Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A imprensa sob fogo cerrado

O diagnóstico da 65ª Assembleia-Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) sobre as vicissitudes do jornalismo independente no hemisfério evidenciou um nexo inquietante entre o acúmulo de restrições – menos ou mais ostensivas, conforme o país – ao direito do público à informação e o que a entidade considera a ‘deterioração das liberdades’ na América Latina. O cenário é de ‘tendência ao autoritarismo’, concluiu a SIP ao fim do evento que reuniu, em Buenos Aires, mais de 500 editores de jornais.


Fundada em 1942, a organização é integrada por 1.300 periódicos das três Américas, cuja circulação alcança 50 milhões de exemplares diários. O cerceamento da imprensa, como parte dos mecanismos de controle social dos quais dependem a imposição e a sobrevivência de regimes autocráticos, tem sido disseminado pelo mais virulento deles, o do caudilho venezuelano Hugo Chávez – descontada, naturalmente, a esclerótica ditadura castrista em Cuba, onde a imprensa foi exterminada logo que Castro ingressou na órbita da União Soviética.


No plano interno, a repressão à imprensa livre se acentua a olhos vistos. Segundo o Instituto Imprensa e Sociedade (Ipys), sediado em Caracas, 2009 vem sendo o pior ano para a mídia desde a ascensão de Chávez, em 1999. Foram 107 ataques a jornalistas e meios de comunicação em 10 meses. Destes, 2/3 perpetrados por agentes ou aliados do governo – o que talvez ajude a explicar por que apenas 10% dos atos de violência são denunciados à Justiça. Além da proposta de uma lei de ‘delitos midiáticos’, ele tem no seu prontuário o fechamento de 34 emissoras de rádio e a ameaça de fazer o mesmo com outras 240.


No plano regional, o seu principal produto ideológico de exportação é a ofensiva contra a imprensa, no marco da chamada ‘revolução bolivariana’. O termo é um eufemismo, mas as investidas são reais. A exemplo da Lei de Comunicação do governo Rafael Correa, no Equador, o assédio tem o claro propósito de intimidar e afinal asfixiar a imprensa independente, criando condições para o monopólio estatal de facto da informação.


‘Formadores de opinião’


O chavismo e a propensão autoritária de governantes como os Kirchners na Argentina se coordenam para construir uma ‘arquitetura legal’ destinada a debilitar a mídia, denunciou semana passada o então presidente da SIP, Enrique Santos Calderón (ele foi sucedido ao término da reunião de Buenos Aires por Alejandro Aguirre). No caso argentino, a recente Lei de Serviços Audiovisuais restringe drasticamente a atuação das empresas de comunicação do país. O vice-presidente da Argentina e presidente do Senado, Julio Cobos, que rompeu com Cristina Kirchner, prega a revisão da lei e o estabelecimento de ‘relações institucionais’ entre o Estado e a imprensa a fim de preservar a liberdade de expressão – tudo que a presidente abomina.


Para respaldar o garroteamento legal, a estratégia autoritária procura ‘submeter os meios de comunicação ao desprestígio’, denunciou a SIP no seu relatório anual, divulgado anteontem [terça-feira, 10/11].


O processo varia de país para país. Na Argentina, é política de governo. Na Bolívia, traduz-se nas agressões verbais do presidente Evo Morales a jornalistas e órgãos de informação. Mesmo no Brasil, onde o Executivo decerto não teria condições de amordaçar a mídia, o presidente Lula não perde oportunidade de promover o descrédito da imprensa, com o argumento de que o povo dispensa ‘formadores de opinião’ – como se estes existissem apenas nas redações e não na própria sociedade.


‘Ação imediata’


O problema da liberdade de informar, de todo modo, é outro no País. Em um ano, 16 decisões judiciais impuseram a censura a periódicos. Desde 31 de julho, este jornal [Estado de S.Paulo] está proibido de publicar reportagens com base nas investigações da Polícia Federal sobre o empresário Fernando Sarney, primogênito do presidente do Senado. A censura prévia, imposta por um desembargador relacionado com o político, foi considerada pela SIP ‘um vexame para a democracia brasileira’.


A entidade dedicou ao assunto amplos trechos da sua resolução. Depois de historiar o caso, o documento solicitou ao Poder Judiciário ‘interferência e ação imediatas para acelerar o processo de restabelecimento da plena liberdade de imprensa no País’ – o que já havia sido feito com a publicação do acórdão do ministro Ayres Britto, do STF, comentado em nosso editorial de ontem, Letra da Lei, letra da Liberdade.