Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Agência Carta Maior

ECONOMIA
Gilson Caroni Filho

Por que a imprensa não reza para São Keynes?, 22/3

‘No momento em que dados e análises sobre a economia estadunidense reforçam a percepção que aquele país caminha para a recessão, a grande imprensa que, com unhas e dentes, defendeu o ideário monetarista como expressão única da razão econômica, não só finge que seus cânones passam ao largo da crise como torce para que ela contamine a estabilidade econômica brasileira. Não há sequer esboço de autocrítica, mas a determinação dos que sempre combateram à sombra qualquer caminho alternativo.

Quem analisou o conteúdo da mídia nos cinco últimos anos observou uma postura que se manteve constante. Os elogios de articulistas econômicos conservadores e os editoriais de apoio de setores expressivos da grande imprensa nunca deixavam dúvida quanto à natureza da estratégia. Junto com a defesa intransigente dos que apostavam em uma continuação da política econômica neoliberal tucana assistimos, simultaneamente, em páginas nobres e minutos preciosos de telejornais, a ataques sistemáticos aos setores que se empenhavam em preservar as bandeiras que levaram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a duas vitórias eleitorais consecutivas.

No entanto, não devemos cobrar coerência de jornais, revistas e emissoras de televisão . Afinal, julgavam que se opunham a um governo ‘que estava em disputa’. Permanecem, justiça seja feita, onde sempre estiveram. Com os mesmos aliados e interesses. Podem mudar o foco, jamais o discurso, como deixa claro Miriam Leitão em sua coluna no jornal O Globo.

A pretexto de historiar as crises recentes da economia mundial, a jornalista, na edição de 21 de março de 2008, conclui seu texto de forma curiosa, com estilo que recende uma torcida incontida:

‘A economia brasileira pode ser afetada pela recessão americana, pelos movimentos bruscos de capitais, pela queda dos preços das commodities. O ambiente econômico estará mais hostil daqui em diante. Isso demora a ficar mais visível; enquanto isso, as autoridades dirão que a crise não é nossa’.

O interessante do trecho acima está no que ‘demora a ficar visível’ para um certo tipo de jornalismo. O padrão de financiamento adotado para alimentar os déficits dos EUA, a economia desregulamentada, a crença cega em mecanismos financeiros de auto-regulação e o padrão monetário amparado no dólar como moeda universal sempre foram tratados como axiomas. Não será agora que serão apresentados como castelos de areia de um discurso falido. Afinal estamos diante de um sistema de crenças que condiciona estilos e limita atitudes.

Em ensaio publicado na revista Margem Esquerda, em 2004, o economista e professor da PUC-SP, Carlos Eduardo Machado destacava que mais do que um conjunto específico de políticas econômicas, o neoliberalismo se apresenta como um paradigma flexível. Comporta realidades cambiais distintas, setores públicos de variados tamanhos, além de dosagens diferenciadas, conforme a realidade do país, de fiscalismo e política monetária. O que o define de fato, segundo o autor são as seguintes determinações:

‘1. Prioridade absoluta para os direitos do capital; 2. ocultamento das relações capital-trabalho e responsabilização do indivíduo frente ao capital; 3. a despolitização da política econômica, tratada como técnica universal;

4. abertura de novos espaços para valorização do capital e, finalmente, culpabilidade dos países dependentes pela desordem financeira’.

Ora, qual desses itens não foi contemplado nas editorias de economia e nos discursos e atos do que se convencionou chamar de núcleo duro de economistas afinados com a sintonia das sonatas de mercados? Tristes tempos em que Gustavo Franco virou oráculo de uma esfinge que nunca pediu para ser decifrada.

Mas,voltando ao ensaio de Machado, não resta dúvida quanto à importância do terceiro ponto por ele destacado. Sem ele, dificilmente, a articulação entre os demais se realizaria. A despolitização da economia é o toque nevrálgico da hegemonia neoliberal. Concebidos como conjunto de práticas e idéias que se reforçam reciprocamente, os processos hegemônicos só se efetivam se forem capazes de universalizar interesses específicos.

Só há chance de êxito se conseguirem, para si, o estatuto de uma física social em que as verdades’ estão a salvo de qualquer reparo crítico. E é por aí que desfilam premissas, promessas e metáforas. Tanto na crença de prestigiados economistas quanto no discurso jornalístico, a grande ausente é a análise macroeconômica.

O pensamento único ganhou oxigênio de quem, por dever de ofício e integridade ética, deveria noticiar seu esgotamento .Assim, autonomizada das relações concretas, a economia entrou em órbita própria com indicadores que, tal como cabalas, exigem ritos iniciáticos. A análise apurada cede lugar à evidência do ‘risco-Brasil’. As oscilações dos C-bonds e os humores da Bovespa seguem atônitos os vaticínios da Merril Lynch. E se o mercado aparenta calma ou nervosismo, os derivativos não demonstram qualquer desconfiança quanto aos ‘fundamentos’.

O homem, esse indicador desnecessário, é visto como variável secundária, pouco interveniente, estatisticamente irrelevante. Afastados do debate econômico, Marx e Keynes não são dignos de figurar em cenário tão féerico.

Outro texto antigo que não pode ser negligenciado é o artigo publicado por Renato Ortiz, em outubro de 2003, no suplemento Mais!, da Folha de S.Paulo. Nele, o professor da Unicamp afirma que ‘dos mitos atuais, perenes, inquestionáveis, cotidianamente celebrados em escala global, um deles se denomina mercado. A ele nos referimos como entidade real, com vida própria, capaz inclusive de reações semi-humanas’. Descrevendo as funções de economistas no desvendamento da estrutura mítica que o mercado assume, Ortiz explica que as interpretações só serão críveis se expressas esotericamente. Ou seja, a credibilidade será filha da ininteligibilidade. Se alguém duvida, os trechos abaixo, extraídos de uma edição de 29 de abril de 2004 de O Globo, são um exemplo, sob medida, de como a semântica neoliberal se travestiu de noticiário.

‘A mistura explosiva de temor de uma alta nos juros americanos com novos ataques no Oriente Médio foi o combustível para o dia de maior nervosismo no mercado financeiro nas últimas duas semanas. A crescente aversão a risco dos investidores globais fez disparar as ordens de venda de títulos e ações de países emergentes. Segundo analistas, há investidores optando por manter o dinheiro em caixa até que o cenário fique mais claro. As bolsas, no Brasil e no mundo, também tiveram um dia de turbulências ontem’.

‘Os bônus brasileiros, os mais negociados no mercado de dívida emergente, com 50% das operações, estavam entre os que mais sofreram: o C-Bond caiu 2,26%, negociado a 90,7% do valor de face. É o menor patamar desde 4 de setembro (90,85%). A derrocada dos papéis levou o risco-Brasil a subir 5,56%, para 665 pontos centesimais — o maior nível desde 3 de outubro de 2003 (667).’

A dificuldade de compreensão para o leitor comum não decorre de deficiência estilística. Trata-se de história expurgada de ação humana. Correlações frouxas para mostrar uma relação de causalidade que prescinde da intervenção política. Descolado da práxis humana, o capitalismo financeiro se reproduz com uma lógica férrea. A ‘mão invisível do mercado’ desmaterializa qualquer contradição interna de sua própria dinâmica. Nesta, tudo é perfeição. A impureza vem de uma realidade que precisa ser positivada em índices. Eis o papel ideológico da cabala financeira das redações.

Ao afirmar que ‘que a economia dos EUA está essencialmente andando de lado, ou talvez esteja se contraindo abertamente’, Jorgen Elmeskov, diretor em exercício de economia da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), acena para algo que transcende o fim de um ciclo de acumulação. No santuário dos fundamentalistas de mercado, a imagem de Friedman, esmaecida em seus pressupostos, parece não atender às orações. Não seria a hora de, em ato de contrição, acender uma vela para Keynes? Pode soar como heresia, mas o ‘apocalipse’ se tornará mais inteligível. E, afinal, ensina o liberalismo: cada um deve cuidar da salvação da própria alma. Só assim a salvação dos mais ‘aptos’ estará assegurada.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, e colaborador do Jornal do Brasil e Observatório da Imprensa.’

 

COMUNICAÇÃO ONLINE
Portal CUT

A construção de alternativas de comunicação na internet, 20/3

‘‘Transformar os veículos de comunicação existentes na internet em meios de forte capacidade para influenciar a opinião pública deve ser um processo rápido. ‘Em breve, os grandes grupos empresariais tomarão tudo. Mas ainda há um espectro na internet à disposição para consolidar grandes portais alternativos’, afirmou o jornalista de TV e blogueiro Paulo Henrique Amorim, durante o debate ‘O papel dos meios de comunicação alternativos na formação e transformação social’, realizado na noite da última segunda-feira na sede nacional da CUT. O debate acompanhou o lançamento da primeira edição do Jornal da CUT.

Ao falar em espectro, Paulo Henrique não se referia à existência de espaço físico na rede mundial de computadores, mas à possibilidade de popularizar páginas virtuais antes que a máquina da indústria do entretenimento e do jornalismo político-partidário sufoque as tentativas. A análise parecia antever que o IG o demitiria no final da tarde desta terça, retirando o blog Conversa Afiada do ar. O Conversa Afiada tinha audiência de 30 mil leitores por dia e mais de 160 mil page views. Nele, o jornalista atacava com veemência a grande mídia e defendia a democratização da comunicação. Veja comentário do presidente da CUT Artur Henrique à demissão do jornalista ao final deste texto.

Porém, o golpe não teve sucesso. O blog Conversa Afiada voltou ao ar na manhã de quarta-feira (19). ‘O iG rescindiu meu contrato que ia até 31 de dezembro de 2008. O Conversa Afiada continua o mesmo – e mais livre, aqui, neste novo espaço: http://www.paulohenriqueamorim.com.br/ Seja bem-vindo’, diz Paulo Henrique

O debate – No debate da noite de segunda, o jornalista destacou que, por seu baixo custo e amplo alcance, a internet deve ser prioridade para todo o movimento social que quiser construir meios de comunicação alternativos. ‘Precisamos meditar sobre o uso dos parcos recursos existentes para a construção de uma mídia alternativa’, afirmou Paulo Henrique durante o debate.

Artur Henrique, presidente da CUT, dividiu o debate com o jornalista. Em sua fala inicial, Artur lembrou o boicote sistemático dos grandes veículos de comunicação a mobilizações da CUT e dos movimentos sociais. ‘No ano passado, fizemos manifestações nacionais, na rua, contra a Emenda 3. Em 15 de agosto, reunimos mais de 20 mil militantes no Dia Nacional de Mobilização da CUT. Pouco depois, aproximadamente 50 mil mulheres fizeram a Marcha das Margaridas. No final do ano, houve ainda a 4a Marcha Nacional da Classe Trabalhadora. O espaço que a imprensa deu foi muito pequeno. Mas se tivéssemos reunido 30, 50 pessoas na praça para reclamar do Lula, certamente ganharíamos a capa’, disse.

‘Essa discriminação nos dá a medida da importância de buscarmos novos meios de comunicação alternativos que possam fazer frente à disputa de hegemonia, principalmente, com esses grandes veículos de comunicação. Este jornal que estamos lançando é parte dessa busca’, completou Artur.

Rosane Bertotti, secretária nacional de Comunicação da CUT, mediou o debate. ‘Este encontro coroa a primeira edição de nosso novo jornal, lançado no ano em que a CUT completa 25 anos e a imprensa sindical comemora seu centenário. A CUT, após anos sem ter um jornal impresso próprio, lança agora esta publicação, que chega como parte de uma nova estratégia de comunicação cutista, tendo em sua essência o conceito de formação de redes. O jornal é um dos elementos dessa estratégia – cujo fator primordial é a integração dos meios – o Portal do Mundo do Trabalho, e a radioweb (rádio transmitida via internet), que em breve lançaremos.

O apresentador da TV Record e coordenador do blog Conversa Afiada destacou a importância de veículos impressos – classificou o Jornal da CUT e a iminente chegada da Revista do Brasil às bancas como ‘notícias alvissareiras’, mas apontou o noticiário virtual e iniciativas como o Portal do Mundo do Trabalho como um salto tecnológico que deve integrar as mídias e que pode, desde já, promover a democratização dos meios de comunicação.

P.I.G. – Parte da fala de Paulo Henrique Amorim foi reservada a ataques contra a concentração da mídia em poucos grupos empresariais e a constante perseguição a quaisquer projetos que apontem para maior inclusão social. ‘O golpismo é uma tradição da imprensa brasileira. Getúlio Vargas deu um tiro no peito após a avalanche golpista do Assis Chateaubriand, do Roberto Marinho e do Carlos Lacerda. Uma vez entrevistei o Juscelino Kubitscheck, para a Veja, quando era dirigida pelo Mino Carta, e ele me disse que uma das principais razões para a mudança da sede do governo para Brasília foi o fato de ele não suportar mais chegar à ala residencial do Palácio do Catete e ouvir o Carlos Lacerda na rádio Globo, todos os dias, pedindo o impeachment’, contou o jornalista.Listou ainda a queda de João Goulart e o ‘processo de destruição sistemática da imagem do Rio de Janeiro pelas Organizações Globo para atingir Leonel Brizola. Forjaram um estereótipo do Rio que não é verdadeiro e que até hoje prejudica sua população’. Por essas e outras razões, Paulo Henrique passou a utilizar a expressão PIG (Partido da Imprensa Golpista), formulada pelo deputado Fernando Ferro (PT-PE).

Após a fala do jornalista, foi aberta a participação aos presentes. Muitas críticas foram dirigidas à política de comunicação do governo federal – especialmente ao destino majoritário das verbas publicitárias para veículos que o atacam sistematicamente. Na coordenação da mesa, Rosane Bertotti destacou, em comentário sobre as perguntas, que os movimentos sociais têm lutado para construir uma Conferência Nacional de Comunicação, instrumento que poderia formular propostas políticas públicas de comunicação.

O jornalista comentou que não acredita que este ou os governos que o sucederão enfrentem os grandes meios de comunicação. Sobre a divisão do bolo publicitário, Paulo Henrique arrematou: ‘Esqueçam o governo. Metam o pé na porta e construam uma política de comunicação alternativa com o que têm’.

O debate reuniu aproximadamente 200 pessoas – dirigentes, militantes, parlamentares, estudantes de comunicação, assessores e jornalistas sindicais.

Veja a seguir o comentário de Artur Henrique sobre a demissão de Paulo Henrique Amorim:

‘A notícia de que o portal IG rescindiu o contrato do jornalista Paulo Henrique Amorim e tirou do ar o blog Conversa Afiada é péssima. Deixa-nos indignados, mas não nos surpreende. Faz parte de um processo de emburrecimento dos meios de comunicação, obcecados por criticar a qualquer preço iniciativas de desenvolvimento nacionalista e propostas de inclusão social. No afã de manipular e boicotar, a grande mídia não consegue conviver com opiniões que vão além do pretenso pensamento único.

Com dose incomum de independência, Paulo Henrique Amorim tem denunciado o chamado PIG (Partido da Imprensa Golpista) e rastreado suas incoerências.

Quem perde com a demissão é o IG. Temos certeza de que em breve o blog Conversa Afiada estará hospedado em novo endereço. E com mais leitores.’’

 

 

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