O ano de 1969 foi emblemático para a história da humanidade, que viu o homem chegar à lua e testemunhou outras transformações definitivas. A BBC começou a transmitir a programação da TV em cores, a Sony lançou o videocassete que promoveu a grande democratização do conteúdo da TV e cinema para o uso doméstico e criou nova ordem mundial no registro das memórias familiares. É como se cada lar se transformasse numa emissora de TV. O festival de Woodstock, a apologia da filosofia hippie, transfigurou o comportamento de jovens no mundo inteiro. Mágico.
A chegada do homem à lua trouxe a representação da passagem do mundo arcaico para a modernidade. Seiscentos milhões de pessoas no mundo assistiram ao feito. A lua não era mais o limite. O fato aconteceu no dia 20 de julho daquele ano, com o pouso da nave Apolo 11, e foi definitivo na história da TV Globo, que transmitiu, ao vivo, pois ‘o céu não é mais o limite’. O astronauta Neil Armstrong pronunciou a frase histórica: ‘É um pequeno passo para o homem, um salto gigantesco para a humanidade.’ Para a Globo foi decisivo, pois estar no céu é estar perto de Deus.
Sob o espectro do AI-5, criado no ano anterior, nasceu o Jornal Nacional, elemento fundamental para a escalada de sucessos da emissora. Dentro da estratégia de expansão da rede, o surgimento do satélite integrava a nação numa ‘corrente pra frente’. A tecnologia como sustentáculo do projeto de integração nacional, via Embratel, começou em 28 de fevereiro, em Itaboraí, com a Estação Terrena de Comunicação, via satélite, atendendo ao ‘projeto dos militares de mostrar que o Brasil era um país de primeiro mundo’.
Telespectador mais crítico e seletivo
Com a primeira transmissão em 1º de setembro de 1969, foi o primeiro programa em rede nacional da televisão brasileira. Junto ao slogan ‘É o Brasil ao vivo aí na sua casa’, surge o envolvente ‘Boa noite’ de Cid Moreira, ao final de cada edição. Era fundamental um programa diário, ‘que entrasse ao vivo em vários estados para estimular as outras emissoras a se afiliarem à Rede Globo. Com mais emissoras, podíamos oferecer aos nossos clientes a audiência de outras praças, cobrando mais caro por isso. E, obviamente, não havia nenhum programa de TV diário melhor para fazer essa integração nacional que um telejornal’ conforme Walter Clark, um de seus fundadores, no livro O campeão de audiência.
Os anos vindouros, na década de setenta, brindaram o momento de chegada da transmissão via satélite e do modelo norte-americano de administrar TV, da novidade da transmissão em cores e o Jornal Nacional, entre duas novelas, promoveu picos de audiência da emissora. Acusado de oficialista até 1970, quando a esquerda o nomeava porta-voz oficial da ditadura militar, sofreu ingerências da censura em suas veiculações. Apontado, inicialmente, como omisso na campanha das diretas em 1984, de editar um debate favorável a Collor de Mello, em 1989, e motivar o desmonte da Nova República, se redimiu quando, na primeira eleição de Lula, levou o presidente para a bancada sacrossanta. A representação do povo na redoma da telinha.
Atravessou quatro décadas, diariamente, trazendo o Brasil para dentro da casa do povo brasileiro e, segundo Eugênio Bucci, no livro Videologias (com Maria Rita Kehl) – uma das melhores obras sobre TV, no Brasil – ‘sem a Globo a identidade nacional brasileira não teria a face que tem. (…) Digamos que ela tenha ajudado a modernizar a sociedade por automatismo ideológico. Tendendo a moldá-la à sua semelhança’. O quarentão JN foi o principal porta-voz dessa estratégia, aliado à produção das telenovelas. É a principal ou única fonte de informação da maioria do povo brasileiro. Acostumado à sofisticação do noticiário, o telespectador fiel se tornou mais crítico e seletivo, o que pode garantir, ou não, a comemoração dos oitenta anos. Num restaurante da orla marítima carioca a placa colada na TV determina: ‘Favor não mexer na televisão na hora do Jornal Nacional. É assim há quarenta anos.’
******
Jornalista, professor universitário e Mestrando em Comunicação e Tecnologia