O projeto de lei do ministro das Comunicações, Hélio Costa, que visa a diminuir o controle do Estado sobre as concessões de rádio e TV do país, pode ser aprovado pelo Senado. A proposta está na pauta da próxima reunião da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O projeto foi apresentado por Costa em 2005, quando ainda era senador pelo estado de Minas Gerais, e só agora tramita em caráter conclusivo. Se aprovado na CCJ, pode ir direto para análise da Câmara dos Deputados, que ainda não tomou conhecimento da proposta.
A matéria, identificada como PLS 222/05, propõe dar aos concessionários de rádios com potência de até 50KW (a maioria das existentes) e de emissoras de TV que não sejam cabeça-de-rede a possibilidade de venderem suas outorgas sem a necessidade de aprovação do Congresso e do Poder Executivo. Exceção só seria feita às empresas que possuírem algum acionista estrangeiro.
O projeto conta com o aval da Comissão de Educação do Senado, que o aprovou em 2006, tendo como relator o então senador Edison Lobão (PMDB) atual ministro das Minas e Energia, cuja família é proprietária de rádios e TV no Maranhão. Nesta quarta-feira (4), o texto entrou na pauta da CCJ, mas não foi votado. A sessão da comissão terminou antes de sua apreciação. A proposta está sendo analisada pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que fez um pedido de vistas ao projeto no fim do mês de outubro por orientação de seu partido.
Aumentar a falta de transparência
O objetivo do projeto, segundo Hélio Costa, é diminuir a burocracia que existe nos casos de transferência de outorgas. ‘Entendemos que, mesmo após as alterações introduzidas pela Lei nº 10.610, de 2002, os controles estabelecidos sobre a vida societária das empresas prestadoras de serviços de radiodifusão são desnecessários. Mais do que isso, revelam-se prejudiciais à atividade, pois que inibidores do investimento em serviço de tamanha relevância social. Ademais, cumpre lembrar que, desde a década de sessenta, em que o marco jurídico do setor foi estabelecido, o número de emissoras multiplicou-se, tornando excessivamente onerosa, senão mesmo impossível, ao Estado a execução dessas funções’, diz o então senador, na justificativa da matéria.
Além disso, Hélio Costa argumenta que, com tais alterações, ‘pretende-se não apenas diminuir o excesso de burocracia que onera especialmente as pequenas emissoras, como também favorecer o aumento do fluxo de investimentos na prestação desses serviços. Em um tempo em que a convergência tecnológica impõe relevantes desafios às empresas de comunicação, é fundamental dotá-las de capacidade para atrair novos capitais, como forma de preservar serviço de tamanha importância para nossa sociedade.’ Segundo sua proposta, as emissoras teriam apenas que comunicar a troca de controle societário ao Executivo, no prazo de 45 dias a contar do registro da venda na Junta Comercial ou no cartório de pessoa jurídica.
O projeto, porém, abre a possibilidade de se aumentar a já conhecida falta de transparência no setor. O Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social elaborou um parecer sobre a matéria criticando seu teor. Para a entidade, ao desobrigar a maioria absoluta dos radiodifusores de anuência prévia para mudanças de controle societário, o projeto dá espaço para que seja feitas modificações que ferem a legislação do setor, especialmente em relação à concentração da propriedade dos meios, criando fatos consumados difíceis de reverter.
Alterações obscuras
Outra crítica do Intervozes refere-se a um artigo do projeto que propõe acabar com o tempo mínimo para que o concessionário possa fazer uma transferência de outorga. Essa modificação, segundo o coletivo, pode facilitar a transformação de concessões em mercadorias. ‘Se já é questionável a possibilidade hoje prevista de transferência direta da outorga após cinco anos, que dá grande lucro às empresas por meio da venda de um bem público (o uso do espaço no espectro eletromagnético), é absolutamente inaceitável que uma empresa se proponha a prestar um serviço público e repasse essa obrigação antes de completados cinco anos da outorga’, diz o parecer do grupo.
Para os atuais concessionários que agiram ilegalmente, transferindo suas outorgas para terceiros sem anuência do Executivo e Legislativo, Hélio Costa propõe a regularização de suas situações, a partir da aprovação de seu projeto. O Intervozes classificou como injustificável tal medida, pois se configura em uma espécie de anistia às ilegalidades cometidas pelas empresas.
‘Dizer que a notificação de propriedade é inibidora do investimento significa dizer que a transparência é inibidora dos investimentos. Em outras palavras, que os investimentos são mais incentivados quanto mais obscuras as alterações societárias’, arremata o Intervozes a respeito do espírito geral do projeto de Hélio Costa.
O espectro de radiofreqüências
Quem também acompanha a tramitação do projeto é o Ministério da Cultura. Uma das preocupações do órgão é a dificuldade que pode ser gerada para se identificar uma produtora ou uma obra audiovisual independente. Hoje uma das formas de se aferir tal questão é observando se uma produtora tem em seu quadro societário a participação majoritária de uma empresa de radiodifusão.
Além desta questão, a falta de controle do Estado sobre a venda de outorgas pode também aumentar o número de emissoras nas mãos de parlamentares, o que é vedado pela Constituição, mas desrespeitado na prática. Essa foi uma das razões que fez o senador Pedro Simon (PMDB-RS) adiantar, por meio de sua assessoria, seu voto contrário ao projeto de Hélio Costa.
Simon foi o autor de um parecer, em 2007, que propõe a não aprovação de pedidos de renovação de concessões de emissoras que tenham parlamentares em seu quadro societário. A proposta do senador foi aprovada na CCJ e encontra-se na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado desde maio deste ano, sob a relatoria de Cícero Lucena (PSDB-PB).
Um decreto de 1963 (nº 52.795) permite que um concessionário transfira uma outorga a uma outra entidade, desde que o faça com prévia autorização do Governo Federal e após os primeiros cinco anos da exploração do serviço.
Este tipo de transferência, que no caso das emissoras comerciais se constitui em uma venda da outorga, movimenta um lucrativo mercado, exatamente pelo fato de o investimento na licitação para a obtenção da licença representar um custo baixo e o retorno com a venda ser consideravelmente alto. Apesar de ser legal, a transferência é criticada, pois permite a comercialização do uso de um bem que pertence ao conjunto da população: o espectro de radiofreqüências.