‘O leitor Luís Roberto Cândido escreveu para a Ouvidoria reclamando sobre o que ele chamou de ´editorialização de notícias´. Explicou o conceito dizendo que é a ´imposição de uma opinião no modo de abordar o assunto´, referindo-se ´à forma como se tratou o leilão de concessões de estradas federais´.
Ele afirmou: ´Estabeleceu-se à ocasião um debate entre o governo e alguns colunistas, todos críticos, sobre ser ou não uma privatização o que ocorreu. O governo defendeu ponto de vista de que não se tratava de venda de patrimônio, logo não aceitava a pecha de privatização.
Editoriais francamente oposicionistas até reconheciam a diferença, mas realçando que conceitualmente o governo estaria cedendo à visão privatista. Mas aqui na Agência Brasil não há sequer o direito à dúvida: toda a referência ao assunto, por menor que seja, até em legendas de foto, vaticina que foi uma privatização´. A Agência Brasil publicou 20 matérias sobre o assunto entre 7 de maio e 7 de novembro. Em cinco matérias aparece o uso da palavra ´privatização` ou correlatas, no texto do repórter, sendo que em uma delas, Melhores rodovias do país são as privatizadas, avalia Confederação Nacional do Transporte, publicada em 7 de novembro, o termo aparece apenas no título, o que indica que foi uma escolha do editor. Nas demais 15 matérias foi usado apenas o termo ´concessão` ou, quando apareceu o termo ´privatização´, ele estava incluso entre aspas, indicando sua utilização pela fonte que se pronunciou.
Nesse período também foram publicadas nove fotos. A legenda em três delas é: ´A ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, em entrevista coletiva sobre o leilão que privatizou trechos de estradas federais´. Outras seis fotos têm a legenda: ´Em coletiva, ministro dos transportes, Alfredo Nascimento, fala sobre leilão para privatizar concessão de estradas federais´.
A Ouvidoria considera que, nesta última legenda, falar em privatizar concessão é uma redundância, pois o ato de conceder no sentido empregado, já indica que é para a iniciativa privada.
Constatado o uso de ambos os termos apontados pelo leitor, esta Ouvidoria pediu uma explicação à Agência. Segundo os editores, ´a discussão a que o leitor se refere está presente na matéria Concessões geram divergência entre economistas, publicada em 12 de outubro. Nela, os três entrevistados emitiram opiniões diferentes sobre os conceitos envolvidos. Não é verdade que a Agência tenha empregado apenas um dos termos, ‘privatização’. Utilizou também ‘concessão’, por considerar que ambos estão corretos.
Cabe ressaltar que o uso da palavra ‘privatizar’ se ampara nos principais dicionários do país, que não o restringem a ações definitivas de transferência da propriedade. O Houaiss registra a acepção ‘colocar sob o controle de empresa particular a gestão de (bem público)’, sem tempo delimitado. O Aurélio define como ‘passar (o governo) propriedade ou controle de (serviço, ou empresa, pública ou estatal) a entidade(s) do setor privado’. Ou seja, privatizar pode ser tanto vender patrimônio público como colocá-lo sob controle privado por um período.´
Realmente, na matéria citada, o uso dos conceitos demonstra que a Agência levou informações sobre esse debate para os leitores decidirem, mas não informa qual é a posição do governo nem da oposição em relação a eles.
Em colunas anteriores já discuti o uso de certos termos e o conteúdo político-ideológico que carregam. Esse foi o caso, por exemplo, tratado na coluna Qual a identidade da Agência Brasil? , publicada em 26 de outubro. À época observei que esses conteúdos geralmente envolvem julgamentos de valor, prática inconcebível para uma agência de notícias de uma empresa pública de comunicação que tem compromisso com a isenção da informação que veicula e tem por princípio não empregar juízos de valor nem opiniões pessoais de repórteres e editores. Se o fizer, estará privatizando um espaço público ao dar o privilégio a alguns de manifestarem suas posições político-ideológicas em suas páginas eletrônicas.
Sobre isso, o leitor Luís Roberto, provavelmente interpretando a vontade da sociedade, diz que ela espera independência da Agência, não só em relação ao governo, mas a qualquer tendência política.
A discussão semântica do uso dos termos ´privatização` ou ´concessão´, segundo as definições que estão nos dicionários, pouco esclarece o uso político que se faz delas. Portanto, desse ponto vista, tanto faz a Agência utilizar um ou outro termo.
Para esclarecer aos leitores há que se considerar o contexto político e econômico que envolve a questão e que está por trás dessa discussão no que tange aos direitos do cidadão. As matérias também não mostram as diferenças entre o processo que privatizou o patrimônio público transferindo a propriedade de bens da União juntamente com o direito à exploração dos serviços para a iniciativa privada durante a década de 90 e o processo atual de concessões.
Com relação às estradas, por não ser possível vender as suas pistas de rolamento, o governo fez apenas concessões de exploração à iniciativa privada, mantendo-as como patrimônio da União e, portanto, passíveis de serem retomadas por força de contrato ou por vencimento do prazo.
A cobertura mostra que o governo anterior cobrava outorgas das concessionárias para ceder o direito de exploração dos serviços, como aparece na matéria Ministro anuncia para este ano leilões para concessão de rodovias federais, publicada em 7 de maio de 2007, o que encarecia o valor do pedágio; o atual governo abriu mão desse tipo de arrecadação para conseguir tarifas menores.
No entanto, as matérias não mostram as diferenças entre editais anteriores e o atual em termos de exigências do governo em relação aos serviços prestados pelas concessionárias. Essa pode ser uma informação fundamental para o cidadão saber quais são seus direitos em relação à qualidade de estradas exploradas pela iniciativa privada. Saber o que ele está pagando ao depositar seu dinheiro em um posto de pedágio pode fazer toda a diferença na hora de fiscalizar e cobrar esses serviços.
Quanto à editorialização ou não das matérias da Agência, a que se refere o leitor, a Ouvidoria considera que ela não pode ser analisada somente do ponto de vista do emprego de um determinado termo, por mais forte que seja o seu sentido político-ideológico. É claro que isso pode ser considerado um sintoma, mas que, no caso, não se confirmou.
A apropriação do termo ´privatização` por uma ou outra tendência política (governo ou oposição) ainda não pode ser considerada marca distintiva de uma ideologia. Talvez porque na prática o cidadão ainda não consiga perceber se existe alguma diferença significativa entre o governo privatizar ou conceder. Faltam informação e mecanismos de participação necessários para que o cidadão exerça o controle e participe ativamente dessa discussão.
Talvez, num futuro próximo, o próprio cidadão venha a administrar pessoalmente as concessões que são feitas em seu nome, como as das estradas ou as do espectro eletromagnético operadas por emissoras de rádio e TV para transmitir sua programação como se fosse propriedade privatizada.
Até a próxima semana.’