Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Presentinhos de mau gosto

O presidente da República mais uma vez se dirige desrespeitosamente aos jornalistas: não muito tempo depois de chamá-los de ‘covardes’, porque tiveram a coragem de se opor a um projeto do Governo, Lula ridicularizou seu desempenho na primeira entrevista coletiva que concedeu em quase dois anos de mandato, dizendo que esperava perguntas mais duras.

É desrespeitoso: não é educado dirigir-se desta forma a um grupo de pessoas que têm uma procuração de seus ouvintes para iluminar os mistérios de Brasília. Indica uma intimidade que não deve existir entre o detentor de um mandato eletivo e os representantes da opinião pública. E é, sobretudo, falso: se Lula queria perguntas efetivamente esclarecedoras, não deveria limitar a entrevista a repórteres de rádio (e as revistas, tevês, jornais, portais, não podem inquiri-lo?), não deveria misturar emissoras jornalísticas com rádios que só se preocupam com notícias na época da eleição de seus proprietários, não deveria proibir as réplicas. Por que temer a eventual contestação jornalística a uma resposta mal dada, ou insuficiente?

O problema é que o governo Lula decidiu basear a sua comunicação num caminho de mão única: uma formidável estrutura chapa-branca divulga para o país apenas aquilo que lhe interessa. E, quando vaza alguma notícia que não lhe interessa, quer até expulsar o repórter do país – é aquilo que, em outras eras, se chamou de ‘crime de lesa-majestade’.

Fale aos repórteres, presidente Lula. Dê entrevistas coletivas regulares, como acontece nos países democráticos. Aceite as perguntas. Fazendo essas coisas básicas, não precisará se queixar dos repórteres.

Quanto a alguns dos repórteres que participaram da coletiva, um pouco de compostura não faria mal. Levar presentinhos regionais ao entrevistado é coisa de mau gosto. E rir de qualquer bobagem é coisa muito triste.



Onde ficar

O presidente Lula, desde os tempos de líder sindical, tem boas relações com os jornalistas. Só que agora ele não é um líder sindical, nem um operário metalúrgico, nem um político em busca de votos: é presidente da República. Até as pessoas mais amigas, aquelas que o chamam normalmente de ‘Lula’, devem em público dirigir-se a ele como ‘presidente’.

Quanto aos jornalistas, devem tomar cuidado com políticos que parecem muito próximos. Precisam ficar longe o suficiente para garantir isenção e perto o suficiente para garantir informação.



Morte e vida

Nada contra o frufru: jornal que se preza cuida do frufru com muito carinho, para que seus leitores tenham um momento de descanso. Mas, no dia em que se anunciou que o furacão matou 600 pessoas no Haiti (onde, a propósito, há tropas brasileiras encarregadas da manutenção da ordem); no dia em que se anunciou o naufrágio de um barco no Amazonas, com doze mortos, os veículos de comunicação gastaram mais tempo e espaço com o casamento da filha de Naji Nahas do que com as tragédias.

Tudo bem, Naji Nahas é rico e influente, sua filha deve ser superlegal, o noivo com certeza é gente boa, os convidados eram importantes, o casamento se realizou na Catedral da Sé, o número de seguranças, por si só, valia matéria. Mas, cá entre nós, o que vale mais espaço: um casamento chique (e para o qual não fomos convidados) ou mais de 600 mortes?



Mistérios

Um dos problemas sérios de nossos meios de comunicação é a cobertura do Oriente Médio. E não é a questão política: é algo muito mais simples, a informação. Um importante portal da internet informa que a extensão territorial de Israel é de 89 mil km2. Na verdade, Israel tem 20.700 km2 – e isso desde 1982, quando devolveu o Sinai ao Egito. Um jornal, numa reportagem bem-feita sobre Sakhnim, cidade israelense que abriga um time predominantemente árabe, publica um mapa para localizá-la. O mapa é anterior a 1948, e retrata a Península Palestina na época em que a proposta de partilha estava sendo estudada pela ONU.

Quanto estará custando um mapa mais atualizado?



Pega mal!

O jornalista José Nêumanne Pinto lançou novo livro, O silêncio do delator (este colunista apenas começou a leitura e, em mais alguns dias, dará sua opinião sobre a obra). Na maratona que sempre antecede o lançamento de um livro, Nêumanne deu entrevista a Ana Maria Braga, na Globo. Mas o programa não exibiu a entrevista: segundo Nêumanne, o tema foi vetado na Globo, porque ele faz comentários no SBT, de madrugada.

Pega mal, gente! Parece censura! Qual o problema de entrevistar alguém que trabalha em outros canais? O programa de Hebe Camargo não apresenta artistas da Globo – aliás, sempre com referências simpáticas a seu trabalho? Talvez o problema esteja naquela velha (e ridícula) briga, ‘meu patrão é melhor do que o seu’.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação; e-mail (carlos@brickmann.com.br)