‘Uma pergunta recorrente dos leitores é sobre a relação do ombudsman com a Redação do jornal, objeto de minhas críticas diárias e, na maioria das vezes, da coluna semanal. Com se aproxima o fim do ano, época propícia a balanços, resolvi escrever um pouco sobre o assunto.
Posso assegurar que o relacionamento ombudsman/Redação é bastante respeitoso, obviamente com divergências, tensão em alguns momentos, e alguns debates mais ásperos; nada, porém, que fuja à convivência civilizada. Diferentemente da maioria dos ombudsmans que me antecederam, freqüento a Redação diariamente, mantendo o diálogo com editores, repórteres e estagiários.
A rejeição à figura do ombudsman foi se reduzindo ao longo dos 13 anos da existência do cargo e, para isso, muito contribuíram os jornalistas que me antecederam, principalmente os pioneiros: enfrentando a situação nova e exercendo uma atividade ainda não bem compreendida. Além disso, ampliou-se o entendimento entre os jornalistas que o trabalho do ombudsman não tem objetivo incriminatório. Separado da Redação, mas conhecendo-lhe os meandros – em contato direto com os leitores -, o ombudsman tem a oportunidade de lançar um olhar crítico distanciado, por isso mais frio e possivelmente mais preciso, algo que pode ser apanhado como uma oportunidade de aperfeiçoamento para quem está na faina diária. Atualmente, creio, nenhum jornalista do O POVO diria que a crítica diária é dispensável ou que seria mais produtivo ou melhor não ter um ombudsman.
Feita essa introdução, é necessário dizer que ainda persiste uma espécie relutância entre alguns jornalistas. Não é algo declarado e, penso, nem mesmo planejado, traduz-se em uma espécie de ‘baixa resistência’, segurando a correção de alguns erros (ou fazendo-o de modo incompleto); na negativa de responder outros tantos questionamentos (de leitores ou do ombudsman); renegando aviso para verificações mais profundas de algumas notícias. Não há recusa explícita, apenas uma espécie de indiferença que aspira ao esquecimento ou à desistência de quem espera uma resposta.
Esta semana, por exemplo, termina com nove pedidos de correção de algum tipo de erro, anotados no comentário interno, que foram negligenciados. O mais antigo, peço pela sua correção desde o dia 19 de outubro. Entre os pedidos de esclarecimento, existe um registrado desde o dia 10 de setembro, há dois meses, portanto. Os erros vão desde grafia de palavras, passam por equívoco em notícias, e chegam a pedidos de explicações de leitores sobre o conteúdo das notícias. Seguem alguns exemplos.
Desde o princípio, leitor viu contradição nas matérias sobre o ‘caso Hilux’, no qual a polícia metralhou um carro por engano durante perseguição. Em alguns textos dizia-se que os criminosos haviam roubado o cofre eletrônico que ficava dentro da Empresa Municipal de Limpeza e Urbanismo, ora como sendo na ‘Emlurb, no bairro Benfica’; outras vezes na ‘Emlurb, no bairro do Passaré’. Desde o dia 30 de setembro mantenho o pedido de esclarecimento, mesmo assim a informação continuou errática. Chegou-se ao ponto, em uma das edições, de duas matérias sobre o assunto, na mesma página, cada uma dar um bairro diferente para a localização do cofre.
Outro leitor praticou o que em teoria se chama ‘jornalismo comparado’. Leu as edições do O POVO e do Diário do Nordeste do dia 20 de outubro, a respeito do assassinato de uma professora em uma das avenidas da cidade. No Diário do Nordeste informava-se que o crime fora gravado por uma câmera de controle de tráfego; segundo O POVO, nada fora gravado, pois, no momento, o aparelho estava virado para o outro lado da rua. No Diário do Nordeste se escrevia que quem teria atirado na mulher teria sido ‘um homem de bicicleta’ e que, em seguida dois homens em uma moto teriam ‘constatado’ a morte da vítima. Para O POVO, quem atirou na mulher teria sido o ‘garupeiro’ da mesma motocicleta. O leitor pedia uma ‘análise’ das divergências entre as notícias. Disse-lhe que pediria novas averiguações à Redação do O POVO, o que fiz. Até hoje estou sem resposta, o leitor também.
Entre erros de grafia de palavras (as correções são pedidas somente quando aparecem em títulos ou na abertura de matérias), existem desde ‘cacadores’ (caçadores) a ‘fazine’ (fanzine), tirante um ‘arraza’ (arrasa), que freqüentou a lista por bastante tempo e foi corrigido durante a semana.
Quanto a erros de informações, Ciro Gomes continua classificado como ‘ex-deputado’, em nota de uma coluna. Já Maria da Penha aparece como ‘autora’ da lei à qual ela deu o nome, mas, na realidade, preparada por um grupo interministerial. Os leitores que leram a matéria ‘Descontos de remédio chegam a 30%’ (edição de 24/10) depararam com um festival de números e percentuais contraditórios: os esclarecimentos não vieram até hoje. Em outro caso, há ainda diferença de números entre a matéria e o quadro que a complementa, que deveria ajudar o entendimento do leitor e não confundi-lo.
É muito difícil fazer jornalismo sem erros; eles sempre existirão, mesmo com todos os cuidados que podem e devem ser tomados; mais difícil de aceitar é a oposição ou descaso para corrigi-los. O POVO mantém o ‘Erramos’ com forma de dar mais transparência ao trabalho jornalístico, agrupando as correções em uma página determinada, de modo a facilitar a consulta. Mas a seção precisa ser mais do que mera formalidade; tem de refletir o motivo para a qual foi criada: uma efetiva demonstração de respeito ao leitor e o sincero esforço do jornal em corrigir-se
O surgimento da internet pôs o jornalismo frente a um novo leitor: este não mais aceita ser um receptor passivo, tem várias formas de fazer a verificação das notícias por conta própria, de reclamar, de opinar. Portanto, ele resiste cada vez mais às ‘prescrições’ do jornalista. O reconhecimento disso é o primeiro passo para se encontrar novos caminhos para o jornalismo.’