Só existe um ponto onde há um consenso mundial: a batalha de Gaza deve ser imediatamente interrompida. O banho de sangue deve ser prontamente estancado, antes mesmo da posse de Barack Obama e do esperado início de um novo processo de paz. Os beligerantes talvez queiram prosseguir, insatisfeitos com os funestos resultados obtidos até agora, mas o cessar-fogo imediato é a precondição para impedir desdobramentos catastróficos.
Imperioso pensar no impensável; jornalistas têm – ou deveriam ter – a obrigação de temer a propagação do ódio. São os jornalistas – e não os historiadores, cientistas políticos ou ‘intelectuais’ – que correm riscos, são jornalistas que cobrem as guerras malucas, são eles que pisam em minas (como Robert Capa e José Hamilton Ribeiro, na Indochina-Vietnã). São eles as derradeiras vítimas do ódio: as primeiras são os civis inocentes.
Solidariedade é uma coisa, rancor, outra. Rancor ‘vende’ jornal, aumenta a circulação, gera polêmicas, panfletos, empurra a audiência. Mas, atenção: como os bumerangues, o rancor é imprevisível, incontrolável. Dor compartilhada e irrestrita não dá ibope mas é a única saída verdadeiramente decente, digna.
Deformações incuráveis
A continuação da Batalha de Gaza parece que acabou com os estoques de sabedoria e sensatez em nossa imprensa. Os lobistas dos dois lados agora sentem-se livres para cavalgar suas fúrias, certos das condecorações que ganharão. A busca da ‘imparcialidade’ só duplica as imbecilidades ao invés de neutralizá-las.
O conceito bíblico do guardião do irmão não deve ser entendido como aval à brutalidade. O clamor por revanches é um processo que acabará atingindo a todos.
Nesses 19 dias de guerra, diante da maré montante dos ressentimentos, a única posição verdadeiramente humanista e humanitária foi trazida por um colunista da Folha de S.Paulo, Marcos Nobre (6/1, pág. A-2). ‘Por um pacifismo radical’ (clique aqui, para assinantes) é um manifesto espiritualmente inspirador e jornalisticamente inovador. Soa quimérica, irrealista, demodée, mas é a única opção para aquela que foi considerada ‘a última profissão romântica’.
O pacifismo integral é o único recurso para proteger a integridade do jornalista na sua perene busca do entendimento. O mediador é imperiosamente pacifista, mas o pacifismo relativo, seletivo e condicionado, é esquizofrênico, capaz de gerar deformações incuráveis. Recusar a guerra, resistir aos beligerantes – todos os beligerantes – é a forma mais justa e humana de participar e ajudar.
***
Este Observatório da Imprensa breve completará seu 13º aniversário. Foi criado e vem sendo mantido com o objetivo claro, inequívoco e inalienável de discutir o desempenho da imprensa. Não adota códigos, manuais, carta de princípios. Tem um compromisso simples, óbvio, pétreo, transparente e expresso no seu nome – observar a imprensa.
Este observador tenta resistir à tentação de entrar no mérito dos assuntos cobertos pela mídia. Prefere examinar como a mídia os acompanha. É o nosso diferencial, especificidade. Segmentação anti-segmentadora, opção pelo universal.
Leitores das duas facções em luta (na Palestina e, infelizmente, no resto do mundo) têm cobrado maior encarniçamento. A controvérsia que nos aproxima aqui neste OI diz respeito à controvérsia em torno da validade desta instituição/poder/indústria chamada Imprensa.
O pai da crítica da mídia, o vienense Karl Kraus (1874-1936) celebrizou-se por denunciar os jornais austríacos e alemães pelo clima de beligerância que resultou na 1ª Grande Guerra (1914-1918). E o fez em plena guerra.
Estamos longe de Gaza mas não podemos ignorar a desgraça do nosso tempo: as guerras estão aqui, são mundiais.
Leia também
Uma pausa para Spinoza – A.D.