Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A avaliação do desrespeito

O Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) foi aplicado no domingo (8/11) para mais de 1,1 milhão de estudantes de 15 áreas de graduação e sete cursos tecnológicos. O exame, que substituiu o Provão em 2004 e desde então acontece de três em três anos, funciona da seguinte forma: os alunos ingressantes na universidade e os concluintes são submetidos à mesma avaliação. Até o ano passado, a escolha dos participantes era por amostragem. A partir deste ano, todos os alunos ingressantes ou concluintes foram convocados para fazer a prova, sob pena de não poderem retirar o diploma.

A novidade foram as perguntas mais mal formuladas que o habitual. Na prova específica de Jornalismo, por exemplo, os estudantes depararam com enunciados tendenciosos e equivocados, como na questão 38, que afirma:

‘Jornal popular, geralmente criticado por ser sensacionalista, inventar e/ou omitir fatos e preocupar-se apenas em faturar, aumentar a tiragem, publicar notícias irresponsáveis, atrair e agradar certo público-leitor. (…) Jornal de grande porte, considerado mais responsável, por vezes esquece o verdadeiro interesse pela informação, manipulando a notícia em favor de outros interesses empresariais, financeiros, comerciais etc.’

Cretinice e preguiça intelectual

Isso sem falar em questões marcadamente políticas, como na 19a:

‘Quando o presidente Luis Inácio da Silva afirmou que a crise financeira mundial era um tsunami no exterior, mas, no Brasil, seria uma `marolinha´, vários veículos de mídia criticaram a fala presidencial. Agora é a imprensa internacional que lembra e confirma a previsão de Lula. Considerando a realidade atual da economia no exterior e no Brasil, é correto afirmar que houve, por parte dos críticos: a) atitude preconceituosa; b) irresponsabilidade; c) livre exercício da crítica; d) manipulação política da mídia; e) prejulgamento’.

No final, as últimas questões giravam em torno da percepção do estudante sobre a prova. De fácil a difícil, a possibilidade de crítica à avaliação só vinha em um item, que trazia as palavras ‘falta de estímulo’.

Mesmo diante de perguntas tão absurdas, imprecisas, falaciosas e equivocadas, acreditei que a avaliação traria efeitos positivos para a instituição de ensino da qual faço parte. Considero legítima alguma forma de análise das universidades do Brasil. Mas diante da falta de comprometimento com a seriedade das questões, nem um pouco objetivas e beirando, em quase todos os casos, a cretinice e preguiça intelectual, o Enade representa um enorme desrespeito a quem perdeu a tarde de domingo para ter os anos de estudos totalmente desmerecidos.

Um exame claramente desrespeitoso para com os estudantes que estão ou querem estar na universidade e, mais ainda, com todos os brasileiros. Ou o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes se reformula urgentemente ou deixa de existir.

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Estudante de Jornalismo, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)