Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mineiros contra o Conselho

Nós, do Comitê Mineiro Contra a Criação do CFJ, vimos participando em debates ocorridos em Minas Gerais. Apesar de inicialmente não conseguirmos intervir de forma igualitária nos debates organizados pelo sindicato, fomos convidados para participar de discussões em universidades e em programas de TVs universitárias. A partir de nossas intervenções, foi possível reunir um bom número de pessoas contra a criação do conselho e nos organizar por meio do Comitê Contra a Criação do Conselho Federal de Jornalismo. Após estudar o projeto que cria o conselho e debater o tema, produzimos o manifesto que segue em anexo. [Adriano Boaventura, repórter do Super Notícia (Redação de O Tempo)]

Para bem entendermos os interesses envolvidos na proposta de criação do Conselho Federal dos Jornalistas, não podemos nos ater apenas aos termos específicos das propostas contidas no projeto de lei enviado ao Congresso Nacional pelo governo Luís Inácio da Silva: é preciso pensar tal projeto no interior da conjuntura política atual do Brasil. A formação deste conselho é apenas a parte mais visível de um processo que vem se desenrolando há anos. Para que se compreenda como chegamos a um ponto em que ao humilhante nível de exploração econômica de que são vítimas os trabalhadores da notícia no país se ameaça adicionar uma nova carga de opressão, é fundamental recorrer ao passado recente e ao comportamento das forças políticas que hoje estão no governo.

Inicialmente, contudo, é necessário esclarecer algumas inverdades que estão sendo levadas adiante pelo governo e pelos sindicatos da categoria que apóiam a criação do conselho.

No Artigo Primeiro, Parágrafo 1°, do projeto residem os principais argumentos em defesa do conselho:

§1o – O CFJ e o CRJ têm como atribuição orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalista e da atividade de jornalismo, zelar pela fiel observância dos princípios de ética e disciplina da classe em todo o território nacional, bem assim pugnar pelo direito à livre informação plural e pelo aperfeiçoamento do jornalismo.

Ora, para orientar o exercício da profissão de jornalista já existe o código de ética da profissão, aprovado em congresso nacional da categoria há trinta anos. Os crimes de calúnia, injúria e difamação já estão devidamente tipificados no Código Penal. A criação de mais uma instância para julgamento e punição de jornalistas configuraria uma verdadeira diarréia jurisdicional. Para os que alegam que o estado é incapaz de fazer cumprir a lei, a resposta é simples: se o estado não consegue fazer valer as leis por incompetência, então por quê criar um conselho, também vinculado a este mesmo ineficaz estado, para fazê-lo? Se dissermos que isto é esconder um problema com um outro problema, ainda estaríamos simplificando os verdadeiros problemas que envolvem a criação deste conselho. As questões que levam este governo a desconsiderar a evidência destes fatos são outras; não se trata de mera incompetência.

Prossigamos. Para a registro e fiscalização do exercício previsto em lei da profissão de jornalista já existe o Ministério do Trabalho. Se falta verba para que o Ministério do Trabalho fiscalize como deve o exercício da profissão, como alegam os defensores do conselho, a solução, então, seria castigar os próprios jornalistas, criminalizando a vítima ao velho estilo fascista?

O conselho serviria também para fiscalizar o ensino do Jornalismo, defendem o governo e seus aliados. Mas este já não é uma responsabilidade do Ministério da Educação, que também está obviamente submetido ao Governo Federal e que nada vem fazendo para regulamentar a abertura de novos cursos? Por quê, pergunta-se, este governo tão displicente com a abertura indiscriminada de cursos se mostra tão preocupado com a formação dos jornalistas? Por quê não fez isso antes via Ministério da Educação?

A Fenaj diz representar os jornalistas e vem nos dizer que esta é uma proposta dos jornalistas. Estariam, então, os jornalistas dispostos a se flagelar para que os donos das empresas permanecessem ilesos aos olhos da opinião pública? A verdade é que a criação deste conselho visa vigiar e punir apenas os jornalistas e não os meios de comunicação e seus donos. Estes, sim, os grandes responsáveis pela quase totalidade dos crimes cometidos pela imprensa. Criado o conselho, as empresas de comunicação seguirão impunes, com seus erros pagos pelos jornalistas.

A Fenaj não sabe que os jornalistas são profissionais submetidos a empresas ou, pelo menos, finge desconhecer o fato:

Art. 2o – Compete ao Conselho Federal:

I – Zelar pela dignidade, independência, prerrogativas e valorização do jornalista

Zelar pela independência do jornalista? Seriam por acaso os jornalistas profissionais liberais? A real independência do jornalista, como sabemos, tem um limite de ferro: a sua condição de assalariado, submetido ao progressivo estreitamento do mercado de trabalho. Ao incluir a palavra independência no projeto de lei, a intenção da Fenaj não é outra senão a de fazer cair nas costas dos jornalistas a total responsabilidade pelo que é publicado, quando o verdadeiro problema a ser focado é o poder dos donos das empresas de comunicação, inclusive o poder de demitir o jornalista quando e como quiserem. Outra pergunta: por quê a Fenaj se cala quando se trata deste assunto?

É, pois, intenção indisfarçável do projeto submeter os jornalistas, e somente os jornalistas, ao rigor burocrático do estado, mantendo os donos da mídia fora do alcance dos eventuais rigores da lei. Se a Fenaj é tão interessada em dar independência aos jornalistas por quê ela não se esforça, por exemplo, para conseguir concessões públicas de rádio e TV para os sindicatos de trabalhadores? De fato, a Fenaj não está nada interessada em acabar com o poder dos donos da mídia. O trabalhador está submetido ao martelo dos patrões e a Fenaj vem oferecer uma bigorna para que os jornalistas apóiem a cabeça.

Os defensores do Conselho Federal de Jornalismo argumentam que para concretizar esta alegada ‘independência’ o projeto terá uma clausula que vai propiciar aos jornalistas a possibilidade de se recusar a cumprir uma pauta. Ora, isso é no mínimo um sonho infantil, para dizer o mínimo. Os donos dos veículos vão realmente aceitar que seus jornalistas escolham o que vão fazer? Nada disso: aqueles que não aceitarem fazer o que são obrigados serão demitidos. E aqueles que se submeterem serão punidos pelo Conselho, enquanto o seu patrão sai de mãos limpas.

Talvez este seja um dos motivos pelos quais as grandes empresas têm-se declarado contrárias ao Conselho; ter que ‘queimar’ um jornalista para cada crítica ao governo ou cada ‘serviço sujo’. Mas, certamente, a principal razão pela qual as empresa se vêem prejudicas pela criação deste conselho é que elas vão perder seu poder junto ao governo, sua moeda de troca vai perder valor. Seu poder de interferência junto à sociedade, suas chantagens ao governo, vai diminuir. A mídia será regulada indiretamente pelo estado. Assim, o governo não vai mais ter que financiar a mídia para seguir impune.

O projeto de lei prevê que o conselho arrecade taxas de todos os jornalistas brasileiros. Aqueles que não estiverem em dia com a anuidade a que estão obrigados estarão cometendo uma infração disciplinar, sujeita às seguinte penas:

I – Advertência

II – Multa

III – Censura

IV – Suspensão do registro profissional por até trinta dias; e

V – Cassação do registro profissional.

Aqueles que não pagarem a anuidade do conselho não poderão trabalhar e podem perder seu registro. O conselho teria, assim, o poder de cassar a fonte de sobrevivência dos jornalistas. Fica no ar a pergunta de Alberto Dines: ‘Com os jornalistas patrocinados por uma entidade criada pelo governo federal, e cujas contas serão fiscalizadas pelo Tribunal de Contas da União, que tipo de jornalismo será oferecido?’

A anuidade será um gasto a mais para os jornalistas, que vai-se refletir com certeza em um esvaziamento do sindicato, este sim, o verdadeiro espaço da luta por melhores salários, pela redução da jornada, por melhores condições de trabalho. Com este esvaziamento, os jornalistas estarão eternamente sujeitos a baixos salários, grandes jornadas e péssimas condições de trabalho. Em suma, maiores lucros para os donos da mídia. O esvaziamento dos sindicatos será um dos reflexos mais perversos e danosos da criação deste conselho.

Tal esvaziamento, aliás, é típico de regimes autoritários, tendência que pode ser confirmada no artigo nono, primeiro parágrafo, da proposta, que diz que os processos disciplinares tramitaram em sigilo, bem ao estilo dos órgãos de repressão dos governos militares.

A Fenaj diz que este projeto é fruto de mais de vinte anos de discussão. Mesmo assim este projeto é ruim para os jornalistas; não podemos dizer, portanto, que seja por falta de discussão.

O projeto não apresenta problemas; ele é o problema em si.

Chama a atenção o número de pontos omissos no projeto.

Mas cabe ao próprio conselho resolver os casos omissos.

Art. 2o – Compete ao Conselho Federal

XIII – Resolver os casos omissos nesta lei e nas demais normas pertinentes ao CFJ, assim como aqueles relativos ao exercício da profissão de jornalista e da atividade de jornalismo.

Mas este problema se agrava quando se pergunta quem formará o Conselho, uma vez que isso reflete diretamente nas suas decisões. Quem vai designar a primeira diretoria do conselho será a Fenaj, que tem hoje na sua diretoria assessores de imprensa do governo e muitos militantes do PT, que não vão perder a chance de blindar o seu partido no poder. Talvez seja por isso que a redação da proposta do conselho tenha sido feita dentro do gabinete do Ministério do Trabalho, como afirmou um dos coordenadores do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais.

Diante de todos estes argumentos, a Fenaj e seus sindicatos aliados dizem que a proposta tem falhas (que eles, aliás, não corrigiram em vinte anos de debate), que elas deveriam ser discutidas, modificadas e aprovadas etc.etc. Este aparente bom senso não passa de uma retórica vazia, que esconde uma rasteira manobra política: de um lado dizem que o projeto deve ser discutido; de outro, ordenam que este projeto seja votado e aprovado o mais rápido possível. Foi esta a declaração da Fenaj e de seus lideres assim que proposta foi enviada ao Congresso.

Como já foi dito, a proposta não apenas tem falhas, ela é o próprio erro. Mas sendo ela o próprio erro, quais são então os interesses que estão por trás da formação deste conselho, senão os interesses do governo petista e de seus aliados? A Fenaj e seus sindicatos servem apenas de marionetes na mão do Governo Federal. O ministro José Dirceu já declarou que para um melhor relacionamento entre mídia e governo precisa-se de um controle mais rigoroso da imprensa.

Graças à força que o PT tem dentro dos sindicatos e da Fenaj, este projeto vem passando com grande apoio por parte das correias de transmissão oficiais. Sindicatos e Fenaj vêm lutando com afinco pelas propostas do governo destinadas a submeter os jornalistas aos interesses dos detentores do poder. O governo não quer criticas ou empecilhos; e a Fenaj está desempenhando com competência – não se pode negar – seu papel de limpa-trilhos. Como já dissemos, a Fenaj está repleta de assessores do PT e do governo; vários militantes históricos do PT estão na Fenaj e nos sindicatos. Estas pessoas estão prontas para continuar defendendo a qualquer custo os interesses do governo, passando por cima de tudo e todos. Qualquer jornalista que contrariar os interesses da Fenaj/PT/governo vai estar com a cabeça a prêmio. E o interesse deste governo é seguir os passos do governo anterior sem ser incomodado, e para isso todos seus aliados e serviçais trabalham com afinco, empurrando goela abaixo de seus pares este cálice amargo de opressão e repressão.

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E-mail do grupo: contracfj@yahoo.com.br