O coordenador-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Celso Schröder, assumirá dia 31 de janeiro próximo a chefia da Superintendência de Comunicação da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul.
Nesta edição do e-Fórum, o jornalista aborda as tarefas que terá na nova função, relacionando-as com as lutas do FNDC. Presidente da Federação de Jornalistas da América Latina e do Caribe (Fepalc), cargo assumido em outubro passado, Schröder analisa também as condições de trabalho dos jornalistas latino-americanos e as lutas pela democratização da comunicação.
Schröder é também vice-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e docente do curso de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica do RS há mais de 20 anos. Foi presidente do Sindicato dos Jornalistas do RS duas vezes e secretário da comunicação do Partido dos Trabalhadores no RS.
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Qual é a relação do seu novo cargo com a luta pela democratização?
Celso Schröder – Embora esse cargo tenha uma conotação prioritariamente profissional, ele tem uma relação lógica com o restante das minhas atividades. Tenho tentado fazer com que minhas atividades constituam uma sinergia, fazer com elas, de alguma maneira, se complementem. Na Assembleia há desafios interessantes, como consolidar um conceito desenvolvido no FNDC, e nos espaços de luta pela democratização da comunicação, que é o controle público da comunicação. Ou seja, da incidência da sociedade, através de mecanismos de controle, sobre a comunicação.
Assumir a presidência da Assembléia é uma experiência nova e desafiadora para o Partido dos Trabalhadores. E para mim como partidário e como militante por uma comunicação mais democrática também. Dentro da Assembleia terei a chance como gestor de experimentar coisas teorizadas, tencionadas, pleiteadas há anos. O principal desafio é a constituição da TV Assembleia como uma televisão pública com sinal aberto e digital.
Quais são as prioridades do seu plano de trabalho na Assembléia?
C.S. – A prioridade é cumprir constitucionalmente as tarefas da Assembleia Legislativa, dos funcionários e principalmente da área de comunicação, que deve visibilidade a todo o evento político que lá acontece. A Assembleia é, por natureza, um espaço político que tem como atores os parlamentares, representando diretamente a população, e a própria comunidade atuando indiretamente ou transversalmente, numa espécie de controle público.
No meu tempo de movimento estudantil, um tempo difícil por causa da repressão, nós sempre tínhamos na Assembleia um refúgio seguro, um abrigo público com alguma autoridade que impedia, ou pelo menos dificultava, a ações dos órgãos repressivos sobre o movimento estudantil. Desde aquele período a dimensão pública da Casa continua inatacável, mas precisa ser reafirmada permanentemente. Do ponto de vista da comunicação, minha função é tornar isso possível.
Pontualmente, trata-se de pôr em prática o novo organograma aprovado recentemente, que tem como instrumentos a agência de notícias já consolidada, a rádio, a qual queremos atribuir uma dimensão estadual, e a TV. Também temos um suporte cultural importante dentro da Assembleia, que resgata a tradição do RS de pensar, refletir, produzir política e garantir a sua história. Isto está dentro dos espaços da comunicação da Casa, e precisa ser, de tempos e tempos, apresentado ao público de forma educativa. Nosso desafio é revitalizar os equipamentos existentes lá e implementar novos. Obviamente dentro das possibilidades de orçamento para, assim, cumprir o papel de tornar público o que deve ser público.
Qual é a pauta contemporânea na luta pela democratização da comunicação? O que mudou nos últimos anos?
C.S. – O que mudou, na verdade, já estava sinalizado há mais de 10 anos quando Daniel [Herz] desenha, junto com vários outros companheiros, as linhas da luta pela democratização. Hoje nós estamos quase conseguindo realizar o grande sonho daquele tempo, que era, mais do que ter instrumentos democráticos, fazer o grande debate sobre a comunicação, de tal maneira que garantisse a marca da democracia. Estamos num período importante, com a possibilidade real de realizarmos esse debate e termos políticas públicas pautadas a partir dele. Acredito que essa seja a diferença positiva.
Há uma grande diferença também em relação à velocidade das mudanças. Isso impõe aos militantes pela democratização da comunicação tarefas mais complicadas, como atualizar conceitos mais rapidamente, atualizar lutas táticas e estratégias de luta, que são o tempo todo transformadas pela aceleração da tecnologia, pela velocidade das relações, impostas pelo mundo contemporâneo.
Quais foram os ganhos e perdas?
C.S. – Na relação de perdas e ganhos, nós temos mantido uma certa relação dialética. Estamos acostumados, dadas as relações desfavoráveis com as organizações sociais populares – no mundo de um modo geral, mas no Brasil e na América Latina especialmente – a estarmos submetidos a constantes derrotas. Eu sou um militante que cresceu pressionado por uma grande derrota inicial, que foi ditadura militar. Aos poucos isso foi se abrandando, mas as derrotas eram maiores do que nossas vitórias. Contudo, isso nunca impediu com que nós continuássemos buscando vitórias.
Eu creio que a margem de vitórias cresceu, embora tenhamos tido derrotas importantes como a incompreensão do papel da digitalização pelo Estado brasileiro. Foi uma derrota nossa, do movimento social, da sociedade brasileira, que não conseguiu imprimir seu ponto de vista, e isso vai ter um custo histórico alto.
Tivemos vitórias parciais, como por exemplo, a TV pública. È uma conquista porque conseguimos fazer esse debate. A própria TV digital, mesmo estando aquém do que desejávamos, do ponto de vista da história, representa uma vitória pontual, pelo debate ocorrido com empresários de diversos setores, o Estado e os movimentos sociais. Isso não é comum na comunicação.
Então, dialeticamente, temos tido vitórias e derrotas, aonde o tamanho e a qualidade das vitórias vêm aumentando. Visivelmente, como percebes, sou um otimista. A grande vitória nossa, é conseguirmos agendar a questão da democratização da comunicação no país. Hoje, não há espaço político, ou institucional brasileiro, que de alguma maneira não incorpore essa discussão, seja qual for a sua vertente.
Quais os pontos mais urgentes para as políticas públicas de comunicação?
C.S. – É debater o marco regulatório, sem que a gente o transforme em uma grande miríade, um movimento mitológico. Nós entendemos que o processo regulatório é urgente e necessário. Sem ele nós não conseguimos fazer as mudanças civilizatórias indispensáveis. Por outro lado, ele tem que ser decorrente de um processo político. Deve resultar de um processo de negociação, construção, de consenso no país. Ele precisa dar conta disso. Não é uma salvação, não podemos atribuir a ele uma política fundamentalista, onde ou acontece o que desejamos ou nada vai se fazer.
Se acontecer, por exemplo, a Conferência Nacional de Comunicação, nosso maior desejo hoje, não tenho dúvida alguma que ela será insuficiente. E é bom que seja assim, insuficiente para as expectativas nossas em várias áreas da comunicação. Porque ela vai ser parte de um processo e nós já devemos estar imediatamente preparados para o resto.
Na há dúvida que é cansativo. Não é papel para uma ou duas gerações, mas sim para várias, modificar uma atribuição que era privatista, mercantilista e começar a mexer nisso, atribuindo um sentido público. Isso leva muitas décadas e nunca estará pronto, trata-se de uma produção de democracia contínua, aperfeiçoada todo o tempo.
Qual a expectativa com a possível realização da Conferência em 2009, já que o orçamento anual da União destinou recursos para ela?
C.S. – É uma sinalização, uma pressão importante, embora isso não garanta. É uma expectativa nossa, dos movimentos. Há sinalizações do governo federal, para que se concretize e aponte para a realização dessa tarefa, que não é pequena. É compreensível o temor e o cuidado que o governo atribui a ela.
A Conferência precisa ser bem pensada, não pode se transformar num local de factóides, mas um local efetivo de debates, civilizado, humano, respeitoso, produtivo, e para isso, tem que se ter todo cuidado. Por outro lado, não tem como não fazer. Ela é trabalhosa, é custosa, do ponto de vista de energia, de dinheiro, de esforço do Estado, de forças dos movimentos, mas é necessária. Não tenho dúvida de que sairemos num patamar superior de organização social, de marco regulatório, de debates, de conceitos após a conferência.
Qual é a relação da luta da democratização no Brasil com o que ocorre na América Latina?
C.S. – Eu acho que nós temos no Brasil um ritmo diferente. Nós começamos a fazer essa luta com um viés muito próprio, contemporâneo, um pouco antes dos outros países da América Latina.
Essas ideias de controle público e não estatal sobre os meios, da democracia como um patrimônio de todos e não de uma parte da sociedade – seja de esquerda ou direita – de capacitação da sociedade, de apostar nas organizações sociais e essas organizações imprimirem no seu estado algum tipo de controle – isso é muito novo, é muito contemporâneo. E começa no Brasil, com a luta pela democratização de uma maneira geral. Isso marcou uma diferença em relação a alguns países.
Nós temos uma visão bastante positiva, acertada e principalmente contemporânea, sintonizada com o modelo da política que as forças sociais progressistas imprimem no mundo. Na América Latina, há alguns países com uma visão mais clássica de esquerda. Ou seja, que a democratização dos meios se dá exclusivamente a partir da produção de versões. Isso é importante, é condição necessária, mas não única.
Essa é uma diferença importante para compreendermos: a democratização não se dá a partir da possibilidade da minha fala acontecer, das nossas versões acontecerem. Embora importante, isso não é condição única para a democracia. A condição da democracia é que todos, nós e os outros, consigamos ter espaços para as nossas falas. A luta institucional é que toda a sociedade tenha a possibilidade de fala e de participação. Isso é uma visão de esquerda com algum diferencial, mais próxima de uma visão gramsciana, habermesiana.
Qual é a situação dos outros países?
C.S. – A América Latina toda está enfrentando esse processo. Países como Venezuela, Bolívia, Equador, tinham situações muito piores do que a nossa, do ponto de vista da estrutura dos meios de comunicação. Estruturas que convivia com estados corruptos ou com rachaduras sociais, com polarizações sociais muito fortes, aonde os meios de comunicação acabam se radicalizando nas suas versões. Isso acaba imprimindo à luta pela democratização da comunicação um patamar diferenciado no Brasil.
Na Venezuela, de um lado há veículos exigindo a liberação do estado, e do outro um estado sitiado, ameaçado por veículos representantes de forças poderosas econômicas, inclusive internacionais. Não há como ignorar isso para fazer uma análise isenta.
Nós temos críticas, por exemplo, da falta de liberdade de expressão em Cuba. A Fenaj sempre se manifesta sobre isso. Mas por outro lado, não há como ignorar as condições concretas dos jornalistas cubanos, da sociedade cubana submetida há 40 de um criminoso boicote. Seria ingenuidade ou então má fé, fazer análises simplistas que ignorem as condições históricas de cada país.
A luta pela democratização da comunicação no Paraguai, por exemplo, tem uma história peculiar. Uma sociedade também com oligarquias quase irremovíveis, e que agora começa a fazer um esforço, com a perspectiva de mudar um pouco.
Então, temos patamares diferenciados. Embora com muitas similaridades em algumas coisas, há muitas diferenças. O Brasil, até pelo seu tempo maior de democratização, está em uma condição mais avançada.
Quanto à Fepalc, quais são as propostas e desafios?
C.S. – Há duas tarefas grandes. Uma é a urgência de responder, de uma maneira contundente e eficaz, aos ataques que os jornalistas – e, portanto, a liberdade de expressão – sofrem em vários países latino-americanos. Pressões vindas do Estado, ou da inoperância dele, do crime organizado, de condições laborais impróprias ou da privatização dos meios de comunicação. Esse é a grande tarefa, denunciar, repudiar sistematicamente e eficientemente.
O México, por exemplo, vive uma situação insuportável, assim como acontece no Equador. Não é possível que jornalistas trabalhem nas condições de ameaça cotidiana como nesses países.
Na Colômbia, os jornalistas não têm salário, são remunerados pela venda da publicidade. Isso é um absurdo. Além dos sequestros, dos fuzilamentos, das mortes, da ameaça real à vida, os jornalistas colombianos são submetidos a condições de trabalho desumanas, insuportáveis e que não garantem sua subsistência.
Também em países onde há maior liberdade de expressão há contingências, com outras características. No Brasil, a privatização dos meios, desse espaço que deveria ser público, imprime contingências sobre os jornalistas, atribuindo a eles obrigações diferentes da natureza de seu trabalho. Impondo a eles interesses que são dos donos dos jornais.
Há outro elemento mais sindical, mais característico das corporações e também importantíssimo para os jornalistas da América Latina e do Caribe: ter uma profissão honrada, digna, com mínimas condições de trabalho, reguladas por leis humanas, contemporâneas, permeadas pelo interesse público. Ou seja, atribuir à profissão de jornalista a dignidade exigida pela sua função social.
Nosso grande desafio é trabalhar e garantir a vida e as condições de trabalho desses jornalistas. Para isso, vamos levantar essas condições nos diversos países, faremos seminários, levaremos a eles processos que consigam superar essas condições emblemáticas.
Como a democratização da comunicação será abordada pela Fepalc?
C.S. – Esse debate pode parecer secundário em países que vivem as situações referidas. Discutirmos a concentração dos meios pode parecer um luxo. Nós devemos ter cuidado, perceber a realidade da América Latina, e do Brasil também. Enquanto aqui é possível fazer debates sofisticados, complexos, como o da TV digital, da televisão pública, há locais no país onde jornalistas são assassinados, nas mesmas condições e características que na Colômbia e México. Devemos compreender que a luta pela democratização da comunicação não é um luxo para os jornalistas, mas precisa ser implementada na medida em que as condições concretas de vida estão garantidas.
A luta pela democratização da comunicação, no entanto, está na agenda. Nós reafirmamos essa agenda e vamos tensionar para que ela cada vez mais seja assumida pela Federação Internacional dos Jornalistas e pela Fepalc. Boa parte desses problemas, como as precárias condições de trabalho e a vulnerabilidade dos jornalistas são decorrentes, em parte, da concentração dos meios, da forma como se configuraram os conglomerados internacionais de comunicação, da ausência de compromissos com a liberdade de expressão.
Como os trabalhadores jornalistas avaliam o futuro do jornalismo impresso?
C.S. – Quando apareceu a internet, as novas tecnologias, elas foram vistas como novas mídias, e sempre quando aparece uma nova mídia se anuncia a morte de velha. Entretanto, isso nunca aconteceu. Desde o século XV, quando surge Gutenberg, até hoje, livros continuam sendo impressos. Todas as mídias posteriores, as interfaces posteriores foram sendo agregadas. Nós continuamos lendo, de modo geral, da mesma maneira que líamos a primeira bíblia impressa. A tendência é não desaparecerem essas mídias e sim elas serem modificadas, se agregar velocidade, se agregar qualidade, agregar informação.
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