De vez em quando, sem motivo, dá a louca nos editores e eles, ao menor tropeço, suspendem linhas editoriais que estavam dando certo ou deixam de lançar livros indispensáveis.
O conto foi o responsável pelo grande boom literário dos anos 1970. Foram lançados cerca de dez mil novos contistas na segunda metade daquela década, depois de antológico debate no Teatro Casa Grande, no Rio, em julho de 1975. Mas o Brasil não soube articular internacionalmente o movimento. E ninguém mais lançou contistas. Se um autor inédito chegar hoje a uma editora com um livro de contos, vai ser lançado num limbo junto com os poetas.
Poetas e contistas? Nem pensar. A ordem é publicar livros documentais e, se der tempo, alguns romances. Evidentemente, uma literatura que exclui a narrativa curta e o verso, quer o quê? Anular-se? Se a Argentina fizesse a mesma coisa, não teria Jorge Luis Borges! Que jamais escreveu um romance! Aliás, não escreveu nada longo, passou a vida inteira fazendo prosas curtas, gênero em que obteve amplo reconhecimento. Menos para os peronistas que, quando no poder, transferiram-no da biblioteca, alocando o funcionário Jorge Luis Borges numa granja de galinhas! Quer dizer, a arrogância do poder tem dessas picuinhas, mas quem sabe o nome do hierarca da burocracia que assinou a transferência? Já Jorge Luis Borges é inesquecível.
Gustave Flaubert é nome até de prédio. Quem se lembra do nome de quem o denunciou aos tribunais por deformar a educação das donzelas? Bem, este é outro assunto.
Revista e ampliada
O Brasil não fez com o conto o que a América espanhola fez com o romance. Esta soube levar para o mercado internacional autores que renovaram o gênero, a começar pela renovação da figura do ditador como personagem central, uma criação do espanhol Ramon del Valle Inclán, com o livro Tirano Banderas, e fez com que os romances protagonizados por ditadores ganhassem os latins do império, sendo publicados em inglês, francês, alemão, italiano etc.
O Prêmio Nobel Gabriel García Márquez, Alejo Carpentier, Mário Vargas Llosa, Manuel Scorza e outros são autores em cujas obras os tiranos, em menor ou maior grau, foram denunciados por meio de inventivas tramas e o reaproveitamento do personagem solar que estrutura o romance de Valle Inclán.
Outra insensatez consiste em negar a função das editoras universitárias, algumas das quais cumprem papel que só cabe a elas. O romance Parque Industrial, de Patrícia Galvão, estava esquecido há 60 anos! Graças à providência, à generosidade e ao inestimável desprendimento de Geraldo Galvão Ferraz, ele retornou ao mercado em 1993, por mãos de uma nascente editora universitária, que soube buscar a parceria de uma editora comercial para trazê-lo de volta aos leitores. Logo saiu em inglês, também por editora universitária, nos EUA. (Havia uma pequena edição, por demais artesanal, feita em 1981, pela Alternativa, que quase não circulou).
Pois não é que a Editora da Unesp levou à segunda edição o Dicionário de Provérbios, de Roberto Cortes de Lacerda, Helena da Rosa Cortes de Lacerda e Estela dos Santos Abreu?
Os provérbios franceses foram definidos por Didier Lamaison, um brazilianist francês (que heresia lingüística na denominação!), apaixonado por temas brasileiros e um dos mais eficientes mestres no diálogo das novas missões francesas, nascidas de justas parcerias entre intelectuais da França e do Brasil. O dicionário chegou à segunda edição, revista e ampliada, apenas dois anos depois de lançado. Vá o pesquisador procurar uma editora com um livro do mesmo tamanho para ver qual a resposta que terá!
Preciso e precioso
É verdade que se trata de obra de referência, que tem um nicho especial. Mas tem porque foi criado o dito nicho! É isso que precisa ser entendido. O caso das biografias é outro exemplo. Não há biografia encalhada em nenhum lugar do mundo. Mas no Brasil o gênero tem um tratamento pouco profissional.
O que o leitor ganha com esta segunda edição do Dicionário de Provérbios? Muito. Os provérbios franceses sofreram aumento de quase 30%. Os fundamentos gregos e latinos receberam considerável acréscimo na identificação das origens. No latim, o acréscimo foi de 100%: foram introduzidas 89 novas identificações. No grego, as referências passaram de 400 para 736. Outro aperfeiçoamento considerável foi a pesquisa de abonações, com a identificação de autores que citaram os provérbios.
Os provérbios semelham os almanaques. Despertam nossa curiosidade para novos temas. Jamais aprofundam um conceito. Ao contrário, caracterizam-se por uma síntese que beira o slogan, o dito publicitário. A Humanidade cria e registra provérbios há mais de quatro milênios. O ato de aproveitá-los literariamente é creditado a gregos e hebreus, originalmente. Se amputarmos os provérbios de Homero, sua obra sai seriamente mutilada. Não são adornos, são essenciais à arte de sua narração poética.
O mesmo se pode dizer da dramaturgia de Sófocles, Eurípides, Ésquilo, e da filosofia de Platão e Aristóteles. Entre os latinos, Plauto, Virgílio, Horácio (tenho deste autor um provérbio para descanso de tela do computador: fortiter in re, suaviter in modo) e Cícero, entre outros, fizeram dos provérbios verdadeiras vigas para suas construções literárias.
É um livro precioso e preciso, que combina rigor de pesquisa com o sabor do saber.