Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A derrota dos vencedores

Observado do ponto de vista estritamente militar o conflito na Faixa de Gaza, o Estado de Israel está impondo uma derrota histórica ao grupo Hamas.


O noticiário da imprensa e as estatísticas publicadas pelos jornais não deixam dúvida quanto ao massacre que significa o número de mortos – que no lado palestino passa do milhar e entre os judeus não chega oficialmente a uma dezenas de soldados, alguns dos quais atingidos por suas próprias forças, o chamado ‘fogo amigo’. Mas há outras leituras possíveis dos fatos.


No campo da opinião pública, onde as guerras acontecem com palavras e imagens, as cenas de crianças mortas e hospitais bombardeados superam em muito o impacto daquilo que é aceito como a causa do conflito: as atividades terroristas do grupo Hamas. São raras as cenas em que aparecem militantes do grupo, embora sejam considerados os verdadeiros combatentes do lado palestino.


O que se vê na imprensa todos os dias são retratos da população civil, à qual pertencem, segundo os jornais de sexta-feira (16/1), 65% das vítimas fatais.


A imprensa já noticiou que os militantes armados se misturam à multidão, dificultando aos adversários a identificação dos alvos – o que explicaria, sob o ponto de vista estritamente militar, os constantes erros da artilharia israelense. Explicaria, mas não justificaria.


Uma novidade


Na chamada grande imprensa, que não pode ser acusada de simpática com os atos terroristas do Hamas, os fatos colocam o Estado de Israel em desvantagem pela própria evidência de que as ações militares não levam em conta a mais remota preocupação com a questão humanitária.


Já se acumulam na contabilidade dos erros pelo menos cinco escolas, dois hospitais e, na quinta-feira (15/1), o depósito da ONU onde eram estocados alimentos para grande parte dos 1,5 milhão de palestinos acuados entre as forças em combate. Nenhum dos grandes jornais tenta ao menos explicar o ataque às instalações da ONU e todos eles reproduzem as manifestações de condenação vindas de praticamente todas as partes do mundo.


Na mídia digital, que no atual conflito joga um papel fundamental na divulgação dos acontecimentos, o Estado de Israel perde a guerra na medida em que uma ampla e ativíssima rede de comunicação contata diretamente moradores de Gaza com a opinião pública de todo o planeta, expondo a tragédia humanitária que se agrava a cada dia.


Em algumas dessas redes, é grande o número de cidadãos judeus que se manifestam condenando a violência militar. Parte dessas informações acaba chegando aos jornais e emissoras de televisão, influenciando o viés do noticiário.


Comparada aos conflitos anteriores, a guerra deste ano no Oriente Médio traz essa novidade: o exército mais poderoso está perdendo a luta pela conquista dos corações e mentes.


Efeméride


A quinta-feira (15/1), registrado nas edições de sexta dos jornais, foi o 19 de Kislev do ano 5.769 no calendário judaico, ou 15 de janeiro de 2009 no calendário cristão. Marca a data da morte do rabino e filósofo Maimônides, ocorrida no ano 1204 da era cristã.


Maimônides é considerado um dos fundadores do judaísmo moderno e um dos grandes pensadores de todos os tempos. Ele viveu e construiu sua obra, livremente, na Espanha sob domínio muçulmano.


O Estado de Israel não representa necessariamente a sociedade sonhada por Maimônides, chamado pelos judeus de Rambam. As tribos tiranizadas por fanáticos religiosos que proliferam entre os povos árabes e palestinos não têm relação com a sociedade islâmica e multicultural que vicejou na Península Ibérica. Mas não custa lembrar.