Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Estado de S. Paulo

LUTO
O Estado de S. Paulo

Serra, Aécio e Alckmin vão a enterro de Távola

‘Tucanos de destaque, como os governadores José Serra e Aécio Neves e o ex-governador Geraldo Alckmin, foram ao Rio prestar a última homenagem a Paulo Alberto Moretzsohn Monteiro de Barros, o Artur da Távola, que morreu sexta-feira, de insuficiência cardíaca, aos 72 anos. O corpo do ex-senador e escritor foi velado na Assembléia e sepultado no fim da tarde no Cemitério São João Baptista. Com lágrima nos olhos, Serra lembrou do tempo que ele e Távola passaram juntos no exílio. Aécio, também emocionado, afirmou: ‘É uma perda imensa, fui seu colega na Constituinte. Sentirei saudades.’’

 

DE OLHO
O Estado de S. Paulo

Pela TV, segurança fiscaliza Legislativo

‘Depois de oito horas de jornada de trabalho, Adalberto Santana de Andrade, 46 anos, chega em casa. Ele é agente de segurança operacional da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos há mais de duas décadas. Já passa da meia-noite, mas isso não quer dizer que ele vá direto para a cama. Andrade agora é o presidente da Associação de Moradores do Jardim São Pedro, em Mogi das Cruzes (SP), e tem uma missão: assistir, gravar, editar e distribuir resumo de tudo o que se faz e o que se diz no Senado, na Câmara e na Assembléia Legislativa de São Paulo.

Andrade não se diz um viciado no assunto, mas recebe uns puxões de orelha da mulher, que espera que ele pelo menos jante antes de militar em frente à TV. E quando começa o resumo do dia no Senado, ele fica de olho nos assuntos mais relevantes. Ultimamente, a preferência é por questões trabalhistas e previdenciárias, que estejam em sintonia com as necessidades da comunidade onde mora, mas não é bem isso que ele vê.

‘Eles não votam o que nos diz respeito. Os senadores fazem discursos inflamados e acham que o povo da periferia não tem noção dos absurdos que eles falam. São discursos de horas que não servem para nada’, diz ele, que confessa que o trabalho de gravação por vezes é irritante. ‘Eles pensam que todo mundo é analfabeto.’

Mesmo quando a pauta das Casas não rende muito na prática, Andrade ainda se sente na obrigação de gravar e distribuir. Antes, porém, é preciso passar pelo penoso processo de edição, que acaba sobrando para os dias de folga. Em média, ele distribui, a cada 15 dias, 200 CDs, o que gera gasto de R$ 250 a R$ 300 por mês.

Como não tem para todo mundo, o jeito é passar o disco na base da solidariedade. Assiste e passa. E, se for para arrumar CDs mais baratinhos, ele apela para a causa. ‘Os comerciantes dizem que a causa é boa, mas dizem também que pode ser que alguém poderoso não goste. Então eles fazem o seguinte: fornecem cinco CDs de graça e pedem para não colocar o nome.’

Como resultado do trabalho, o agente garante que vê cada vez mais pessoas politizadas ao seu redor, como suas duas filhas. ‘Elas têm 16 e 18 anos e questionam. Cresceram com a politização.’ E na comunidade, diz, já tem gente que vai pensar melhor antes de votar.

O objetivo, porém, não é só trazer à consciência que é preciso assistir e conhecer. Há, sim, a necessidade de cobrar. Para Andrade, ver os programas dá a chance de falar para o político: ‘Por que você vai lá e fala do que não tem nada a ver com a nossa realidade?’

E é isso que ele faz. Andrade vai à Assembléia, com as filhas a tiracolo, e cobra quem vai e quem não vai a plenário. A prática, é claro, surpreende os deputados. ‘Eles até questionam: mas por que você fica pegando no pé?’, conta. ‘Eu queria que a Casa fosse nosso eco no Congresso, mas eles não fazem isso.’

A vigilância chega também até os sites de transparência. Para ele, é maravilhoso poder ver os dados do governo. Mas, quando envia perguntas aos deputados federais, não consegue obter uma resposta. ‘E de que adianta um ?fale com o presidente? se ele nunca me retornou?’’

 

DEU NO GUARDIAN
O Estado de S. Paulo

Jornal inglês diz que Brasil é um gigante que acordou

‘Uma semana depois de o Brasil alcançar o grau de investimento, o jornal inglês The Guardian descreveu o clima de euforia entre políticos e homens de negócios brasileiros, o que fez o diário acreditar que o ‘gigante adormecido finalmente havia acordado’. Na matéria, publicada na edição de ontem, o jornal se convence que o ‘país do futuro finalmente chegou’, graças ao boom de exportações de commodities e às descobertas recentes de petróleo.

A publicação dedica uma página à revolução local. Diz que agora as coisas parecem estar mudando: a moeda brasileira está valorizada em relação ao dólar, a inflação está sob controle e milhões de brasileiros estão entrando para a classe média.

O jornal relata a grande transformação vinda do campo, da mineração e dos biocombustíveis, que está criando uma nova geração de magnatas. ‘O clube dos milionários do Brasil subiu de 130 mil em 2006 para 190 mil no ano passado – uma das taxas mais altas de crescimento do mundo -, de acordo com estudo do Boston Consulting Group.’

As descobertas em série de petróleo feitas pela Petrobrás deram o apelido de ‘Sheik Lula’ ao presidente e levam o Brasil a se tornar em breve um dos grandes produtores do óleo, destaca a publicação.

O tom de euforia muda no final da reportagem, quando analistas se mostram pouco seguros com relação aos efeitos que ao preço das commodities pode gerar. Muitos acreditam que pode ser dramático e acabar com o boom. Eles também fazem alerta sobre as falhas na infra-estrutura e no sistema educacional. ‘Tudo isso não garante crescimento econômico. O Brasil ainda tem sérios problemas estruturais’, diz a economista da Fundação Getúlio Vargas do Rio, Lia Valls.’

 

TECNOLOGIA
Renato Cruz

TV portátil que cabe no bolso chega ao Brasil

‘Quando a TV digital foi lançada em São Paulo, no fim do ano passado, prometia várias novidades para o espectador. Infelizmente, poucas delas estavam realmente disponíveis. As emissoras apostaram suas fichas na alta definição, que oferece imagem com qualidade seis vezes maior que a TV analógica. Parece que não foi suficiente para convencer os consumidores, pois as vendas se mostraram pequenas até agora, chegando a algumas dezenas de milhares.

Este mês, começa a chegar ao mercado outra novidade da TV digital: a mobilidade. Ela vem no formato de televisores portáteis e celulares com recepção de TV aberta. Enquanto a alta definição melhorava uma coisa que o espectador já tinha – a imagem na sua casa -, a mobilidade abre uma possibilidade que não existia com a televisão analógica: assistir aos programas em qualquer lugar, até mesmo em veículos em movimento.

‘Apostamos mais na mobilidade e na portabilidade do que na alta definição’, disse Marco Szili, diretor-geral da Tele System. A fabricante vende conversores (para serem ligados em aparelhos que não tem sintonizador digital), receptores para computador e, a partir desta semana, uma TV portátil chamada Pocket TV. Com preço de R$ 800 a R$ 900, o aparelho tem tela LCD de 3,5 polegadas e memória de 1 gigabyte (expansível até 2 gigabytes). Ele grava até cinco horas de vídeo e funciona como tocador de música e vídeo digital e visualizador de fotos.

Szili preferiu não fazer previsões de vendas. ‘A expectativa é muito boa e otimista’, disse o executivo. ‘É uma nova maneira de ver TV. As emissoras podem ganhar audiência em horários em que ela é hoje muito baixa.’ O mercado para o produto ainda é limitado pelo alcance do sinal de TV digital. A tecnologia foi lançada na Grande São Paulo e existem alguns canais no ar no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte.

‘A venda de equipamentos de TV digital ainda está muito tímida’, reconheceu Szili. ‘O único apelo hoje é alta definição, mas o público em geral ainda não viveu essa experiência. A mobilidade é mais fácil de comunicar.’ O televisor portátil, fabricado na Coréia, capta o sinal gerado para celulares. As emissoras transmitem em São Paulo um sinal especial para celulares, com o mesmo conteúdo do sinal para televisores grandes, desde dezembro, apesar de pouca gente saber disso.

A Semp Toshiba promete para esta semana seu televisor portátil, chamado MPTV. Com tela de 3,5 polegadas, o aparelho vem com 2 gigabytes de memória, expansíveis a 8 gigabytes. Ele custa R$ 1 mil, grava TV, toca música e vídeo digitais, mostra fotos e textos e recebe o sinal de rádio FM. ‘O espectador pode programar o gravador escolhendo o programa no guia eletrônico’, apontou Jairo Siwek, diretor de Mobilidade da companhia.

A empresa também tem um celular que recebe o sinal de TV digital, chamado CTV41, vendido, por enquanto, pela Vivo. ‘A TV está deixando de ser uma atividade coletiva e estática para se tornar individual e móvel. A percepção do consumidor é imediata. Em dois ou três anos, o celular que recebe TV aberta deve se tornar tão popular quanto o celular com câmera.’

O celular com TV aberta da Samsung chegou ao mercado há pouco mais de uma semana, nas lojas da Vivo. ‘Em alguns dias, estaremos em todas as operadoras’, disse Oswaldo Mello Neto, diretor de Telecomunicações da Samsung. O aparelho custa de R$ 1 mil a 1,4 mil, dependendo do plano do cliente. ‘Percebemos que existe uma surpresa grande do usuário com o aparelho. Colocamos o celular do lado de uma televisão em nossa loja e as pessoas se surpreendem ao ver que é a mesma imagem.’

Segundo Mello, muita gente se sente surpresa ao saber que é possível assistir à televisão no celular sem ter de pagar nada, que o sinal é aberto como o que é recebido pelos televisores. ‘Para quem trabalha no mercado de tecnologia pode parecer óbvio, mas, para o consumidor, não é tão óbvio que o serviço é gratuito.’

A Samsung está animada com o celular que recebe TV e planeja lançar mais um ou dois modelos este ano, para outros públicos. ‘Acho que a popularização desse tipo de aparelho vai acontecer muito rapidamente aqui no Brasil’, disse Mello. ‘Assim que houve a definição do sistema de TV digital no País, já começamos a trabalhar com a matriz nesse aparelho. O consumidor brasileiro tem uma relação muito forte com a TV aberta. Existem hoje mais casas com televisão do que com refrigerador.’

Outra grande novidade da TV digital, a interatividade, poderá ter grande impacto no mercado , mas ainda não está disponível. A maioria das empresas acredita que chegada da interatividade ocorrerá até o fim do ano. Ela permitirá serviços parecidos com os da internet no aparelho de TV. Todo tipo de interação a que o telespectador tem acesso hoje por meio de um telefone fixo, celular ou a internet poderá ser feita pelo controle remoto.’

 

1968
Luiz Zanin Oricchio

A revolução que não houve… e mudou tudo

‘O número de adjetivos opostos que se podem aplicar a 1968 é praticamente inesgotável. Diz-se que foi o último suspiro do espírito coletivo, mas preparou o caminho para o individualismo contemporâneo. 68 falou em paz e amor mas teria praticado a guerra e levado à aventura da luta armada. Foi em essência anticapitalista e de esquerda, mas teria preparado terreno para o capitalismo global e consumista do mundo de hoje. Esse ano mítico, que teve seu epicentro em Paris durante o mês de maio, desperta até hoje reações e opiniões contraditórias, com pouco acordo possível entre elas. Tanto assim que, a cada dez anos, nos sentimos convocados a fazer reavaliações sobre tudo aquilo que aconteceu durante os 12 meses especiais de uma década toda particular. Foi um avanço? Um recuo? Uma aceleração da História? Símbolo da luta contra os autoritarismos, ou, pelo contrário, o mais radical e intolerante dos anos? Tudo cabe em 68. Ou quase tudo.

E por quê? Porque, provavelmente, cada um projeta sobre 1968 o que bem entende, segundo suas inclinações pessoais (políticas, ideológicas, e mesmo psicológicas). Por exemplo, quem apoiava o general De Gaulle na França, ou o governo militar no Brasil, tem poucos motivos para lembrar com carinho de 1968. Já quem, mesmo após a queda do Muro de Berlim, conserva o coração à esquerda, pode evocar 68 como uma espécie de idade de ouro da contestação. Quem ama a ordem acima de todas as coisas vê poucos motivos para admirar uma época em que tudo era questionado e posto de pernas para o ar. Quem prefere a instabilidade à injustiça lança outro olhar sobre o mesmo período. Espíritos clássicos tendem a evitar sobressaltos. Românticos os toleram melhor. E assim por diante. Nossa atitude em relação a 68 diz muito a respeito de quem somos.

No entanto, apesar desse subjetivismo de julgamento (o passado muda segundo os olhos que o enxergam), 1968 pode ser visto como um conjunto de fatos bem definido e que envolve uma efervescência fora do comum da juventude, sobretudo universitária. Fala-se muito em Paris e nas barricadas do Quartier Latin, mas as revoltas pipocaram em toda parte. No arco de alguns meses, os distúrbios passaram por Paris, Praga, Cidade do México, San Francisco, Varsóvia, Rio, São Paulo e outras cidades. O mundo parecia revirado pelo avesso e nenhuma das venerandas instituições ficou ao abrigo de petardos, morais ou físicos – Estado, Família, Igreja, Exército, Polícia, Educação, Partido. Tudo podia e devia ser contestado – e essa era a palavra de ordem comum.

Contestado em nome de quê? De um bem tão concreto quanto abstrato chamado liberdade. Se em Paris exigia-se o fim de um governo de velhos, em Varsóvia e Praga o alvo era o stalinismo. Praga vivia a sua primavera particular, sob o governo de Alexander Dubcek e sua proposta de socialismo com rosto humano. No Brasil, o alvo era bem visível – o governo militar, instalado quatro anos antes. Aqui, a tensão teve seu ponto alto após o assassinato do estudante Edson Luiz, e na posterior Passeata dos Cem Mil, que reuniu universitários, intelectuais, artistas e padres no centro do Rio. As manifestações se sucederam e o enfrentamento atingiu o clímax em São Paulo na luta entre os estudantes da USP e os do Mackenzie, que ocupavam lados opostos na ideologia e nas calçadas da Rua Maria Antônia. O conflito deixou um morto, um rastro de destruição e posições cada vez mais radicais de lado a lado. Dez dias depois, ‘caía’ o clandestino 30º Congresso da UNE em Ibiúna e as principais lideranças estudantis eram presas. O desfecho do ano rebelde brasileiro veio na forma de um radical fechamento do governo militar com o AI-5, decretado a 13 de dezembro, data que marca o fim de 1968 no País.

A vaga de 68 (porque, de fato, foi uma onda) mostra contornos particulares em cada país onde se quebrou. Nem poderia ter sido diferente, dada a diversidade de condições entre Praga e São Paulo, Paris e Cidade do México, por exemplo. Mas havia um aspecto comum. As lutas de 68 foram sempre antiautoritárias. Quer fosse um governo democrático mas sentido como ‘antiquado’, quer fosse uma ditadura militar ou a opressão de um império comunista – e lá estavam os jovens para se opor e, nas ruas, mostrar seu inconformismo.

Foi também uma época de invenções, que se multiplicavam sob a forma de frases, grafites, músicas, filmes, teatro, performances. A idéia era que tudo deveria ser jovem e ‘novo’, uma ideologia, na verdade, dos anos 60 mas que, como todas, em 68 se intensifica. Experimentou-se, em arte e na vida, como poucas vezes antes. Aliás, arte e vida passaram a ser tratadas como se fossem uma só. Viver artisticamente – essa era uma das utopias. Criar na rua, enquanto se vive. Abolir limites entre agir e pensar. Precisava-se mudar a sociedade, como queria Marx, e mudar a vida, como desejava Rimbaud.

Se isso não era possível na prática, parecia bem tangível no desejo. Por isso, 68 foi uma época de entrega generosa, pois sentia-se que todas as possibilidades estavam abertas. E, também por isso, viveu-se um voluntarismo que às vezes beirava a insanidade.

Como para mostrar que existe um abismo entre o desejo e sua realização, todas essas lutas terminaram, do ponto de vista prático, em derrotas inquestionáveis. No Brasil, o AI-5; na França, a volta de De Gaulle; em Praga, os tanques soviéticos; no México, o massacre da praça Tlatelolco; nos EUA, a eleição de Nixon, etc..

No entanto, do aparente fracasso, muita coisa ficou. Talvez mais no campo comportamental que no político. Apesar de a grande maioria das lideranças estudantis serem masculinas, deu-se um impulso vital ao feminismo e à igualdade entre os sexos. O autoritarismo foi questionado e cedeu em diversos níveis, nas famílias e nas escolas. Mesmo em instituições fechadas, como hospitais psiquiátricos, passou-se a questionar o ‘lugar do poder’ com os movimentos antimanicomiais. A ordem era duvidar de tudo e o argumento de autoridade perdeu a razão de ser.

Quando se relembra a cronologia de 1968, pode-se perguntar como tanta coisa pôde acontecer em tão pouco tempo. Vivia-se como numa febre, em estado de exaltação permanente. Uma espécie de embriaguez política e cultural, que não deixou de fabricar a sua própria ressaca. O day after de 68 foi menos ameno em algumas praças do que em outras. Se o voluntarismo se associa à crença de que os métodos violentos devem ser empregados em algumas circunstâncias históricas, então 68 pode estar na origem das lutas armadas que ocorreram na América do Sul e na Europa. No Brasil, o AI-5 fechou as válvulas de escape da política e abriu caminho para as tentações da ação direta, que já existiam de forma embrionária (a guerrilha do Caparaó é de 1966). A Itália e a Alemanha tiveram de enfrentar grupos armados como as Brigadas Vermelhas e a Baader-Meinhoff. E o fizeram sem abdicar das liberdades democráticas, é bom que se diga.

Outro ‘subproduto’ de 68, a apologia das drogas como forma de expansão da consciência, deve ser relativizado. Quem viveu aquele tempo sabe que as esquerdas brasileiras eram em geral muito ‘caretas’ a esse respeito. As drogas circulavam mais na cultura 68 americana que nas outras. Depois sim, espalhou-se para outros países e generalizou-se nos anos 70. A droga foi mitificada como a chave para as portas da percepção (lembrando que o livro de Aldous Huxley, com esse título, é de 1954) e o seu potencial destrutivo e as implicações sociais quando ligadas ao crime organizado não eram percebidos ainda.

Talvez por tudo isso, mas também por propor uma sociedade menos hierarquizada em todos os níveis, 1968 seja permanente má referência para conservadores. Não por acaso, o atual presidente francês Nicolas Sarkozy, durante a campanha eleitoral, afirmou que havia chegado a hora de enterrar de vez o legado de 68. Responsabilizou o maio parisiense por um sem número de males como a confusão entre o bem e o mal, o verdadeiro e o falso, o belo e o feio. Disse até mesmo que 68 havia promovido o culto ao dinheiro, à especulação e ao lucro fácil. Só faltou culpar 68 pela cabeçada de Zidane em Materazzi. No entanto, em pesquisa da revista Le Nouvel Observateur, a maior parte dos seus compatriotas sustenta o contrário. A imensa maioria (77%) afirma que em 68 teria ficado com os estudantes e apenas 14% ao lado das forças da ordem. Os franceses entendem que 68 teve efeitos positivos sobre vários aspectos da vida social como a repartição de tarefas entre homens e mulheres, os direitos sindicais, a sexualidade, relações entre pais e filhos, costumes, a vida política, a relação entre professores e alunos.

Seja como for, parece que durante 1968 a História pisou fundo e acelerou. Em ritmo febril, muitas lutas foram perdidas e outras ganhas, num balanço ainda por fazer. Por isso, voltamos a 68 a cada data redonda. Dez anos atrás, a mesma revista Le Nouvel Observateur revisitava a primavera parisiense com um título que talvez a defina muito bem: ‘La fausse révolution qui a tout changé.’ A falsa revolução que tudo mudou.’

 

Sérgio Augusto

Uma revolta na cabeça e uma câmera na mão

‘Maio 68 não começou em maio de 1968, mas três meses antes. E não foi nas universidades de Nanterre e Sorbonne. O movimento oficialmente deflagrado em 13 de maio de 1968 teve um prelúdio literalmente cinematográfico. Maio 68 começou com uma crise envolvendo a mundialmente venerada Cinemateca Francesa.

Em 7 de fevereiro, no segundo dia de filmagem de Beijos Proibidos (Baisers Volés), François Truffaut é informado pelo redator-chefe da revista Cahiers du Cinéma, Jean-Louis Comolli, que Henri Langlois, o legendário fundador e diretor da Cinemateca, estava pela bola sete. Dali a dois dias, a pedido do ministro da Cultura de De Gaulle, André Malraux, o conselho administrativo da Cinemateca se reuniria para demitir Langlois, acusado de incúria pelos olheiros do ministro. Langlois era, de fato, meio desorganizado, mas com o símbolo máximo da preservação da memória cinematográfica nenhum cinéfilo deixaria mexer. Demiti-lo seria um crime de lesa-cinema.

‘Defender a Cinemateca é um ato político’, decretou Truffaut, que se revelaria o mais ativo articulador do Comitê em Defesa da Cinemateca, criado em 16 de fevereiro, com a participação de todos os cineastas franceses, da mais vieille à mais nouvelle vague, tendo Jean Renoir como presidente honorário. Pressionado pela comunidade cinematográfica e os estudantes cinemeiros, Malraux veio a público, oito dias depois, explicar as razões da demissão – sem o menor sucesso. A zorra prosseguiu nos arredores do Palais de Chaillot, sede da Cinemateca, cada vez mais ruidosa.

Trinta e cinco anos mais tarde, Bernardo Bertolucci a recriaria no filme Os Sonhadores (The Dreamers). Mas coube mesmo a Truffaut a primazia de eternizá-la na tela em Beijos Proibidos, de resto, dedicado à ‘Cinemateca Francesa de Henri Langlois’. Num plano rodado em 29 de março, a câmara se aproxima do portão do Palais de Chaillot, onde um aviso esclarece: ‘Fechado. A data de reabertura será anunciada pela imprensa.’

Quatro dias depois, a sala de exibição da rue d’Ulm seria reaberta. O governo De Gaulle voltara atrás; como recuaria na Sorbonne, reaberta no dia 11 de maio. Àquela altura, tumultuada por uma greve geral dos trabalhadores e inflamadas estudantis, Paris deixara de ser uma festa. O chienlit impusera suas palavras de ordem além das fronteiras da reforma do ensino. Com reflexos em todas as instâncias artísticas. Era preciso mudar tudo, radicalmente: desaburguesar o teatro, romper com sistema de produção cinematográfica vigente, reavaliar o papel do cinema no capitalismo contemporâneo, reinventar uma nova maneira de filmar, distribuir e ver os filmes.

Essa política de tábula rasa contaminaria o Festival de Cannes daquele ano. Aberto em 10 de maio, acabaria suspenso, na marra, oito dias depois. Liderados por Truffaut e outros cineastas, alguns com filmes concorrendo na mostra, 1,2 mil profissionais de cinema da França montaram (na Croisette e em Paris) a sua Bastilha. Inspirados nos Estados Gerais da França (a improvisada assembléia da Revolução de 1789), criaram os Estados Gerais do Cinema Francês, fórum de debates permanentes sobre ‘as estruturas reacionárias de um cinema transformado em mercadoria’ e palanque para exortações fulcradas na liberdade total de criação e, com menor ênfase, na utópica submissão do aparato cinematográfico aos interesses da classe operária.

‘Só a educação de uma nova platéia possibilitará o surgimento de um novo cinema’, receitou o integrante de um dos vários planos de ação dos EGCF. Em audácia nenhum superou o Projeto 4. Apoiado pelo cineasta Claude Chabrol e pelo diretor-produtor Marin Karmitz, entre outros menos conhecidos, estipulava o financiamento de todos os filmes pelos espectadores, mediante um imposto criado para esse fim. Acreditava-se que essa socialização da produção isentaria o cinema de concessões comerciais, instituiria o ingresso gratuito, e daria aos cineastas a mesma margem de liberdade criativa de um escritor e um pintor.

Mesmo sem alcançar seus objetivos, muito menos aqueles nutridos por delírios marxistas-leninistas & maoístas, com ou sem o filtro Althusser, o cinema se impôs como a forma de manifestação artística que mais plenamente captou a crise, a energia e o Zeitgeist daqueles dias. Os cineastas não apenas se sublevaram antes como exerceram o duplo papel de catalisadores e registradores do movimento. E nenhum levou mais longe os ideais (ou os sonhos) do movimento que Jean-Luc Godard.

Ele já era o mais inquieto e influente cineasta francês, quando explodiu o affaire Langlois. Afora participações em três produções coletivas, realizara quatro filmes entre 1967 e 1968, dois lançados comercialmente durante o chienlit: A Chinesa e Week-End à Francesa. No primeiro, satirizava, com empostação brechtiana, a malversação do maoísmo pelo consumismo ideológico de certa esquerda. No segundo, engarrafava numa alegórica rodovia todas as aflições da burguesia. Como de hábito, só uma elite os aplaudiu. Em meio à tormenta política e social que se seguiu, o desiludido Godard radicalizou de vez. Aliado ao militante político Jean-Pierre Gorin, agarrou-se à quimera do Projeto 4: produzir filmes de criação coletiva, exclusivamente sobre e para a classe operária.

A França de 1968 não se transformou na Rússia de 1917 nem sequer para os bolcheviques da câmara. Langlois recuperou a Cinemateca, mas praticamente só os filmes agitados por Godard e o grupo Dziga Vertov persistiram em vão a serviço do proletariado, rodando documentários na Itália, na Checoslováquia e onde mais a ‘revolução’ se fazia urgente.

O espírito rebelde, contudo, fez escala em outros quadrantes, revigorando cinematografias periféricas, como a iugoslava (Dusan Makavejev), a suíça (Alain Tanner), a argentina (Fernando Solanas), e oxigenando por uns tempos os subterrâneos do experimentalismo (inclusive no Brasil de Julio Bressane e Rogério Sganzerla), sem deixar incólume ao seu feitiço o restante do Primeiro Mundo. Quem só pensou nos alemães Rainer Werner Fassbinder, Wim Wenders e Werner Herzog, e no italiano Bernardo Bertolucci, não percebeu os efeitos que a luta por um cinema mais autoral provocou na maior das Bastilhas, Hollywood. A explosão de Haskell Wexler (Dias de Fogo/Medium Cool) e o robustecimento de Robert Altman, Francis Ford Coppola, George Lucas e Steven Spielberg, na virada para os 70, tiveram mais a ver com a reviravolta de 68 do que supõe a vã historiografia.

Alguns sinais de que algo na tela estava mudando foram captados bem antes de maio de 1968. Com Bonnie & Clyde-Uma Rajada de Balas (1967), de Arthur Penn, Hollywood deslanchou uma escalada de violência que atingiria seu paroxismo dois anos depois, em Meu Ódio Será Sua Herança (Wild Bunch), de Sam Peckinpah. Com A Primeira Noite de Um Homem (The Graduate, 1967), de Mike Nichols, abriram-se as últimas rachaduras no código de censura que, desde os anos 30, reprimia o cinema americano. Quando o sepultaram em outubro de 1968, até as bolas de cristal mais embaçadas vislumbraram uma década de intensa permissividade pela frente.

Sem entraves aos excessos da libido e da violência, o cinema americano ampliou sua hegemonia, impondo uma revolução em bases sem dúvida bem diferentes das propostas pelos Estados Gerais do Cinema Francês e os apóstolos terceiro-mundistas da ‘estética da fome’ aviada por Glauber Rocha. Para azar dos utopistas, as massas, depois do batente, queriam mesmo era ver sexo, sangue, ação, magia e tecnologia de ponta. Nada disso lhes faltou a partir da década de 1970. Salvou-se a indústria, danou-se o cinema autoral – e, mais ainda, o cinema devotado à causa operária.’

 

Carlos Guilherme Mota

E no Brasil a ditadura corria solta

‘Diversamente da França, Estados Unidos, Alemanha e Inglaterra, desde 1964 vivíamos sob uma ditadura, que a cada dia se mostrava menos branda. Foram inúmeros os episódios de contestação ao regime, mais visíveis no movimento estudantil, com mortes localizadas – não tão vultosas e brutais como no México -, mas também visíveis nos movimentos e trabalhadores de toda ordem, sobretudo das chamadas oposições sindicais.

Havia ainda um mal-estar crescente das classes médias, no período que antecedeu o famigerado ‘milagre econômico’. O fechamento do regime em 1968 – na verdade um golpe dentro do golpe – facilitou a adoção de uma política econômica altamente centralizada, conduzida pela autocracia de novos tecnoburocratas chefiada pelo ministro Delfim Netto, aplaudida pelos militares (os mais progressistas foram afastados desde o golpe de 1964). Para dar certo o modelo, só faltava acabar com todas a liberdades civis, silenciando o País.

Nesse quadro, o movimento de 1968 foi, no Brasil, uma decorrência do aperto crescente do regime, uma resposta iracunda e muito generosa de estudantes e jovens professores, com alguma simpatia da sociedade civil. Muitos foram para a luta armada, e morreram; outros não. Dentre os professores que simpatizavam com o movimento, incluíam-se alguns menos jovens, como Goffredo da Silva Telles, Florestan Fernandes, Antonio Candido, Cruz Costa, Pasquale Petrone, Manuel Correia de Andrade (no Recife), ao lado de professores de meia-idade, como Emilia Viotti, Dalmo Dallari e muitos outros.

O autoritarismo também grassava nas universidades, acentuando a discrepância entre o que se passava no mundo e o que era ensinado, em um regime em que os catedráticos eram mandarins perpétuos, além de ‘quadrados’, ‘alienados’ e ‘caretas’, para usarmos linguagem da época. ‘Abaixo as cátedras’, ‘Fora com os rinocerontes’ eram lemas correntes entre nós. Em algumas faculdades e departamentos, chegamos a fazer comissões paritárias de professores e alunos para a gestão, com excelentes resultados. Os alunos foram muito lúcidos nos episódios de escolha de eventuais diretores, sempre associando competência científico-cultural com capacidade administrativa.

Os ventos do mundo traziam os sinais da profunda mudança de mentalidade, com os Beatles, Bob Dylan, Jimmy Hendrix, Marlon Brando, Rolling Stones, o Cinema Novo, os movimentos da esquerda internacional, a crítica aos Estados Unidos e a solidariedade ao povo do Vietnã, a Che Guevara e à utopia de uma outra América Latina, os filósofos Marcuse, Sartre, Foucault e muitos outros (ainda não existia esse praga dos ‘novos filósofos’ e da ‘Nouvelle Histoire’, nem do ‘coffee-break’), a psicanálise alternativa (Lacan, Reich, Laing, Jung), o uso da pílula anticoncepcional, a renovação do marxismo e novas teorias (como a da dependência). Na educação, discutia-se muito as teorias de Paulo Freire, Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes, como a queda crescente da Escola Pública depois de 1964, em benefício do ensino particular. Os ‘cursinhos’ prosperaram. Mas era na música, no teatro e no cinema que estavam as vanguardas desse tempo; bem menos, na imprensa e nas direções das universidade, com os tais catedráticos. Afirmava-se com vigor uma nova ‘leitura’ do Brasil no Teatro Oficina, o Teatro de Arena, Caetano, Gil e Chico Buarque, Milton Nascimento e o Clube de Esquina, com novas produções de gente da bossa nova agora nas músicas de protesto, com Glauber. Um novo tempo era anunciado, despretensiosamente na canção Alegria, Alegria, de Caetano Veloso, em setembro de 1967. Prenúncio de 68, sem lenço, sem documento.

Uma profunda mudança de mentalidade, enfim, nos segmentos mais ou menos educados da população, que obrigou a uma redefinição do conceito de família patriarcal, de poder, com a relocalização do papel da mulher e dos jovens. Os idosos continuaram de fora, bem como os homossexuais e, em larga e histórica medida, os negros. Sonhava-se (ainda) com a Revolução, sem saber-se muito bem como seria, em qualquer hipótese melhor do que o status quo. Éramos mais, muito mais internacionalistas do que hoje.

Em vários países, os governos foram obrigados a se demitir, como o do Egito, Bélgica e Checoslováquia. Abalo fortíssimo sofreu o governo mexicano, quando assassinou dezenas de estudantes, revelando a face autocrática do Partido Revolucionário Institucional (PRI). Na França, o governo do presidente-general De Gaulle foi acuado, com seu ministro da Cultura André Malraux, ambos admiráveis personagens históricos. Um expoente do Partido Comunista francês, o historiador Albert Soboul (que esteve na Faculdade de Filosofia da USP, tendo sido entrevistado pelo Estado), desconheceu as determinações do PCF e saiu pelas ruas nas marchas ao lado dos estudantes. Como poderia deixar de fazê-lo, sendo um estudioso da Revolução Francesa?, perguntava Eric Hobsbawm, historiador simpático aos rebeldes de 68 e de todas as épocas.

As conexões França-Brasil eram muito maiores e melhores do que hoje, em nossa Faculdade de Filosofia em especial. Vínhamos recebendo desde sua fundação o melhor da intelligentsia universitária francesa, estávamos informados de tudo, inclusive da reação negativa do venerado Fernand Braudel ao movimento de 68, que machucava – segundo ele – a hierarquia universitária. Bobagem. Soboul era um hierarca também, como o austero Jacques Godechot, doyen da Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidade de Toulouse. Godechot, historiador da Revolução Atlântica, esteve entre nós em 1967, foi convidado pelos alunos a falar em assembléia no Crusp, foi bem recebido e respeitado; esse liberal rígido escreveria um depoimento sobre 1968 em Toulouse, indicando que o movimento de 68 não era ‘especificamente francês, e que a França tinha sido tocada por ele depois do Brasil, Japão, Países Baixos, Dinamarca, Suíça, Alemanha, Estados Unidos, Itália, Espanha, Tunísia, México, Bélgica…’

O velho historiador percebia por toda parte o sentido da busca de uma ‘universidade crítica’, lema da época que, aliás, esquecemos. Percebia, sobretudo, a viragem mental pela qual passava o mundo. Ou, como diríamos hoje, uma profunda mudança de paradigmas.

Revolução nos costumes ocorreu em toda parte, sobretudo nos Estados Unidos, em que predominavam os padrões conservadores, que vinham do presidente Johnson (sucessor de Kennedy, assassinado) ao reacionaríssimo George W. Bush, para não remontarmos a Truman. Lá, associado ao racismo entranhado, a caretice dominava, revelando o retorno dos Estados Unidos branco, aquela parte do país que perdera a Guerra de Secessão. O assassínio de John e Bob Kennedy, depois o de Martin Luther King, indicavam o mundo que os jovens não queriam e desprezavam. Descobria-se, outra vez, o pensamento radical progressista norte-americano, que talvez retorne agora com Barack Obama.

Diversamente do que se passava nos EUA, da Inglaterra, da França, lutávamos aqui contra a ditadura. Os que não fomos cassados em 68 tivemos que agüentar o tranco, vigiados em nossas aulas pelos esbirros do regime, e também dialogando com alunos de extrema-esquerda (alguns hoje ‘tucanaram’) em nossos calcanhares cobrando posições. Para culminar, agora sem nossos mestres e colegas referenciais de então, como Florestan, Ianni, Fernando Henrique, Schenberg e muitos outros, como Leite Lopes, Darcy, Tiomno, no Rio, em Brasília, no Recife e pelo País afora. Caio Prado Júnior, mais uma vez, seria preso logo depois.

O movimento de 1968 trouxe várias conseqüências. Uma mudança de mentalidade, uma abertura que incluiu os costumes, a sexualidade, a dessacralização de temas tabus, diminuição dos conflitos de gerações. Na esquerda, surgiu uma nova corrente geral em ruptura com o marxismo dogmático; no campo do pensamento liberal, definiu-se uma linhagem de ‘esclarecidos’, que se tornaram decididamente progressistas. Também os cristãos acordaram, com a Teologia da Libertação ganhando impulso, voltando seus olhos mais para as lições de Jesus do que para as hierarquias eclesiásticas. Conseqüência negativa, porém esclarecedora, foi a atualização da Direita, que se modernizou com vigor em países como a França e mesmo o Brasil, e com uma selvageria incalculável em países como Chile (Pinochet) e Argentina (Videla et allii). Em suma, a Direita rearmou-se, ganhou a batalha, aplastou em todos os países o pensamento e as formas de vida libertárias, inconformistas, impondo de modo globalizado o American way of life, sem democracia para valer em países como o Brasil. Ganhou mas não levou, pois a rebeldia continua comendo por baixo, repontando aqui e ali em filmes, músicas, salas de aula, ações isoladas.

O ano de 1968 não terminou no Brasil nem no mundo. Paradoxalmente, o AI-5 foi de certo modo benéfico, pois revelou o ‘Brasil profundo’, com suas taras, perversões, violências. A tal da história incruenta de que falava Capistrano de Abreu e José Honório Rodrigues. As classes dominantes, senzaleiras, escoradas na História oficial e seus servidores, foram obrigadas a tomar medidas contra a História do Brasil real, que aflorou. As cassações atingiram gente do nível de Celso Furtado, Florestan, Caio Prado Júnior, alertando desse modo os mais novos, que entenderam estar vivendo o país dentro de um modelo autocrático-burguês de exclusão social e política. Pois a República que está aí é uma farsa. Por isso, os ideais de 68 tornaram-se permanentes.

O observador atento já terá notado que os movimentos libertários hoje estão descentralizados e são cada vez mais plurais. Traduzem a complexidade de uma sociedade-problema, com suas anticidades, como Rio e São Paulo. São cidade- pânico, como diria Paul Virilio.

O autoritarismo contemporâneo se encontra nesse Estado ultrapassado, nessas elites despreparadas e anti-sociais, agora engrossadas com um enxame de aspones e lumpenproletários e lumpenburgueses que desejam seu lugar ao Sol. Ou melhor, à sombra do estamento burocrático do Estado brasileiro.

A oposição pode vir de agentes da nova sociedade civil que viveram 68, que têm filhos e até netos que por certo lhes cobrarão posições. Mais cedo do que tarde. Que cada um faça a sua parte.

Carlos Guilherme Mota é prof. titular de História Contemporânea da FFLCHUSP e de História da Cultura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie. Escreveu Ideologia da Cultura Brasileira e A Revolução Francesa, entre outros livros’

 

 

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