Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Dez argumentos pelo fim da obrigatoriedade

Desde pequeno, eu sempre quis ser jornalista. Sempre tive a habilidade de redigir textos. Para isso, fiz cursinho durante dois anos para tentar a carreira na Universidade Federal do Espírito Santo, não obtendo êxito. Hoje curso História (2º semestre) nesta mesma universidade. Cheguei a cogitar pedir reopção, mas fui informado que teria que esperar até o 3º semestre para pedi-la e que uma vaga de reopção é mais concorrida que o próprio vestibular.

Alguns dias atrás, li uma série de artigos de Alberto Dines, Maurício Tuffani, Ewaldo Oliveira, Luiz Weis e Engel Paschoal a respeito do fim da obrigatoriedade do diploma para a prática do jornalismo em todo o país. Todos contrários à obrigatoriedade.

É importante ressaltar que este ano a lei que disciplina a profissão faz 40 anos e a regulamentação desta completa 30 anos.

Mas, foi um artigo do antropólogo George Zarur que me fez questionar a obrigatoriedade do diploma para profissões que não trabalham diretamente com a vida e a segurança das pessoas. Com base nestas leituras apresento tais argumentos:

1) Resquício do regime militar

O decreto-lei 972/69, que regulamenta a profissão de jornalista, é uma herança do regime militar que, com base em atos institucionais, visava a identificar veículos e profissionais existentes no país e exercer sobre eles a censura; por isso, nos veículos havia censores para aprovar o que poderia ou não ser divulgado. Outro objetivo era afastar e constranger aqueles jornalistas que não tinham diploma e que em sua imensa maioria eram opositores do regime militar. Para isso, os generais trataram de esvaziar os cursos de ciências sociais, antros de marxismo e costumeiros fornecedores de esquerdistas para as fileiras da imprensa.

Ele foi editado no dia 17 de outubro de 1969 pela junta militar que governou o país: Aurélio de Lyra Tavares, ministro do Exército (presidente da junta), Augusto Rademaker, ministro da Marinha e Márcio de Mello e Souza, ministro da Aeronáutica.

Além disso, foi um afago dos militares aos profissionais da comunicação, que passaram a contar com melhorias trabalhistas, como aposentadorias precoces e vantajosas, jornada de trabalho de cinco horas diárias e a reserva de mercado. Em compensação, minou a liberdade de expressão no Brasil.

2) Reserva de mercado, indústria do canudo

A indústria do canudo é a grande beneficiada com a reserva de mercado para diplomados em jornalismo. E fez surgir um mercado de trabalho artificial dos professores de Jornalismo. Com exceção das universidades públicas e aquelas ligadas a entidades confessionais, as universidades privadas põem no mercado um verdadeiro exército de jornalistas que não têm a mínima condição de entrar nesse mercado, que não sabem botar ponto e vírgula numa oração, tampouco redigir meia lauda.

Os chefes de redação e donos de jornais estão desencantados com esse exército muito ruim de jornalistas diplomados que tem saídos nesses últimos 40 anos.

É o reflexo da tradição bacharelesca que impera no país desde os idos coloniais, onde há a substituição do conteúdo pela forma (o conhecimento pelo diploma). O diploma tornou-se uma espécie de autorização, uma ‘carteira de motorista’ para se trafegar no mercado de trabalho, principalmente no jornalístico. Instituições de ensino superior são cartórios que vendem à prestação a licença para trabalhar.

Quem não leva jeito com a língua portuguesa, corre o sério risco de sair do curso de Jornalismo carregando as dificuldades do ensino médio. Não é por causa de um diploma superior de Jornalismo que a qualidade da profissão se elevará, como apregoam os fenajistas, mas em melhorias na qualidade do ensino fundamental e médio e estímulos culturais produzidos pela família, pelo meio ambiente e pela escola secundária. Sem isso, o diploma é apenas um canudo. Na verdade, não existe diploma de jornalista, mas sim, diploma de bacharel em comunicação social com habilitação em jornalismo.

Com o fim da obrigatoriedade do diploma, as faculdades de comunicação teriam que mudar seus currículos para sobreviverem e aqueles que escolherem graduar-se em jornalismo deveriam ter ciência de que apenas o diploma não conferiria o privilégio do registro para disputar vagas. E os jornalistas diplomados, o canudo será o que deveria ter sido: um diferencial para disputa com mais possibilidades uma vaga no mercado aberto.

3) Função intelectual que se escora no dom do espírito

Ao contrário de médicos, advogados e engenheiros, cujas atividades trabalham com a vida e a segurança das pessoas (conseguintemente, precisam de cursos técnicos e diplomas que atestem sua capacidade profissional), o jornalista escora-se no dom do espírito, independente da natureza de sua profissional. O jornalista tem que ter uma formação cultural sólida, que não se adquire somente na faculdade, mas pelo hábito de leitura e exercício da prática profissional.

4) Liberdade de manifestação do pensamento

O decreto-lei 972/69 colide com os princípios constitucionais de liberdade de expressão, conforme expõem os artigos 5º, incisos IV (é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato) e IX (é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença) e 220, parágrafos 1º (determina que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de expressão) e 6º (que a publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade).

A lei 9610/98 (lei do direito autoral) qualifica o trabalho jornalístico (matérias, artigos e crônicas) de qualquer natureza, como obra intelectual protegida. Até quando se pretende impedir a transmissão de uma criação pelo fato de seu criador não possuir diploma?

5) Tratados internacionais

O Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), da Declaração Americana de Direitos Humanos, conhecida também como Pacto de São José da Costa Rica (1992) e da Declaração Internacional de Chapultepec (1996). Todas elas pregam a liberdade de expressão e a abolição de controles oficiais ou particulares do papel de mídia.

Vale mencionar que, em 1985, a Corte Interamericana de Direitos Humanos esclareceu ao governo da Costa Rica que a obrigatoriedade do diploma para a prática do jornalismo fere a Convenção Americana de Direitos Humanos.

É inadmissível que a Fenaj, os sindicatos afiliados e os professores de Jornalismo façam silêncio desse assunto e continuem escondendo essas informações dos estudantes, que estão sendo utilizados como massa de manobra por estes últimos.

6) Mercado seleciona, independente de diploma

O saudoso jornalista Cláudio Abramo (1923-1987) dizia que a liberdade de imprensa é a liberdade do dono do jornal. Porque acredito que o mercado deveria selecionar os jornalistas para o trabalho nos meios de comunicação, com ou sem diploma. Jornalistas deveriam ser contratados e assim considerados pelo trabalho que desenvolvem, e não pelos títulos que ostentam.

7) Na maioria dos países, não é obrigatório

A formação superior em Jornalismo para a prática da profissão não é necessária, tampouco condição suficiente para o exercício da profissão, nos seguintes países: Alemanha, Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica, Chile, China, Costa Rica, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos,Finlândia, França, Grécia,Holanda, Hungria, Irlanda, Itália, Japão, Luxemburgo, Peru, Polônia, Reino Unido, Suécia, Suíça e muitos outros. A mentalidade que vigora nestes países é a de que não pode haver impedimentos para qualquer cidadão ingressar no jornalismo, mas até criar e manter o seu próprio jornal.

7) Obrigatoriedade é repudiada por organizações internacionais

Em 1987, a World Press Free Comitee lançou a Charter for a Free Press. Naquele ano, entidades jornalísticas de 34 países reunidos em Londres estabeleceram 10 princípios para garantir a liberdade de imprensa no mundo. O nono diz explicitamente: ‘As restrições por meio de regulamentação ou de outros procedimentos de certificação ao livre acesso ao campo do jornalismo ou sobre sua prática devem ser eliminados.’

O Comitee to Protect Journalists(CPJ) aponta a truculenta exigência de diploma para o exercício profissional de jornalista como uma das formas de agressão à liberdade de imprensa no relatório Overview: The Americas.

9) Ingresso de não diplomados elevaria a qualidade

Com o ingresso de não diplomados em jornalismo nas redações, a qualidade editorial dos veículos de comunicação se elevaria se contasse com profissionais especializados, por exemplo:

a) Geógrafos e analistas de relações internacionais: poderiam ser correspondentes internacionais, pois têm uma visão de mundo bastante ampliada pelo pleno domínio da geopolítica e podem dar uma análise mais profunda da conjuntura internacional.

b) Filósofos, cientistas políticos e historiadores: seriam muito bons para fazer boas matérias na editoria de política, por terem uma bagagem intelectual vastíssima em sistemas de governo, história do Estado, ética política. Os filósofos poderiam, através da lógica, estabelecer a análise do discurso dos políticos. Os historiadores poderiam estabelecer a relação de espaço e tempo para as análises de sistemas políticos.

c) Delegados de polícia e advogados criminalistas: na editoria de polícia, poderiam fazer editoriais na área de segurança pública e orientar os repórteres desta editoria na redação matérias.

d) Físicos, médicos, químicos e astrônomos: na editoria de ciência e tecnologia fariam matérias com mais rigor científico, porém acessíveis ao leitor médio.

e) Biólogos, meteorologistas e oceanógrafos: dentro da editoria de meio ambiente fariam reportagens mais primorosas sobre desequilíbrio ambiental, vida marinha e aquecimento global.

f) Economistas: dentro da editoria de economia fariam matérias mais analíticas, porém com linguagem acessível.

Esses profissionais deveriam ser recrutados e lapidados por meio dos cursos de residência em jornalismo dos veículos, como o da Folha de S.Paulo e da Editora Abril (muito disputados, diga-se de passagem), onde aprenderiam técnicas de jornalismo. Há quem condene por considerar estes cursos que apenas doutrinam o jornalista aos interesses dos veículos. Por outro, os sindicatos de jornalistas também deveriam promover estes cursos de técnicas de jornalismo (gratuitos ou com preço simbólico) aos postulantes à profissão não diplomados, onde quem tivesse bom aproveitamento faria jus a um certificado, o registro de jornalista e a carteira nacional de jornalista.

O medo é o sentimento que impera nos jornalistas diplomados e na cúpula fenajista de ter que disputar mercado com profissionais mais especializados, quiçá mais competentes do que os coleguinhas de canudo. Alegam que somente o jornalista diplomado tem competência para a prática do jornalismo. Pensam que estão acima da lei.

10) Fenaj poderia ampliar base sindical

Negando a emissão das carteiras nacionais de jornalista e a sindicalização aos jornalistas não diplomados, a Fenaj perde uma grande oportunidade em ampliar sua base sindical, o que causaria o aumento das contribuições sindicais e, por conseguinte, teriam mais recursos financeiros para fortalecer a luta da classe por melhores condições de trabalho.

Até quando a Fenaj prosseguirá com esse discurso tacanho, hipócrita e corporativista, por que não bacharelesco, da obrigatoriedade de diploma de jornalista para a prática do jornalismo, quando se sabe que a maioria das faculdades forma uma legião que não sabe o que é lead e acusando todos que são contrários ao diploma de fazer o jogo dos patrões?

Até quando os fenajistas e professores continuarão utilizando estudantes de jornalismo como massa de manobra para fortalecer esta vil reserva de mercado, que só beneficia os próprios jornalistas e as faculdades caça-níqueis?

Até quando playboyzinhos e patricinhas diplomados, que buscam exercer a profissão por pura vaidade, sem o menor dom para o ofício ocuparem as redações dos jornais, revistas e emissoras de rádio e TV?

Que os ministros do Supremo Tribunal Federal, principalmente o ministro Gilmar Mendes, olhem com apreço o Recurso Extraordinário 511961 – que vai definir a situação de milhares de jornalistas provisionados e aqueles que têm o dom para a palavra, mas não têm diploma – e lancem por terra os efeitos do decreto-lei 972/69.

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Aluno de História da Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES