Espanta-me ler um artigo como o ‘A hora e a vez dos bichos’, de Muniz Sodré [ver remissão abaixo]. O texto nivela-se por baixo, pela superficialidade da opinião e pela legitimação de uma falsa dicotomia, como se proteger e mobilizar a sociedade para a proteção da natureza fosse uma contradição a querer o bem da humanidade. Seria influência da Veja? Lembro-me de tão bizarra analogia num texto de Lya Luft, nessa revista, quando a escritora indignava-se pelos esforços feitos para tentar salvar baleias que atolaram em praias brasileiras enquanto crianças passam fome. O periódico insiste em publicar com alguma freqüência textos com esse tipo de sugestão.
Por que comparar a inércia diante de uma chacina que matou 30 pessoas com a morte – ao que parece, acidental – de um exemplar de uma espécie em extinção? Os dois fatos merecem atenção por si só. Cada um com sua importância e cada qual com abordagens adequadas e pertinentes próprias.
Certamente, não é a mobilização para desatolar baleias ou proteger ursos que impede que as pessoas se movimentem para exigir justiça social ou seja lá o que for. Parece-me que o que falta, realmente, é formação e informação à população para entender a importância de cada um desses assuntos e, como o professor sugere, votar melhor nas eleições, acompanhar melhor a vida política do país, sem suprimir ou desmerecer nem a um nem a outro tema.
Grátis e desimpedida
Se não houver alguns tantos para salvar os animais, que sequer, como o professor sugere, têm a possibilidade/habilidade de se manifestar e emitir opinião, talvez nem tenhamos mais humanidade para defender daqui a algum tempo. Sim, porque do urso e da baleia dependem todo um equilíbrio natural do planeta, que permite que os campos dêem fruto, que o clima se mantenha, que as estações aconteçam quando têm que acontecer, que paisagens belas continuem existindo para nós e para nossos descendentes e que os animais não corram o risco de serem mortos pelas populações que cresceram tanto a ponto de ir morar onde antes essas espécies de reproduziam ou transitavam. O caçador ‘pequeno’ contra o urso ‘grande’ parece sugerir uma injustiça da natureza contra o homem. Quem será que invadiu o espaço de quem? Alguém se perguntou?
Os animais – e plantas – devem ser protegidos porque são adoráveis, sim. Mas, não só por isso. São eles que nos prestam o serviço gratuito de garantir a vida no planeta e, além disso, nos proporcionam, e aos nossos filhos e netos, inesquecíveis momentos de golfinhos saltando ao lado do barco, águas cristalinas em que se podem ver peixinhos coloridos, suavidade do cantar de um pássaro, plástica do salto de um mamífero.
Se os veículos de comunicação usam a beleza dessas imagens para fazer com que a população esqueça as mazelas da sociedade, isso não é culpa de quem opta por proteger os que sequer podem escolher aqueles que vão definir as políticas de proteção à natureza. Concordo com o professor que a imprensa tem que rever suas abordagens, deixar de se esconder de seu compromisso social e da ética que lhe deve ser imperativa.
Mas, por favor, não confundamos as coisas. Já tem gente demais achando que natureza, como sempre foi ‘grátis’ e como vivemos num país de infinito verde, está aí para ser usada sem nenhuma responsabilidade.
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Jornalista, Curitiba