O 5o Congresso Brasileiro de Jornais, promovido pela ANJ (Associação Nacional de Jornais) e encerrado na quarta-feira passada (15/9), trouxe-nos mais do mesmo: declarações solenes de compromisso com as liberdades democráticas, combinadas com a oportunidade para ‘denunciar’ o perigo que o atual governo representa para a imprensa livre, novas constatações de que o meio segue sendo um modelo de atraso em gestão – com espaço para alguma autocrítica – e certo cinismo em relação a um dos temas mais interessantes oferecidos aos participantes: o jornalismo cívico.
Homenageado com a presença de Jan Schaffer, atual diretora do Instituto de Jornalismo Interativo da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, o jornalismo cívico representa um conjunto de princípios dos quais a imprensa brasileira apenas ouviu falar, mas dos quais sabe o suficiente para que se possa afirmar que não há hipótese de que venham a ser adotados por aqui. Jan Schaffer, ex-diretora responsável do Pew Center for Civic Journalism, que criou em dez anos 120 projetos jornalísticos voltados à cidadania, cumpriu seu papel sem entusiasmar a platéia.
Embora tenha nascido nos Estados Unidos a partir das preocupações com a perda de credibilidade da imprensa contemporânea – vista como excessivamente comprometida com as elites em detrimento dos cidadãos comuns e acusada, em pesquisas realizadas desde o início dos anos 1990, de ser mais motivada por interesses comerciais do que pelo interesse público, com um viés marcadamente sensacionalista –, o movimento surgido em 1993 nunca empolgou a grande imprensa americana. Alcançou pelo menos um quinto dos jornais, mas ficou limitado principalmente à imprensa regional.
Por aqui, o jornalismo cívico permaneceu restrito ao ambiente acadêmico, freqüentou alguns debates da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação), ficou mais conhecido como o espaço do ‘politicamente correto’ e, na verdade, nunca chegou a ocupar lugar de destaque entre as preocupações dos gestores de jornais e revistas, emissoras de rádio e TV. A presença de Jan Schaffer no 5o. Congresso Brasileiro de Jornais chegaria a representar, portanto, uma ironia, se não fosse mais claramente apenas um ato demagógico.
Ilusão do controle
A imprensa brasileira nada tem em comum com os princípios do jornalismo cívico. É uma instituição conservadora, avessa a qualquer insinuação de abertura para ingerências externas. Confunde crítica com limitação de liberdade e reage, com todo peso da influência que ainda lhe resta, contra qualquer reclamo de mais transparência em seus procedimentos. A simples leitura de cartas de leitores descontentes provoca dores de barriga em muitos editores.
Mas é uma imprensa honesta, considerada a honestidade como a coerência entre os princípios e a ação. Trata-se de uma instituição antiquada que acredita em pós-modernidade, como uma espécie de realização social do pós-liberalismo. Tudo bem: a imprensa também acredita que ainda é um dos sustentáculos da democracia, paradigma da ética e códex da vida civilizada. Entre um e outro credo se situa a contradição essencial que vai aos poucos corroendo a credibilidade da imprensa e corre o risco de transformá-la, progressivamente, de histórico suporte em um obstáculo real para a evolução que a sociedade reclama.
A leviandade e a manipulação, pragas denunciadas por observadores independentes, banalização e mediocrização de conteúdos, moléstias reconhecidas até mesmo por observadores bem aceitos nas direções dos jornais, são as maiores evidências desse risco. Mas é no coração da mídia que reside sua principal deficiência.
Honestamente conservadora, a imprensa se distancia da sociedade a partir da sua própria visão de modernidade. Vista a modernidade como a apropriação coletiva de instrumentos capazes de elevar o grau de felicidade geral e reduzir o nível das angústias, a mídia foi, até certo ponto, uma espécie de espelho sincero, no qual a sociedade esperava ver refletida sua realidade e seus opostos, para se sentir segura de ir adiante em seu processo civilizatório. A mídia era relevante enquanto vanguarda desse processo.
Hoje, quando se questiona se ainda temos em curso um processo civilizatório, a imprensa segue se apresentando como paradigma de um mundo que já não evolui linearmente. A mídia passa ao largo de questões relevantes como as propostas pelo jornalismo cívico: investir no desenvolvimento amplo da cidadania, abdicar de certa ilusão do controle. Ela descobriu o mercado e se perdeu da sociedade. Assumiu-se porta-voz de uma pós-modernidade que não há. Assim, tornou-se espelho da ilusão.
******
Jornalista