O jornal que mais fielmente formula a opinião das elites paulistas segue recusando-se a reconhecer os êxitos da administração petista em Brasília. Nisso a página A3 rima com os tucanos que, na semana de justa comemoração do quinto aniversário de sua valiosa contribuição à nação, a Lei de Responsabilidade Fiscal, aproveitaram para derramar falácias econômicas.
Gente de alta plumagem do PSDB, especificamente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, tomou do microfone para discursar. Nada de voz alta e de impropérios, seu veneno é melífluo. FHC condenou os desperdícios de Lula em contratações de funcionários públicos e na Previdência. Ora, o mesmo ralo violentado das finanças públicas que em oito anos de governo FHC também não conseguiu tapar, pelo menos na Previdência!
E não conseguiu por falta de apoio do PT e tampouco do PFL, mas isto é uma outra longa história. O importante é que Antonio Palocci, da cadeira de ministro, em cadeia de televisão nacional declara o erro petista que levara inclusive sua própria assinatura. Mas o scholar brasileiro que dá aula em universidade americana insiste em atirar pedra agora que seu grupo não é mais telhado.
Mas, voltando ao editorial do Estadão, ‘Política feita de equívocos’, 4 de maio de 2005, A3. O texto abre logo com ironia da ‘ciência infusa’ querendo evocar a pouca escolaridade do presidente. Em seguida entra pelo relacionamento Brasil & Argentina sem lembrar (infundir) aos leitores do tradicional espírito de Fla-Flu que sempre o contagiou como, aliás, vivemos há poucas semanas no estádio do Morumbi. Expurgando a rivalidade da análise das disputas recentes arma-se a falácia do editorial. ‘Tornar-se líder hemisférico’ é legítimo direito do presidente brasileiro, inclusive porque convém aos interesses estratégicos e econômicos da nação.
A primeira batalha
Penso que em absoluto é verdade que ‘a política externa recua 50 anos…’, como dito mais adiante. O Estadão insiste em atacar o eixo Sul-Sul, provavelmente para encobrir o espetacular crescimento da balança comercial brasileira em 2003 e 2004. E tal sucesso deve-se não apenas ao preço em alta das commodities, mas muito à habilidade do governo federal em explorar a complementaridade das economias chinesa e brasileira.
A declaração do presidente Nestor Kirchner, desqualificando o vizinho que quer até ser papa, é de simples diagnóstico psicológico. Trata-se de projeção de sua própria megalomania. Os argentinos, faz três décadas, não declararam guerra à Inglaterra? Naturalmente, o bom senso manda que fiquemos com mil virtudes do povo vizinho, mas que não nos venham erodir as justas reivindicações brasileiras, pois atrás do assento no Conselho de Segurança da ONU vem o direito de sermos ouvidos como nação emergente. E essa condição dá lastro às posições brasileiras.
O editorial prossegue: ‘…, metendo-se onde não era chamado’. Ora, Hugo Chávez quer crescentemente o Brasil como interlocutor. Condoleezza também! Só o Estadão não?
E isso da ‘fragorosa derrota na eleição do diretor-geral da OMC’ foi antes a primeira batalha da guerra em que um país adota posição crítica e fiel a seus próprios interesses. Como disse Lula: ‘Nós não queremos afrontar os americanos não, não sou louco! O que nós queremos é tratá-los como eles nos tratam, é dizer a eles que nós queremos os mesmos direitos que eles querem’ (Valor, A6, 4/5/05). Há que se ler a fala do presidente tendo em conta as várias contradições entre as economias americana e brasileira: ambas produtoras de açúcar, aço, soja etc.
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Diretor de ONG, Salvador