A criação de um ombudsman para a TV atende a uma demanda historicamente produzida por várias organizações (como a ONG TVer, por exemplo). O que está sendo criado no Brasil, entretanto, não é um ombudsman para a TV, mas para a TV Cultura, de São Paulo. Nesse aspecto, não vai alterar em nada os rumos da televisão brasileira.
Osvaldo Martins, o novo ombudsman, admite que, já que não existem outros, falará também sobre as demais emissoras. Na prática, qualquer um pode fazer isso. Trata-se de exercer o direito de crítica, ainda que o próprio ombudsman da Cultura reconheça que não é crítico de TV. No que tange à emissora em que atua, no entanto, a condição de ombudsman lhe dá prerrogativas especiais. A mais importante não está na sua própria crítica à emissora, mas na sua interlocução com o telespectador.
O telespectador brasileiro não tem tradição de dialogar com as emissoras a que assiste, muito menos de ser crítico em relação a elas. As várias campanhas que vez por outra são lançadas com o objetivo de levar o espectador a pensar sobre a qualidade do que está vendo tendem a ficar no meio do caminho. A resposta do público à campanha ‘Quem financia a baixaria é contra a cidadania’, por exemplo, foi decepcionante. O espectador acredita firmemente que sua parte no diálogo consiste em escrever cartas de amor às atrizes das telenovelas.
A TV no Brasil, salvo as exceções de praxe, trata seu público como autêntico débil mental. Infringe a legislação até mesmo ao debochar dos débeis mentais. Na maior parte dos casos, ficar algum tempo diante do aparelho de TV é assinar um atestado de insanidade.
Não deveria ser assim. Se assim é, é porque a televisão brasileira goza de uma impunidade tácita em relação aos crimes que comete contra a sociedade. O mal não está no veículo, mas na forma como a sociedade brasileira permitiu até agora que ele fosse administrado. O Estado dá às emissoras uma concessão para explorar serviços de radiodifusão. Não lhes dá, no entanto, a licença para ter o monopólio da produção, muito menos para entorpecer e mediocrizar milhões de brasileiros sem lhes conceder o direito de defesa. A isso chama-se terrorismo.
Piores e menores
Não há como sustentar os privilégios que a televisão deva ter em relação a qualquer outra indústria. Ao autorizar o funcionamento de uma fábrica de queijos, o Estado não determina ao fabricante o tipo de queijo que ele deva produzir. Mas vigia a produção, da extração do leite à estocagem no supermercado, para que não se corra o risco de deixar o queijo envenenar o seu consumidor.
A televisão, em contraste, é livre para envenenar quem ela quiser. E qualquer tentativa de salvaguardar os direitos do consumidor é logo interpretada como uma trama maquiavélica para controlar o que se vai produzir.
Se existe alguma trama, porém, ela não está sendo patrocinada pelo Estado, mas pelas conveniências corporativas das emissoras, sobretudo as de segunda linha. A má qualidade da televisão brasileira não decorre apenas da guerra pela audiência. Não por acaso, as piores emissoras costumam ser as que desfrutam de menor audiência. Das seis principais redes de televisão comerciais do país, metade opera com audiência média inferior a 2%. É difícil entender como conseguem permanecer no mercado. Mas a dificuldade maior está em compreender por que são tão refratárias às mudanças.
Relação capenga
Medições quantitativas de audiência não avaliam o que os espectadores gostariam de ver. Simplesmente registram suas opções entre um cardápio limitadíssimo que lhes é oferecido em cada horário.
Ombudsmans podem ser úteis para estabelecer com esse público um diálogo saudável. A iniciativa no Brasil começa com uma TV pública que tem um histórico de responsabilidade sobre o que está exibindo. Não poderia ser de outra forma. A Globo e a TVE possivelmente farão o mesmo. É difícil, no entanto, imaginar ombudsmans nas emissoras comerciais que mais violentam os direitos básicos do cidadão.
Não tem sido muito diferente com os jornais. Os mais responsáveis são os que tendem a ouvir mais os seus leitores. O maior perigo é de se estabelecer uma relação capenga, por meio da qual as emissoras mais sérias ouçam mais os seus espectadores – e as que mais fortemente agridem o público mantenham-se surdas à sua voz.
Os ombudsmans da TV estarão, então, aperfeiçoando o que de menos imperfeito existe na televisão brasileira. E ampliando o abismo entre o meramente imperfeito e o simplesmente intolerável.