Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O abraço de Collor e a reação de Lurian

Os jornais do dia 14/7 mostraram, na primeira página, o abraço do presidente Lula e do ex-presidente Fernando Collor. As legendas explicavam que o encontro se deu em Alagoas, terra natal do ex-presidente e ex-inimigo de Lula. O Estado de S.Paulo relatou que o presidente agradeceu a Collor e ao também senador Renan Calheiros (PMDB-AL) pela ajuda que têm prestado ao governo no Congresso: ‘Quero fazer justiça ao senador Collor e ao senador Renan, que têm dado sustentação ao governo em seu trabalho no Senado’.

Os leitores, chocados com a cena, ficaram procurando uma explicação para o comportamento do atual presidente. A explicação estava em Veja da semana passada:

‘Mais grave talvez do que absolver condutas impróprias ao abraçar certos tipos em público é o objetivo pelo qual Lula se presta a esse papel. Ele abomina derrotas políticas. Toda vez que foi derrotado no Congresso, independentemente da justeza da decisão dos parlamentares, sentiu-se pessoalmente ofendido. A companhia de gente como Collor, José Sarney e Renan Calheiros lhe causa menos desconforto do que derrotas no Congresso. Para evitá-las, ele faz qualquer coisa, até mesmo correndo o risco de passar à história como um democrata com credenciais menos impecáveis do que as que realmente possui. Tamanho é o vigor da blitzkrieg do Executivo sobre o Congresso que, para muitos analistas, Lula já está desrespeitando o preceito constitucional da independência dos poderes.’

Mas, se do ponto de vista político tudo se explica, como ficam as coisas do ponto de vista pessoal? Como teria reagido a filha de Lula, usada por Collor na campanha de 1989 como o grande trunfo para destruir a imagem do seu opositor?

A resposta está na Folha de S.Paulo de domingo (26/7), escondida na coluna de Mônica Bergamo.

‘Há 20 anos, Lurian Cordeiro Lula da Silva viu a mãe, Miriam, surgir na televisão e afirmar que seu pai, Lula, `me ofereceu dinheiro para abortar´. Numa cena financiada e levada ao ar por Fernando Collor de Mello, que disputava a Presidência, Miriam contou ainda que, depois do parto, entregou a filha `no colo´ de Lula e disse: `Agora, você mata´. A imagem teve impacto histórico. O pai de Lurian perdeu a eleição. Em 1989, ela tinha 15 anos.’

‘Foi o povo que elegeu Collor’

Ao mostrar foto do abraço entre Collor e Lula, Lurian segura o jornal de diz apenas: ‘Jesus…’ Observa a imagem por um tempo.

‘Mas ele não está rindo para o Collor não, gente. Ele está rindo pra alguém que está atrás dele. Pode ver!’ Collor está com a mão sobre os ombros do petista. ‘Contanto que não coloque a mão no meu ombro, tá bom!’, brinca ela. ‘Eu falei: ‘Ai, pai!’ [quando Lula se encontrou outras vezes com Collor]. Porque tem que ter estômago. E ele falou: ‘Lurian, não fui eu que elegi ele. Foi o povo de Alagoas, filha. Eu tenho que receber’.

Se Lurian aceitou a justificativa do pai ou se – como boa filha – trata apenas de defender a imagem dele, jamais saberemos. Mas, pelo menos, um jornal foi falar com a pessoa com os maiores motivos para se indignar. Ao aceitar os argumentos do pai, Lurian – que jura não querer nada mais com política (ela foi candidata a vereadora em São Bernardo do Campo e perdeu) – deixa os milhões de eleitores indignados com a reconciliação sem argumento. Só resta a certeza de que a máxima maquiavélica de que ‘os fins justificam os meios’ vale até para os políticos que um dia colocaram a ética como prioridade maior.

Se há alguma coisa boa nessa história, é saber que ainda existem jornalistas com sensibilidade para ir buscar a notícia onde ela realmente está: bem longe das autoridades e dos gabinetes palacianos.

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Jornalista