Na segunda-feira (12/1), o jornal O Globo trouxe uma extensa reportagem, assinada por Regina Alvarez, sobre o crescimento da verba do governo federal destinada à publicidade. Em 2009, o Orçamento prevê um total de R$ 547,4 milhões para a Presidência da República e os ministérios divulgarem o que julgam positivo. O aumento em relação a 2008 é de 35%. São números preocupantes. O dinheiro público, em volumes cada vez maiores, escoa para campanhas cuja finalidade primordial é deixar as autoridades bem na foto. Tanto na administração federal como nos estados e municípios. O furor da publicidade oficial, que desconhece crises econômicas em sua escalada, constitui um denominador comum entre as principais correntes políticas em atividade no Brasil, à direita e à esquerda.
Basta ver o noticiário. Na mesma segunda-feira, a coluna de Fernando Rodrigues na Folha de S.Paulo informou que o Poder Executivo de São Paulo, entre janeiro e novembro de 2008, gastou nada menos que R$ 110,3 milhões em propaganda. Os telespectadores paulistas sentem isso nos olhos. Foram atropelados por uma avalanche de filmetes enaltecendo os feitos do Palácio dos Bandeirantes. O apetite da publicidade do governo de São Paulo já se fazia sentir no início do ano. ‘No PPA (Plano Plurianual) enviado à Assembléia, o governo prevê R$ 720.377.473,00 para comunicação social no próximo quadriênio’, alertava uma reportagem de Cátia Seabra publicada na Folha Online em 5 de março de 2008.
O destino do dinheiro
A regra é a mesma em todo o país. Governar virou sinônimo de anunciar. Antes, o bom governante era aquele que transformava a polis em canteiro de obras. Agora, é aquele que transforma as supostas obras em espetáculo audiovisual. Antes, a imagem ideal de um governante era a do engenheiro, de capacete de plástico na cabeça, vistoriando as construções. Agora, o bom governante tem a imagem de exímio comunicador. Faz mais aquele que sabe comunicar que faz mais. E dá-lhe publicidade custeada com dinheiro público.
Essa publicidade não é de utilidade pública, salvo raríssimas exceções. É proselitismo puro. Em tudo ela se parece com aquela que toma conta do rádio e da televisão em épocas de campanha eleitoral. Na maioria dos casos, as agências e as equipes que produzem as peças para os governos e suas estatais são as mesmas que confeccionam as mensagens dos candidatos. Uma coisa é o prolongamento da outra. A estética do horário político se perpetua por todo o período dos mandatos. O discurso eleitoreiro não cessa. Somos um país em campanha eleitoral permanente.
Ora, isso é razoável? Qualquer pessoa em seu juízo normal diria que não. O dinheiro público, que é de todos, jamais poderia servir para que um ponto de vista parcial – o de quem governa – prevaleça sobre os demais. O dinheiro público não deveria financiar a promoção de uns em detrimento da opinião de outros. Todo mundo sabe disso. Até mesmo algumas autoridades, em conversas reservadas, declaram-se contrárias a essa prática disseminada, mas logo se resignam, lançando mão de uma pergunta lacônica: ‘Se eu não me valer desse expediente, como a sociedade terá conhecimento do que fizemos?’ Foi assim que, entre a resignação envergonhada e a autopromoção sem pejo, chegamos ao ponto a que chegamos.
Hoje, o chamado ‘marketing político’ – que se bifurca em publicidade de candidatos e publicidade de governantes – converteu-se numa indústria à parte. É uma indústria poderosa, assentada em cifras bilionárias e profundamente enraizada na nossa cultura política. Removê-la tornou-se praticamente impossível, tanto mais porque ela soube associar-se a outros interesses que não apenas o dos políticos.
Ela congrega, de um lado, os partidos, os governos e seus marqueteiros e, de outro, a totalidade dos meios de comunicação que operam no país. Boa parte desse dinheiro – alguns falam em 70% ou mais – vai diretamente para os veículos como pagamento dos horários e dos espaços de veiculação. De tal sorte que esse sistema, ou melhor, esse ecossistema convém à tal ‘classe política’ e também aos veículos impressos, às emissoras de rádio e televisão e, agora, também aos sites na internet.
Perde a democracia
Enquanto alguns ganham – uns abocanham nacos de poder, outros faturam cifrões –, a cidadania perde. Para começar, a sociedade perde em pluralidade, pois a propaganda oficial é essencialmente partidária. Ela monologa e nunca dialoga. Não dá voz aos que pensam diferente. Pior: procura neutralizar as vozes discordantes. É mais uma ferramenta de massificação de slogans do que propriamente um serviço para informar o cidadão. O eleitor também perde, uma vez que, exposto ao bombardeio de campanhas eleitorais prolongadas sob a rubrica da ‘comunicação oficial’, tem menos acesso aos pensamentos de oposição.
A própria instituição da imprensa sai perdendo, por mais que isso não seja dito. Há quem alegue que a publicidade dos governos ajuda os órgãos de imprensa e, consequentemente, estimula o jornalismo. Mentira. O que essa indústria vem criando entre nós é uma força que, em lugar de fortalecer, conspira contra o exercício da liberdade de imprensa. Que ninguém se engane. Nas cidades médias, o peso da publicidade oficial local é tamanho que, muitas vezes, os veículos passam a depender delas para sobreviver. Ficam na mão do poder. Não é exagero afirmar que, muitas vezes, os recursos públicos injetados no mercado anunciante são recursos de constrangimento, aliciamento, coerção e chantagem contra a imprensa.
Enfim, quem mais perde é a democracia. O ecossistema da publicidade oficial é uma distorção que partidariza o Estado e inibe a alternância de poder.
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Jornalista, professor-doutor da Escola de Comunicações e Artes da USP e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da mesma universidade, presidiu a Radiobrás entre 2003 e 2007