro e diminuir gastos com a conta de luz; carros elétricos; reforço na prática da coleta seletiva e inúmeras outras ações. Em 5 de junho, no Dia Mundial do Meio Ambiente, os jornais O Globo, O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e Jornal do Brasil apresentaram cadernos especiais que realçavam o papel do indivíduo na preservação do ambiente. O especial JB Ecológico destacou as perspectivas da adoção de veículos movidos a eletricidade. O Rio de Janeiro foi a primeira cidade do hemisfério sul a ter um eletroposto, inaugurado em 9 de junho pela Petrobras.
‘O ser humano não está preparado para reduzir o uso de seu carro em nome de um bem maior e comum: a saúde do planeta (ou a sua própria sobrevivência)’, diz a reportagem de Andrea Zenóbio. ‘Então, a saída encontrada pelos cientistas, aprovada e desenvolvida pelos governos e aprovada e incentivada pelos fabricantes de automóveis, foi de desenvolver um carro absolutamente `amigo do meio ambiente´’. Acontece que o carro em questão só pode ser amigo de uma parcela ínfima da população: a que pode desembolsar R$ 292 mil na compra do modelo Roadster, da fabricante californiana Tesla Motors, ou R$ 80 no modelo Reva, da companhia indiana Reva Electric Car.
A contribuição individual não é ‘dificultada’ apenas pela condição econômica. Observe a questão da coleta seletiva: como descartar uma embalagem de suco pronto para beber, que é composta por partes de metal, papel e plástico? Se por um lado empresas, governo e meios de comunicação atentam para práticas cidadãs de prevenção à natureza, muitas delas não estão bem esclarecidas ou possuem aplicabilidade quase que utópica.
Consciência, desperdício e descaso
Você pode optar por não adquirir refrigeradores que contêm clorofluorcabono (o conhecido CFC, cujo potencial de aumentar o efeito estufa é cerca de 10 mil vezes maior do que o do gás carbônico), mas enquanto eles existirem, a poluição estará latente. E há que se prestar atenção ao argumento reducionista de que os produtos só existem porque há pessoas que necessitam deles. Os produtos também criam a sua própria demanda.
As ações individuais são, sim, importantes. Um banho de 15 minutos consome, em média, 130 litros de água. Se uma pessoa que se banha duas vezes por dia reduzir o tempo no chuveiro para cinco minutos, economizará até 64 mil litros por ano. Acontece que o setor urbano (incluindo o uso doméstico) representa 10% do consumo de água no mundo. Na agricultura, práticas como irrigação exagerada – o agricultor irriga em excesso para diminuir risco de colheita insatisfatória – desperdiçam os recursos hídricos em escala muito maior do que deixar a torneira aberta ao escovar os dentes, por exemplo. Isso porque a agricultura, sozinha, responde por 70% da demanda mundial de água e, proporcionalmente, o desperdício dos agricultores é bem superior ao desperdício doméstico de milhares de pessoas.
Quanto mais eu e você salvarmos recursos naturais, melhor, mas o impacto das ações individuais não se compara ao dos grandes centros produtores/ poluidores. Por isso a necessidade de políticas públicas e de enfoque midiático mais contextualizado sobre impactos em grande escala.
Enquanto somente 0,007% da água é própria para consumo, redes mal conservadas são responsáveis por perdas de até 40% na distribuição; o diretor da Agência Nacional das Águas (ANA), Benedito Braga, avalia que apenas 20% do esgoto são tratados antes de serem despejados nos rios urbanos; estudos da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) estimam que 40% da área ocupada pela pecuária no Brasil (de 170 milhões de hectares) está degradada; o professor do Instituto Oceanográfico da USP, Alexandre Turra, diz que a Baía de Guanabara deve estar morta em cerca de 20 anos devido ao lançamento de dejetos e agentes contaminantes, como metais pesados, fertilizantes e agrotóxicos. O planeta indaga: como as ações micro (individuais) de consciência ambiental podem competir com as ações macro (grandes poluidores) de desperdício e descaso?
Desmatamento e resíduos industriais
Um programa desenvolvido pelo Greenpeace, na esteira da consciência cidadã, instala no computador dos usuários um blackpixel que economiza 0,057 watt por hora. Uma pessoa que use seu computador quatro horas por dia economiza durante todo o ano 83,22 watts. É menos da metade do que consome uma lâmpada fluorescente de 15 watts ligada por seis horas.
Investimentos em melhoria do sistema de esgotos e construção de aterros sanitários, fiscalização e efetiva punição de empresas que descumpram medidas ambientais e aplicação de políticas públicas são alguns itens que não devem ser esquecidos, não apenas no 5 de junho, mas durante todo o ano. Ao se voltar apenas para um – o indivíduo comum, peça na qual converge todo o desprezo de órgãos públicos e privados por um desenvolvimento sustentável –, as matérias que focam ações cidadãs muitas vezes esquecem de efetuar uma contextualização mais abrangente dos fatos.
Mesmo que grande parte da população mundial ponha no limbo os aerossóis, ande de carros elétricos e faça compras com sacolas ecológicas, o cenário global de poluição não apresentará significativos avanços, uma vez que madeireiros continuem a avançar desenfreadamente pela Amazônia e indústrias despejem resíduos diretamente em rios.
Participação mais impactante
Como é possível sustentar o discurso de que cada indivíduo deve fazer seu papel na preservação do ambiente quando:
1.
O projeto de lei 1991-07, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, prevendo estímulos fiscais à atividade de reciclagem e responsabilizando as empresas pelo lixo pós-consumo, está há 18 anos parado no Congresso Nacional;2.
Uma área de quase três vezes o Estado de São Paulo na Amazônia é ocupada por pastagens degradadas, com baixa ou nenhuma produção;3.
Avançar sobre a floresta é mais barato do que recuperar as áreas degradadas. Segundo avaliação do Ministério de Assuntos Estratégicos, enquanto a recuperação fica entre R$ 1.500 e R$ 3.000 por hectare, o valor de avançar em área virgem e desmatar custa R$ 300 a R$ 600 por hectare?Na luta contra efeito estufa, aquecimento global e congêneres, o empenho de cada indivíduo é importante? Sim. Mas se deve sinalizar ao leitor que há alguns indivíduos cuja participação pode ser mais impactante. Indivíduos madeireiros e indivíduos fazendeiros, os quais, de acordo com pesquisa da Datafolha, são apontados pela população como os principais responsáveis pelo desmatamento da Amazônia. E indivíduos políticos, como o presidente Lula e sua base aliada, que usam obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a Petrobras, junto a poluidores como carvão e petróleo, para liberar cada vez mais gás carbônico pelas chamas da disputa eleitoral.
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Estudante de Jornalismo da Universidade Federal Fluminense (UFF) e repórter do portal Energia Hoje, Niterói, RJ