Lembro-me bem do dia em que Hamilton Celestino entrou na minha sala, um pouco nervoso, e perguntou: sabe quem está aí, na sala do arquivo, disposto a trabalhar em Salvador? Nada mais, nada menos, que Hamilton Almeida Filho, o lendário Haf. Eu era um dos secretários de redação da Tribuna da Bahia e a minha sala era separada da sala do arquivo por uma divisória de madeira com um pequeno buraco em forma de meia-lua, por onde passavam fotos e textos para edição. Levantei, olhei pelo buraco, e vi do outro lado um sujeito magro, moreno, olhos apertados e avermelhados, com uma enorme cabeleira negra despenteada e vestido de maneira bem despojada, como os hippies da época.
Temos que segurar o Hamilton aqui, falei para o outro Hamilton, e, a partir daí fomos atrás do editor-chefe, Milton Cayres de Brito, para pedir a contratação de um dos maiores nomes da imprensa contemporânea brasileira. Era preciso convencer o velho comunista da grande oportunidade que batia à nossa porta. Milton concordou, Haf passou a fazer parte da redação da Tribuna. Desse dia em diante, toda vez que eu olhava pelo buraco da divisória, lá estava ele, escrevendo e fumando como o Caipora. O resto da história está contada brilhantemente neste livro do jornalista Luís Guilherme Tavares.
Na verdade Hamilton chegou para sacudir, animar, dar mais qualidade e projeção a uma equipe que já era boa e diferente das que tocavam as outras redações dos jornais soteropolitanos. Naquele momento não era possível imaginar Haf integrado, criando e realizando novos projetos em redações como a de A Tarde ou do Diário de Notícias. Na Tribuna havia um clima de liberdade e de permanente procura de um jornalismo sério, que proporcionava as condições necessárias para grandes ousadias. Herança, sempre é bom lembrar, do grande Quintino de Carvalho que, em 1969, formou um time completamente novo, na sua maioria composta por jornalistas jovens, idealistas, sem vícios – a não ser os ligados à boêmia – e dispostos a perseguir a notícia de forma objetiva e isenta.
Nesse tempo a Tribuna não publicava releases a não ser que seu conteúdo pudesse ser checado, ampliado e enriquecido. Quem trabalhava na redação não podia ser assessor de imprensa de instituições particulares ou governamentais e ai de quem pensasse em receber uma propina. Era um tempo muito diferente do que vivemos agora. Um tempo e um espaço propícios para um jornalista como Hamilton Almeida Filho exercitar todo o seu talento.
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Jornalista e publicitário