Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Estratégia do PT negligencia tratados internacionais

‘O arcabouço legal brasileiro, organizado em torno de normas como o Código Brasileiro de Telecomunicações (1962), a Lei do Cabo (1995) e a Lei Geral de Telecomunicações (1997) é anacrônico, autoritário, fragmentado e privilegia os grupos comerciais, em detrimento dos interesses da população’ [ver ‘Estratégias do PT para a Confecom‘].

Após perceber que o PT não menciona os tratados internacionais como parte relevante do arcabouço jurídico brasileiro, ao apresentar sua estratégia para a Confecom, julguei por bem dar maior visibilidade a eles, na esperança de que esta visão venha a ser aprimorada neste sentido.

O fato do PT condenar a legislação citada deveria, naturalmente, implica na citação daquela que traz a possibilidade de solução teórica para o problema apresentado:

Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU – Organização das Nações Unidas, 1948, Art. XIX, da qual o Brasil é signatário:

‘Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão. Esse direito inclui a liberdade de receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios, sem interferências e independentemente de fronteiras.’

Liberdade de expressão

Convenção Americana de Direitos Humanos da OEA – Organização dos Estados Americanos, de 1969, conhecida por Pacto de San José da Costa Rica, da qual o Brasil é signatário:

‘Artigo 13 – Liberdade de pensamento e de expressão – 5. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.’

O problema é que nossos juízes sequer seguem a Constituição Federal, que dirá tratados internacionais? Segundo Lula, há uma caixa-preta no Judiciário e 300 picaretas na Câmara! Deve ser por isso que nossos legisladores não regulamentam textos que implicam em deveres para as empresas que lhes financiam as campanhas políticas, nem em direitos para a população que somente lhes dá o voto. Não têm eles interesse algum no sentido de reduzir a ditadura do poder econômico da qual os Três Podres Poderes da Reparticular são capatazes, cúmplices e dela se beneficiam.

Constituição Federal Brasileira:

‘Art. 220- A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.’

Submissão à jurisdição do TPI

E, ainda por cima, há quem defenda que tratados internacionais não tem valor ou tem seu valor questionável juridicamente, esquecendo-se do que nos afirma a Carta Magna, alegando, como justificativa para desprezá-los, uma decisão do STF – Supremo Tribunal Federal dando maior valor a uma legislação nacional posterior que o de uma legislação internacional firmada antes:

Recurso Extraordinário n.º 80.004-SE (RTJ 83/809): ficou assentada, por maioria, a tese de que, ante a realidade do conflito entre o tratado e lei posterior, esta, porque expressão última da vontade do legislador republicano deveria ter sua prevalência garantida pela Justiça [Valerio de Oliveira Mazzuoli].

Vejamos o texto constitucional sobre o assunto:

‘Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais [Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004 e Atos aprovados na forma deste parágrafo].

§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

Nível hierárquico intermediário

Ainda que seja complexa esta questão, não se trata de algo irracional e aleatório. Especialmente para um grande partido nacional, que ocupa a Presidência da República, tendo em seus quadros alguns dos melhores advogados do país.

Qualquer decisão jurídica é tomada sobre fundamentos que a sustentam. Podemos até discordar deles, e, então, lutar para que sejam mudados ou aprimorados… Mas, é claro que exige alguma dedicação para compreender um pouco mais dos meandros nos quais os advogados são especialistas. Exige-se também alguma boa vontade e dedicação, por exemplo, para compreender o conteúdo do texto de Mazzuoli acima citado. Já o conhecimento da própria Constituição é um grande avanço, considerando que estamos num país com 74% de analfabetos e semi-analfabetos.

No caso apresentado, analisando decisão do STF, foi decidido, tão somente e exclusivamente que uma legislação posterior à assinatura do documento pelo Brasil tem mais valor do que a legislação nele existente. E, ainda assim, o autor do texto usado questiona a conseqüência dela, já que estaríamos, assim, revogando um compromisso que a Nação assumiu com outro país ou com a comunidade internacional, sacramentada por decisão do Congresso Nacional.

‘Inobstante isso, levando-se em conta as regras do direito internacional para a regência das relações entre o direito das gentes e o direito interno, especialmente as estabelecidas pela Convenção de Viena de 1969, vê-se que os tratados internacionais comuns ratificados pelo Brasil situam-se em um nível hierárquico intermediário: estão abaixo da Constituição, mas acima da legislação infraconstitucional, não podendo ser revogados por lei posterior, posto não se encontrarem em situação de paridade normativa (como quer o Pretório Excelso) com as demais leis nacionais’ (Valerio de Oliveira Mazzuoli).

Livre circulação de idéias

Então, qualquer tentativa de generalização desta decisão não visa esclarecer, mas confundir a questão. O resto não foi alterado. Qualquer tratado assinado pelo país passa a fazer parte de nossa legislação. Ou seja: faz parte do arcabouço legal brasileiro. Mesmo nossos juízes não tomando conhecimento dele em suas decisões! Nem a quase totalidade de nosso povo, incapaz de lutar até mesmo por direitos mais concretos que a comunicação.

Uma leitura consciente do texto nos responderá com clareza sobre o assunto em pauta… Os dois tratados que mencionei tratam da questão de Direitos Humanos, justamente a área em que não há dúvida alguma sobre seu valor para o arcabouço legal brasileiro:

‘Mas, regra expressa de reconhecimento ou aceitação do direito internacional pelo direito interno repita-se, à exceção dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, que têm índole e nível constitucional, inexiste na Carta Constitucional brasileira’ (Valerio de Oliveira Mazzuoli).

Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU – Organização das Nações Unidas, 1948, Art. XIX, da qual o Brasil é signatário:

‘Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão. Esse direito inclui a liberdade de receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios, sem interferências e independentemente de fronteiras.’

Convenção Americana de Direitos Humanos da OEA – Organização dos Estados Americanos, de 1969, conhecida por Pacto de San José da Costa Rica, da qual o Brasil é signatário:

‘Artigo 13 – Liberdade de pensamento e de expressão – 5. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.’

Proposta de projeto de lei

Se houvesse alguma entidade realmente interessada em fazer algo mais sério e mais concreto pela democratização da comunicação nacional, indo além do mero discurso, já teria denunciado o país em tribunais internacionais. As que conheço vivem maximizando seus pífios resultados, como se tivessem, pelo menos arranhado o poder dos ditadores da mídia sobre a nação brasileira. Vivem contando migalhas como se fossem montanhas, a exemplo da realização de uma conferência onde nossos inimigos do oligopólio da mídia e os governantes que os grandes capitalistas financiaram têm 60% dos delegados.

A própria decisão do STF sobre uma lei nacional posterior alterar tratado entre nações pode ser levada para julgamento em um tribunal internacional e ser condenada, caso se trate de algo que fira, como defende Mazzuoli, os tratados existentes. Ou deverá ser retirada a participação do Brasil em tal tratado…

O fato de se negligenciar a existência de tratados internacionais de direitos humanos assinados pelo Brasil é sintomático. Não reconhecer que eles fazem parte do que há de melhor em nosso arcabouço legal é uma afronta à razão. Por conflitarem eles com a legislação ordinária brasileira, bem como com a prática jurisdicional, e não serem utilizados para reduzir os direitos das capitanias hereditárias no campo eletromagnético é uma covardia. A impunidade da perseguição do próprio Estado e de governos (inclusive o atual) aos que procuram praticar os direitos neles assegurados é assustadora e demonstra ainda o quanto nossos governantes e governados são reféns dos poderosos.

Na estratégia do PT, foi apresentado o problema e omitida a possível solução legal existente. Só falta, agora, reconhecer esta deficiência, corrigi-la antes ou durante a Confecom, arranjando vontade política para colocá-la na prática! A questão é quando… E se os que militam nesta Confecom deixarão de lado suas disputas pessoais e partidárias, para concentrar esforços em alvos mais elevados, fazendo a pressão necessária para acelerá-la. As insignificantes manifestações de rua não foram capazes de alterar uma única letra da legislação atual ou de convencer os Três Poderes a fazerem a coisa certa.

Ao que eu saiba, nenhuma das entidades que afirmam lutar pelos direitos humanos e pela democratização da comunicação se interessou, até o momento, em levar proposta de Projeto de Lei para a Comissão de Legislação Participativa da Câmara Federal, criando mecanismos para que nosso arcabouço jurídico seja modificado ou ainda que a parte mais avançada já existente seja regulamentada e/ou praticada. Tal procedimento não exige milhões de assinaturas como para um projeto de iniciativa popular [ver aqui].

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Engenheiro civil, militante do movimento pela democratização da comunicação e em defesa dos Direitos Humanos