Um gênero jornalístico que tem na capacidade humanizada em narrar passagens de vida que unem o autor ao entrevistado parece estar com os dias contados no jornalismo brasileiro. O perfil da forma que conhecemos a partir da década de 50, em publicações como Cruzeiro, Realidade e Veja, vem infelizmente se adequando à realidade exigida pelos pressupostos que ditam o jornalismo atual.
Conceitualmente, o perfil é um gênero jornalístico conhecido pela singularidade da sua linguagem ao atuar na composição de uma narrativa acerca da passagem de vida de um indivíduo que o retrata e o liga ao presente. Três características o solidificam: a pauta / entrevista, a construção do personagem e a elaboração do perfil. Assinaladas abaixo pertinências sobre os temas:
Apesar de ainda ser conceituada por muitos estudiosos como técnica jornalística, a entrevista constitui uma etapa fundamental na elaboração de um perfil, tomando cotidianamente ares de gênero capaz de retratar a visão do jornalista a respeito do fato narrado pelo perfilado, compreendo-se num processo de comunicação eficaz.
Critério e tipos de entrevista
Pesquisadores brasileiros como Cremilda Medina e Osvaldo Coimbra classificaram a entrevista segundo variados critérios e tipos. Vamos aqui utilizar o viés exposto por Nilson Lage (2001) quanto à sua realização e circunstâncias:
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ocasional – o entrevistado é questionado inesperadamente, no entanto, o resultado ser suficiente a ponto de ser transformado em uma entrevista;**
confronto – é o tipo de entrevista mais comum, em que o entrevistador assume um papel impositivo perante o entrevistado, indagando-o sobre perguntas delicadas, gerando constrangimento aos métodos de apuração da mídia;**
coletiva – o interesse acontece quando uma personalidade acabou de ser testemunha de um fato singular, que, pela grandiosidade, deve ser informado a repórteres de veículos de comunicação variados;**
dialogal – marcada pelo diálogo é a entrevista no sentido mais conhecido da palavra. Entrevistador e entrevistado dão o tom da sua entrevista de maneira liberta sem estar presos ao script vão desenhando as perguntas que poderão surgir. É essa a esperada no caso dos perfis.A formação da personagem
O homem vive rodeado por pessoas e acontecimentos recebendo deles inúmeras influências e agindo de forma diferente segundo as situações. O psiquiatra Jung, (apud GRINBERG, 1997, p. 22-29) acreditava que o indivíduo tinha, dentro de si, inúmeras personas, ou seja, máscaras usadas para melhor transitar socialmente.
A caracterização dos personagens tem grande importância na estruturação do perfil. É a possibilidade de descrever um indivíduo sem se prender ao fato que ele presenciou. Segundo Vilas Boas (2003), os perfis jornalísticos expressam uma trajetória sintética, onde apesar da durabilidade menor têm grande relevância como gênero jornalístico, mesmo que meses ou anos depois da publicação do texto o personagem tenha mudado suas opiniões, conceitos, atitudes ou estilos.
No tocante à formação do personagem ao longo da narrativa, Osvaldo Coimbra (1993) em seu O texto da reportagem impressa, lança mais de uma classificação a respeito dos personagens, feita por E. M. Foster, em 1937, para o livro Aspects of the novel, (apud BRAIT, 1987 p. 41).
a) personagem plana: Geralmente construída em torno de uma idéia ou fato, o que proporciona quase sempre um ângulo único, seguindo quase sempre uma trajetória linear.
b) personagem redonda: É cercada por fatores que proporcionam a construção de um personagem bem marcado, complexo, valorizando não só o que motivou escrever sobre ele, mas pelos seus traumas, medos, dificuldades. Permite a construção de um indivíduo multifacetado.
Falta de tempo e veto à criatividade
Enquanto na fotografia os retratos ilustram a fisionomia de um indivíduo, no perfil há a possibilidade de desvendar trechos de uma trajetória de vida. Não raro utilizado para diminuir a rigidez de outros gêneros jornalísticos, como a notícia e a reportagem, o gênero faz parte da atividade diária do jornalista. Vilas Boas (2003, p. 14) enfatiza:
A profissão de repórter nos credencia a ficar conectados com pessoas muito interessantes, e às vezes a uma distância física que o leitor comum dificilmente poderia estar. No entanto, transmitir uma compreensão – ainda que abreviada e efêmera – sobre alguém é delicado. Não basta embaralhar fatos biográficos ou aspear frases do dicionário.
Segundo Ferrari & Sodré (1986, p. 139), em algumas situações publicam-se matérias como artigos, crônicas e entrevistas, que testemunham vida e obra de um indivíduo. O conjunto forma uma grande reportagem e, naturalmente, seu multiperfil com vários narradores e, a priori, uma única narrativa.
Numa breve exposição feita no meio de uma notícia ou reportagem, pode-se destacar a importância do personagem no desenrolar e desfecho da história, o chamado miniperfil. Segundo Muniz Sodré (1986):
Há muitas maneiras de escrever uma história, mas nenhuma pode prescindir de personagens. Também são inúmeras as formas de apresentá-los, caracterizá-los ou fazer com que atuem. De qualquer modo, existe sempre um momento na narrativa em que a ação se interrompe para dar lugar à descrição (interior ou exterior) de um personagem.
Comumente nas escolas de comunicação tem havido um incentivo ao estudo de áreas pouco abordadas no passado, como as mídias digitais. Diminuindo assim, o número de futuros jornalistas que reflitam sobre a atuação que os personagens têm nos fatos, mas exclusivamente preocupados com os princípios da imparcialidade, veracidade e objetividade. Segundo Vicchiatti (2005, p.23),
‘Essa voracidade em informar a qualquer custa, que culmina em julgamentos dolorosos e imprecisos, é, na maioria das vezes, fruto do jornalismo de resultados. O jornalista não leva em consideração que numa mensagem subliminar pode estar uma preocupação latente de toda uma coletividade.’
Tomando por base a importância histórica que o gênero perfil teve em retratar fatos do cotidiano da sociedade brasileira, a falta de tempo e espaço, e o veto à criatividade determinados por muitos meios de comunicação, são sem dúvida grandes obstáculos para a produção de bons materiais jornalísticos.
Infelizmente, por meio deste artigo e por vários motivos, compreende-se o aumento da ausência de textos que tenham no ‘humano’ a sua fonte primordial, empobrecendo com isso a cultura retratada pelos meios de comunicação, em especial pelos jornais e revistas.
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Graduada em Comunicação Social – Jornalismo, pela Universidade Federal da Paraíba. Participante do GRUPECJ, Grupo de pesquisa sobre o cotidiano e o jornalismo coordenado pelo professor Wellington Pereira, do Decom / UFPB, João Pessoa, PB