‘Brasil, um país de todos.’ ‘Governo de São Paulo, trabalhando por você.’
Na primeira frase, uma obviedade (no entanto, há os que se acham uma parte especial do todo; ou seja, ‘mais iguais’ do que outros). Na segunda, uma obrigação (nem sempre cumprida). As duas, porém, são divulgadas em forma de propaganda ampla, colorida e reluzente. Que custa uma fábula. Paga por mim. Por você. Por todos nós, detentores do Brasil.
Quem não se detém, por exemplo, é a Sabesp, Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo. Andou fazendo propaganda nas regiões Norte e Nordeste, onde não gerencia um manancial.
‘É uma empresa de economia mista’, alega a direção da Sabesp. Ainda assim, a maioria de suas ações (ainda) pertence ao estado. Ao contribuinte paulista. A quem não perguntou se tem interesse em anunciar a grandiosidade da companhia à nação.
‘É uma empresa de soluções ambientais’, ou seja, não trata só de água e esgoto. Mas, quem compra ‘soluções ambientais’? Prefeituras? Outros governos estaduais? Se é algo institucional assim, para que propaganda na TV? No rádio? Em revistas? Uma oferta formal de serviços seria o bastante.
Uso descarado e cínico do dinheiro público
Dentro do território paulista, o estado produz, desde agosto, os chamados ‘boletins regionais’. São informativos de quatro páginas, com papel de tamanho A4 (sulfite), em cores, com fotos e infográficos. Diz o governo que o distribui a 52 cidades paulistas, cinco delas da Baixada Santista.
A Secretaria de Comunicação do estado justifica que investe R$ 680 mil por edição. São 44 mil exemplares por cidade. Portanto, uma unidade sai por 30 centavos. E afirma cumprir princípios da Constituição Federal no que se refere à divulgação de seus atos.
Tomo a liberdade de escrever uma frase que ouvi, dia desses, do advogado de uma grande empresa do setor imobiliário para justificar por que a defende: ‘A Justiça nem sempre é justa.’ E a adapto (mal, eu sei) com uma expressão: ‘A lei nem sempre é para as pessoas.’
O Artigo 37 da Constituição Federal aponta que um dos princípios do governo é o da ‘publicidade’, ou seja, tornar públicos seus atos. E o inciso XXII desse artigo expressa que ‘a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social (…)’
Nas entrelinhas, o que leio é uma brecha legal para o uso descarado e cínico de dinheiro público em propaganda eleitoral fora de hora. Governos não têm feito publicidade para tornar público. Fazem publicidade para si, para promoverem o governante de plantão ou alguém que tenha sua preferência para a eleição seguinte. Que o digam numa obra do PAC ou às margens do rio São Francisco.
Alguém se beneficia
O resto do inciso XXII indica que a publicidade deve ser feita ‘não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos’.
Não é preciso. As ‘autoridades’, quando fazem discursos repetidos à exaustão nos noticiários, associam-se sem fazer força aos ‘atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos’. O eleitor/contribuinte/cidadão percebe a ligação. E, muitas vezes, vota em quem faz isso, exatamente por juntar os pontos.
E por que não se vê uma linha na mídia para, ao menos, questionar essa relação?
Porque a mídia se vale disso. Quando não gosta de um governante, critica-o por propagandear o que faz. Mas, quando está alinhado a outro, pede a ele sua inclusão na cota de publicidade oficial. Vive desse expediente.
É algo tão absurdo que já houve ex-prefeito, em Santos, mandando anunciar nos meios de comunicação locais que o município estava sem caixa! Faz uns dez anos, isso. Mas tinha verba para a propaganda. Para dizer, de algum modo, que estava fazendo alguma coisa. Precisava aparecer.
Daí por que defendo a proibição da propaganda oficial, no Brasil. Quando o governo faz algo, percebe-se. Pode ser na qualidade da água, no conteúdo ministrado nas escolas, na possibilidade de estacionar o carro na rua sem que ninguém o arrombe, na garantia do direito de sair à rua em paz. Recurso aos meios de comunicação, exclusivamente por força de utilidade pública.
Ilusão, compreendo. Pagando, que mal tem? Só se for para mim e para você também. Afinal, disso se beneficia alguém. E muito bem.
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Repórter do jornal A Tribuna, Santos, SP