O ano começou com animação incomum nos cadernos de Economia, esquentados pelo agravamento da crise no Brasil e na maior parte do mundo e pela transição política nos Estados Unidos. Os fatos, muito mais do que a criatividade, têm tornado o jornalismo econômico menos modorrento do que noutros inícios de ano. Os espaços mais nobres têm sido repartidos entre indicadores, pacotes e manobras anticrise e o recrudescimento da matança no Oriente Médio.
Na cobertura do Brasil, o material tem sido farto, mas o esforço de ir fundo nos fatos ou de contar as boas histórias com todos os detalhes tem sido irregular. O melhor exemplo de trabalho completo foi o material da Folha de S.Paulo publicado na edição de sábado (10/1), sobre como o governo brasileiro mudou sua decisão de reduzir a compra de gás boliviano.
Na sexta-feira de manhã, o Ministério de Minas e Energia havia anunciado o desligamento de quase todas as centrais termelétricas e um corte na importação de gás boliviano de 30 milhões para 19 milhões de metros cúbicos diários. Horas depois houve a oficialização do recuo: duas usinas seriam religadas e a compra diária poderia ficar entre 22 milhões e 23 milhões de metros cúbicos.
Todos os jornais noticiaram a reunião do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, com uma delegação boliviana. Só a Folha mencionou a atuação do secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, e do assessor presidencial para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia.
Adiantar o expediente
Segundo Lobão, a decisão foi mudada com critérios técnicos. Segundo Garcia, a solução foi ‘tecnicamente viável e politicamente conveniente para os dois lados’. ‘Num momento de crise econômica’, explicou o assessor, ‘é fundamental preservar os ingressos lá [na Bolívia], onde 40% dos recursos vêm do gás.’ Um belo exemplo de história redondinha.
A cobertura da compra de 49,9% do capital com direito a voto do Banco Votorantim pelo Banco do Brasil foi também desigual, nos vários jornais. Perdeu a competição quem se limitou a publicar as declarações oficiais sobre o assunto. Ganhou quem comparou os balanços dos dois bancos e ouviu especialistas a respeito do uso do BB como instrumento de política macroeconômica.
Todos mencionaram o interesse do governo em aumentar o financiamento ao mercado de automóveis, uma especialidade do Votorantim, mas ninguém contou a história da negociação nem explorou os motivos da decisão do governo. Por que comprar mais um banco, depois da Nossa Caixa? Por que esse, e não outro? Só por ser especializado num tipo de financiamento?
Entre as boas histórias do começo do ano – daquelas bem contadas pelo menos por alguns jornais – vale um destaque para a reunião de empresários e banqueiros com o ministro da Fazenda Guido Mantega o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e outras figuras importantes do governo federal.
O melhor detalhe da reunião, contado com maior clareza pelo Valor, foi o entrevero entre o presidente do Bradesco, Márcio Cypriano, e o presidente do BC. Cypriano pediu a Meirelles a antecipação da próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), marcada para 20 e 21 de janeiro. Como provavelmente haverá um corte de juros, movimento previsto pelo mercado financeiro, por que não adiantar o expediente?
Cortes de emprego
O presidente do BC rebateu na hora: ‘Vamos falar seriamente. O problema não é a Selic [a taxa básica de juros], é o spread bancário’. Esta frase, citada pelo Valor, foi o grande fato do encontro. Alguns outros jornais mencionaram a reação de Meirelles, mas não essas palavras.
O Valor também contou como Henrique Meirelles fez questão de explicar ao presidente da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Luiz Aubert Neto, por que a Selic é tão alta. A pergunta de Aubert foi uma notável demonstração de inocência, mas nem todos tiveram suficiente senso de humor para valorizar esse detalhe.
O material sobre os primeiros balanços da economia em 2008 foi em geral burocrático. Todos mostraram o recuo da inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e pelo Índice Geral de Preços (IGP) e mencionaram, como parte da explicação, a queda dos preços das commodities, associada à crise internacional.
Mas nenhuma das matérias foi mais fundo na análise do assunto, e muita gente parece ter esquecido que a alta anterior de preços também havia sido provocada por movimentos do mercado internacional. Mas o aumento da inflação, durante boa parte de 2008, resultou também de outros fatores, como a enorme expansão do crédito, e esse detalhe foi pouco ou nada explorado.
Houve algum esforço interessante de exploração das perspectivas de 2009. No segundo domingo do ano (11/1), o Estado de S. Paulo saiu com um robusto material sobre os cortes de emprego na indústria e seus prováveis desdobramentos nos próximos meses. O mote foi um dos tópicos da Sondagem Conjuntural da Indústria de Transformação, realizada periodicamente pela Fundação Getúlio Vargas.
Em geral, os jornais divulgam de uma vez um resumo da sondagem, sem explorar seus detalhes em reportagens maiores. O Estadão mostrou que esse material pode ser um ponto de partida para mais de uma reportagem.
Agricultura e pecuária
Uma das boas matérias sobre perspectivas tratou das projeções do Ministério da Agricultura para as exportações do agronegócio em 2009. A receita poderá ser 23% menor que a do ano passado, segundo estudos da Secretaria de Relações Internacionais do ministério. Nessa hipótese, o valor dos produtos embarcados poderá cair de US$ 71,9 bilhões para US$ 57,2 bilhões.
A cobertura mais ampla e mais interessante dessa área continua sendo a do Valor, embora o agronegócio seja a fonte mais importante do superávit comercial brasileiro. Só no ano passado, o saldo setorial foi um excedente de US$ 60 bilhões.
A maior parte dos jornais, estranhamente, continua cobrindo o agronegócio como assunto secundário, como se não fosse, por exemplo, uma das preocupações centrais do Itamaraty nas negociações globais de comércio. As seções de Economia têm hoje pouquíssima gente informada sobre o tema e capaz de escrever com alguma competência sobre o assunto.
A agricultura e a pecuária estão entre os setores mais dinâmicos, mais competitivos e com maior inovação tecnológica da economia brasileira e são muito mais importantes para a estabilidade cambial e monetária do que a maior parte dos assuntos financeiros cobertos com entusiasmo pela imprensa.
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Jornalista