Antevendo a derrota da cruzada rancorosa e mesquinha que moveu contra o escritor e perseguido político Cesare Battisti, o jornalista Mino Carta nem esperou o final do julgamento no Supremo Tribunal Federal para lhe atribuir ‘um assustador grau de ignorância’ de ‘setores importantes, ou tidos como tais, da política, da cultura, do jornalismo’, ‘impróprio em um país que aspira à contemporaneidade do mundo’.
Depois de sair do próprio blogue – porque os internautas não endossavam sua posição no caso Battisti –, Mino os continua agredindo por não balirem amém ao que magister dixit. Daí o título que deu ao seu (mais um!) patético desabafo: ‘Quando a ignorância prevalece‘.
Mino Carta continua obcecado em negar o chamado óbvio ululante: que o Partido Comunista Italiano, ao firmar um acordo podre com o inimigo de classe (a conservadora e corrupta Democracia Cristã, das lojas maçônicas crapulosas, dos remanescentes do fascismo e das ligações perigosas com a Máfia), levou ao desespero os contingentes revolucionários mais fervorosos da Itália, gerando o fenômeno do brigadismo, com cerca de 400 diferentes grupos e grupúsculos optando pela contestação armada ao longo da década de 1970.
Um ‘abissal desprestígio’
E, pior ainda, quer que todos esqueçam ter sido do PCI a mão forte da repressão à ultra-esquerda, respaldando torturas e monstruosas aberrações jurídicas (como a introdução de leis com efeito retroativo e a permissão para se manter qualquer cidadão preso preventivamente – sem condenação, portanto – durante mais de 10 anos!).
Não, para Mino Carta tudo se resume à ‘a miserável trajetória da Armata Brancaleone, que, lá pelas tantas, teve o concurso de Cesare Battisti, na origem meliante do arrabalde, disposto a descobrir na prisão uma vocação revolucionária’.
Tão cego ele se tornou à verdade, preferindo invariavelmente as mentiras oficiais, que até hoje repete como papagaio essa falácia infame contra Battisti, nascido e formado numa família de comunistas, cujos passos desde muito cedo seguiu.
E, como os brasileiros bem informados não acreditam nos porta-vozes da reação italiana, só lhe resta apelar para tentativas de ironia que soam, na verdade, como miados impotentes de um leão desdentado: ‘Ah, sim, a esquerda nativa…’
Ele mesmo faz menção ao ‘abissal desprestígio sofrido por CartaCapital neste longo e polêmico período’, mas prefere atribuí-lo a ‘um certo gênero de esquerdistas, de típica extração verde-amarela, que hoje dedicam seus melhores esforços à acumulação de grana’.
Cantilena e deboche
A isso ele pretende reduzir a luta extremamente desigual (e, ainda assim, vitoriosa!) que cidadãos movidos pelo idealismo e pelo espírito de justiça, contando quase exclusivamente com a internet, travaram contra a formidável máquina de desinformação burguesa, alinhada aos interesses do governo neofascista italiano! E se conquistarmos uma vitória épica contra os poderosos daqui e da Itália, isto se deverá apenas, segundo Mino Carta, ao ‘nosso tradicional jeitinho brasileiro’…
Enfim, não compensa perdermos mais tempo com quem já foi atropelado pela História.
Mas, cabe uma última palavra sobre a cantilena entoada ad nauseam por Mino Carta para negar aos brasileiros o direito de fazer uma avaliação crítica da Itália. Onde já se viu equiparar um ‘Estado Democrático de Direito’ (ele grafa iniciais com maiúsculas, para tornar mais majestático…) com as ditaduras de míseros países subdesenvolvidos? ‘Genro confundiu a Itália com Darfur’, debocha Mino Carta, colocando a nação de 1º mundo no topo da montanha e mandando às urtigas o Sudão e o ministro da Justiça brasileiro.
Suicídios e destruição psíquica
No entanto, um artigo escrito nos últimos dias pelo jornalista italiano Achille Lollo nos faz perceber que Tarso Genro tinha mesmo todos os motivos para recear pela vida e pela integridade física de Cesare Battisti, caso fosse enviado a uma masmorra italiana. Recomendo a todos uma leitura atenta de ‘Mais um suicídio de preso político nas prisões italianas! Por quê?‘, cujos principais trechos reproduzo em seguida:
‘Na Itália, nos primeiros dez meses deste ano, 61 presos optaram pelo suicídio no lugar de ficar nas `seções especiais de isolamento´ que os Tribunais impõem através do artigo 41bis a todos os presos considerados `perigosos´. Agora, o 62º suicídio por enforcamento foi da militante das Brigadas Vermelhas Diana Blefari Melazzi (38), por não agüentar mais o sistemático isolamento, após seis anos e meio de prisão.
Apesar do que foi veiculado na revista CartaCapital (a mando do então Subsecretário das Relações Exteriores italiano, Donato di Santo, e do então embaixador italiano, Valensise), para os terroristas o 41bis é obrigatório e a cadeia perpétua (ergástulo) é mantida para todos os presos políticos que não colaboraram durante as investigações.
Para Diana Blefari Melazzi, o suicídio por enforcamento foi a trágica saída do regime de isolamento especial. Presa em 2003 e condenada à prisão perpétua em 2005, a ex-brigatista Diana Blefari Melazzi começou logo a manifestar `problemas psicofísicos´; tanto que nos últimos quatros anos foi submetida a 30 perícias psiquiátricas, além de várias `medicações´…
Mortes por ‘causas naturais’
Seus advogados e os familiares pediam, apenas, uma transferência para uma clínica psiquiátrica onde poderia ser feito um tratamento específico para, uma vez curada, voltar para a penitenciária.
…Os advogados de Diana Blefari Melazzi, no dia 2 de novembro, convocaram uma conferência de imprensa para denunciar que Diana Blefari Melazzi não foi tratada porque era uma terrorista das Brigadas Vermelhas: e foi por isso que ela chegou facilmente ao suicídio, sem alguma intervenção por parte do tribunal e das autoridades penitenciárias.
Os advogados (…) acusaram o sistema judiciário e penitenciário italiano de ter implementado, desde 1978, um regime de isolamento especial para os presos políticos que prevê uma destruição psicofísica, sobretudo, no caso daqueles que não colaboraram com os investigadores. De fato, o suicídio da brigatista acontece 15 dias após o interrogatório dos agentes da polícia política, na prisão Rebibbia. Será apenas uma casualidade?
Desde 1974 até hoje foram registrados 13 `suicídios´ de presos políticos (…). Sem considerar os outros presos políticos que morreram por `causas naturais´, apesar de seus advogados dizerem que isto aconteceu por falta de tratamento médico nas prisões especiais onde estavam, como ficou evidente nos casos de Fabrizio Pelli (leucemia) e Nicola Giancola (enfarte).
‘Solução ideal’?
O suicídio anunciado de Diana Blefari Melazzi obriga a fazer uma reflexão sobre (…) se as prisões italianas são assim róseas e humanitárias, tal como foram apresentadas por um ex-juiz brasileiro, hoje comentarista da revista CartaCapital. Também é necessário perguntar por que nos últimos nove anos, nas prisões italianas se registraram 510 suicídios de presos por enforcamento?
Se os presos políticos (não arrependidos) e condenados à prisão perpétua teriam possibilidade de sair em apenas 12 anos, tal como escreveu o comentarista da revista CartaCapital, porque a cada ano se registra o suicídio de um ou dois deles?
Será que tudo isso é casual? Ou será que a condenação à cadeia perpétua, associada ao isolamento especial do 41Bis, é, ainda, a `solução ideal´ para provocar a destruição psíquica e a consequente auto-eliminação dos antigos inimigos do Estado?’
Mino Carta e Walter Maierovitch tudo fizeram para enviar Cesare Battisti a esse inferno. E ainda se surpreendem com o ‘abissal desprestígio’ a que estão hoje relegados!
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