O último boato da internet, surgido em 10 de setembro, foi o do lançamento do Sexkut – como vários outros no passado, engendrado pelo site humorístico brasileiro Cocadaboa (www.cocadaboa.com.br). Um nome bem-achado a partir do Orkut, serviço criado pela pontocom americana Google que reúne amigos segundo as afinidades. Bem, e o que seria, perguntará o leitor, esse tal Sexkut? Resumindo, uma rede para promoção de relacionamentos sexuais. Do Orkut só participam usuários convidados, que recebem dos conhecidos um código para acesso. O Sexkut viria a complicar esse acesso: só se entraria no serviço mediante convite de algum ex-parceiro sexual.
Absurdo? Muita gente experiente anunciou ou comentou a ‘novidade’. Em ordem cronológica, Pedro Doria (no mínimo), Ueba, Julio Hungria (Blue Bus), Marcelo Tas (Blog do Tas), Folha Informática, iG, IDG Now! (UOL), Terra Informática, O Dia. O apresentador Cazé mencionou a ‘coisa’ em seu programa Buzzina MTV. O Terra até botou na capa entrevista com o ‘fundador’ do site. E o Sexkut virou febre. Em 9 dias de operação, recebeu mais de 50 mil visitantes únicos, 350 mil hits e 2 mil mensagens de e-mail de pessoas ‘pedindo desesperadamente por um convite’. Tudo isso está contado em longa matéria (www.cocadaboa.com/archives/003976.php) assinada por Mr Manson, sugestivo nickname de Wagner Martins, fundador do Cocadaboa – que deu a entrevista ‘séria’ ao Terra sob o pseudônimo de ‘Marcos Pantoja’.
Bons indícios
A armadilha do Sexkut ficou ‘atraente’ porque em nenhum momento foi associada ao Cocadaboa, o que seria mortal para a ‘credibilidade’ do trote. O site diz de si mesmo:
O Cocadaboa é aconselhável apenas para maiores de 18 anos. Seu conteúdo é 100% humorístico e/ou mentiroso. Quer nos processar? Boa sorte! Nosso site está hospedado na Eslovênia. [Ao lado de uma bandeirinha da Eslovênia:] Orgulho de ser Esloveno!
Quase todo mundo sabe que a internet, esse oceano de informações úteis e inúteis, é uma amiga de duas caras. Muito jornalista veterano já se enredou em suas teias. E as mentiras dela estão cada vez mais sofisticadas e verossímeis, portanto só bate no peito e afirma que não cai em trote da rede quem… não usa a rede [esta articulista publicou neste Obsevatório, em 1999, duas cartas de leitores anunciando projeção de imagens na Lua, em (http://www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/
ofjor/ofc051299.htm)].
Assim, a intenção do OI não é mostrar que fulano é bobo por cair na rede, mas apontar algumas formas para não cair, indicadas tanto pelas ‘vítimas’ do último trote como por dois profissionais que, cautelosos, resolveram investigar melhor a coisa toda antes de publicar: a repórter Kátia Arima, do Estado de S.Paulo, e o colunista Carlos Alberto Teixeira, do Globo.
Boa parte das ‘vítimas’ levou o trote na brincadeira e reconheceu o erro. Outras simplesmente apagaram a informação do servidor. Pedro Doria, 29 anos, 15 de internet, faz parte do primeiro grupo. A ‘sátira sexual do Orkut’ (descrição de Mr Manson) chegou a seus ouvidos no próprio dia 10, horas depois de a ‘garrafa’ ser jogada ao mar. No weblog – ele assina coluna com seu próprio nome também no site no mínimo (www.nominimo.com.br) –, apenas citou o lançamento. ‘Por que eu caí? Onde deveria ter acendido uma luz vermelha e não acendeu?’, perguntou Pedro em conversa por telefone com o Observatório, no dia 22, depois de tudo esclarecido (sua coluna de quinta-feira, 23/9, contém basicamente o teor da entrevista).
Olhando agora para trás, Pedro acha que caiu em primeiro lugar porque a informação lhe foi passada por um amigo que é ‘fera’ da internet. Havia, contudo, bons indícios para desconfiar: depois de pesquisar no Google, nenhum site, nenhum blog, ‘rigorosamente ninguém’ informava como era o Sexkut por dentro, ‘coisa bem estranha’; também não viera convite de amigo algum; apesar de brasileiro, o domínio era .com, e não .com.br, o que já sugeria amadorismo, empresa sem CNPJ; outra prova de amadorismo: a página tinha a cara do Orkut, o que certamente renderia processo do Google.
‘Quero testar’
Mas, como as melhores coisas da internet realmente começaram de forma amadora, Pedro não viu razão maior para aprofundamento, até porque a irrelevância do tema não pedia grande apuração. Afinal, não se tratava da fábula da mulher perfeita (na internet, é sempre homem) ou oferta tentadora com exigência de documento (é sempre golpe).
O caso de Marcelo Tas foi diferente: escreveu sobre a ‘coisa’ no Blog do Tas ((http://marcelotas.blog.uol.com.br/) como simples pretexto para analisar a tara dos brasileiros (‘subcidadãos de um país miserável’) por inovações tecnológicas:
Eu fico pensando aqui com os botões do meu mouse: por que o brasileiro é tão rápido nessas sacadas? Por que o brasileiro é tão tarado por tecnologia (ou é só tarado mesmo)? Por que não conseguimos ganhar dinheiro com essa habilidade nacional de inventar moda e traquitana para tudo? Até os indianos, vegetarianos e adoradores de vacas, já exportam softwares para os EUA, por que a gente ainda não decolou nesse quesito? Ficamos apenas em idéias como essa do Sexkut?!!?
Qual o futuro tecnológico do Brasil? Montar computadores via fronteira do Paraguai? Ou virarmos uma Bangalore [cidade indiana produtora extensiva de software] tropical ou uma potência do software livre ou do cyber sex?
Tas disse por e-mail que sua defesa contra boatos da internet é a ‘checagem’. No caso, ele conferiu ‘a existência e o registro do domínio’ (a íntegra de sua entrevista ao Observatório está publicada no blog dele). ‘Para alguns dos que imaginavam que eu guardava um ‘furo’ jornalístico, declarei minha suspeita de que o site era apenas um cenário de filme de faroeste, aqueles onde só existe a fachada dos prédios’, escreveu. ‘Ou seja, a existência ou não do projeto nunca me importou. Sei de gente que gastou dias, e até telefonemas internacionais, para decifrar tão misterioso segredo.’
A repórter Kátia Arima, do Estado de S. Paulo, recebeu a informação de um amigo desconfiado, e ela também desconfiou. ‘De verdade, e não ao estilo Chapolin’ (referência ao comentário de Wagner Martins no Cocadaboa sobre o personagem mexicano: “Todos caíram, e não adianta posar de Chapolin e soltar o bordão ‘suspeitei desde o princípio’”). No caso de Kátia, tanto é verdade que ela ficou uma semana pedindo que o ilustre ‘Marcos Pantoja’ lhe desse uma senha para entrar no site, ou indicasse um beta-tester (usuário pioneiro) que falasse a respeito. ‘Quero testar’, insistia. ‘Pantoja’ cedeu na quarta-feira (15/9). Revelou o trote e propôs um adiamento da matéria até que ele planejasse um Sexkut verdadeiro (sim, porque o Cocadaboa afirma que agora o Sexkut será criado pra valer!). A descoberta por internautas de que o IP do site falso era o mesmo do Cocadaboa, entretanto, precipitou tudo. Kátia foi obrigada a bater seu texto às 11 da noite de sexta, 17, data do fechamento da edição do dia 20 [ver a matéria na seção Entre Aspas desta edição].
O boimate da Veja
Para Kátia, falhas relacionadas a trotes são mais críticas especialmente na internet. ‘Se conseguem imitar site de banco com exatidão, imagine um Orkut do sexo’, disse ao Observatório. ‘Pantoja é convincente e o pessoal do online tem mais chance de cair, por causa da pressa’. A repórter fez o ‘curso de foca’ (para jornalistas recém-formados) do Estadão em 1999, e uma das cascas de banana jogadas no caminho dos novatos foi uma pauta de ciência sobre um certo ‘boi temperado’ (ver mais abaixo). Muitos coleguinhas escorregaram, Kátia desconfiou.
Flávio de Carvalho Serpa, editor do Caderno de Informática do Estadão, apoiou a decisão da repórter de segurar a matéria: ‘Ela já tem experiência’. Para ele, a imprensa melhorou muito na apuração de informações. ‘Mas está sempre entrando gente nova nas redações, e volta e meia alguém cai num trote’, disse. ‘Checar é coisa que não existe no jornalismo online, é copiar e colar mesmo, mas em jornais sérios, com profissionais experientes, já acontece bem menos.’
A propósito, Flávio lembrou do ‘caso boimate’ [leia a história no Portal do Jornalismo Científico (http://www.jornalismocientifico.
com.br/
artigojornacientificowbuenoboimate.htm)], o maior trote da imprensa brasileira, cuja vítima foi a Veja: a editoria de Ciência da revista publicou, em 1983, matéria sobre um cruzamento de boi com tomate, ‘experiência dos pesquisadores alemães’ que ‘permite sonhar com um tomate do qual já se colha algo parecido com um filé ao molho de tomate’. Flávio estava perto da editora Dorrit Harazim quando ela recebeu telex de Londres informando que se tratava de um 1º de abril da revista New Science. ‘Foi a única vez em que ouvi a Dorrit dizer um palavrão’, conta Flávio.
Alguma serventia
Augusto Nunes, então diretor de redação da revista, escreveu depois um mea-culpa bem-humorado. Mas a revistona é fã de trotes com ‘alemães’: em 2001, acreditou na existência do bucólico vilarejo paraguaio de Nueva Könisberg, cujos moradores ‘alemães’ cultuavam Kant [leia a história em (http://www.no.com.br/revista/noticia/
21290/989806119000)]. O ‘Veja errou’ desta vez nada teve de humor.
Ossos do ofício? Carlos Alberto Teixeira, o c.a.t. do Globo, criou uma fórmula até agora infalível para investigar pelo menos as ‘novidades’ da internet, que anuncia em sua coluna e distribui numa lista de mensagens, a Golden List (www.iis.com.br/~cat/): ‘É importante ter uma rede de gente boa, melhor do que eu’. Ao saber da ‘notícia’ do Sexkut, ele partiu para a apuração. ‘Tentei entrar no site, não consegui’, contou ao OI. ‘Procurei meus amigos, gente quente, ninguém tinha entrado; aí pensei: se minhas fontes não conseguiram é melhor esperar’. Simples assim.
Mesmo Wagner Mr Manson Martins atribui um certo caráter de crítica da mídia a seus trotes:
É sempre bom (…) fazer algumas [pessoas] pararem para pensar um pouco e olharem todo tipo de informação apresentada pela mídia de uma maneira mais crítica. Um amigo jornalista, um que desconfiou da sacanagem quando escrevi a matéria citando indiretamente o Sexkut aqui no Cocadaboa, me escreveu: ‘É verdade que fiquei menos pato depois de te conhecer. Devo isso a vc mesmo’. (…)
Bem, ao menos alguma serventia nessa baboseira toda de Sexkut. Mas o leitor que nunca ouviu falar de nada disso não precisa se preocupar. O ‘entendido’ J.J. Curtis, personagem de Peter O’Toole em Final Courtain, diria que é ‘mais um cocô de cavalo geneticamente modificado’.
Profundas palavras.