Uma passagem nas vans que fazem o transporte de passageiros entre Icoaraci e Outeiro, na região metropolitana de Belém (PA), custa R$ 1,50. Ao embarcar no veículo, o passageiro recebe, de graça, um exemplar de O Liberal, que, nos dias de semana, tem o mesmo valor (e aos domingos custa R$ 2,50), mais o Amazônia (de R$ 1), ambos jornais das Organizações Romulo Maiorana. Distribuir exemplares de cortesia constitui estratégia de marketing comum entre as empresas jornalísticas. Mas a prática do grupo Liberal nos dois distritos da região metropolitana de Belém apresenta características singulares.
Em primeiro lugar, pelo volume de cortesias. A Coopersantos, com 60 associados e 40 vans, atendendo de mil a 1,2 mil clientes, recebe 384 exemplares de O Liberal e 200 do Amazônia todos os dias. A Coortransaut, que possui 75 associados e 52 carros (dos quais só 40 podem estar em circulação), também recebe uma cota proporcional. Uma terceira cooperativa, de menor porte, participa igualmente da promoção. A soma das cortesias deve se aproximar de 1,5 mil exemplares, embora haja referência a até cinco mil. É tanto jornal que sempre há pilhas deles nas sedes das cooperativas. Quem pedir, mesmo que não embarque nas vans, recebe o seu.
Outra característica da promoção é que é incomum. O responsável pela cooperativa assina um recibo contra a entrega do pacote de jornal, feita por um funcionário do grupo Liberal chamado Galvão. A justificativa é de que o documento servirá para o desconto do imposto de renda (do qual as editoras têm imunidade). Como essa prática foi iniciada há quatro meses (e sua longa duração pode ser considerada outra característica não muito comum), a pergunta que ela sugere é: o jornal está procurando inflacionar artificialmente a sua circulação paga antes de tentar retornar ao Instituto Verificador de Circulação, do qual se desligou por ter tentado exatamente fazer fraude semelhante?
Incremento na circulação
É o que explicaria a exigência de um recibo por parte dos beneficiários das cortesias, simulando que os exemplares entregues não são pura cortesia, mas jornais efetivamente vendidos, com direito a serem contabilizados na auditagem que o IVC fizesse. Isto se, como anunciou no final do ano passado Romulo Maiorana Júnior, o principal executivo do grupo, O Liberal voltar a fazer parte da principal entidade que atesta a circulação da imprensa escrita brasileira.
Embora a constatação desse procedimento tenha sido feita entre as cooperativas de vans de Icoaraci/Outeiro, cooperativas de transportes alternativos que operam no bairro do Guamá, no aeroporto, em Ananindeua e em Marituba também estariam recebendo cortesias com as mesmas características. Graças a esse incremento da circulação paga, O Liberal retornaria ao IVC à frente do seu concorrente, o Diário do Pará.
Com a palavra, para os devidos esclarecimentos, os responsáveis pelo setor do grupo Liberal. Ou o IVC. Se é que o processo de filiação, já atrasado, está realmente em curso.
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O fim do jornal
Uma fotografia registra a visita que o marechal Augusto Magessi fez à redação da Folha do Norte em agosto de 1963. Na época, Magessi presidia o Clube Militar, com sede no Rio de Janeiro, depois de ter comandado a 8ª Região Militar, em Belém, durante dois anos. O militar veste um paletó escuro, de corte moderno. À sua esquerda está o jornalista Paulo Maranhão, no seu típico terno branco de linho. Do outro lado, o seu filho, João Maranhão, pai do escritor Haroldo Maranhão (já então marginalizado da Folha).
Três anos depois, já nonagenário, Paulo Maranhão morreria, mas João, que sempre acompanhara o pai, não subiu da gerência à direção geral, como se esperava. Seu irmão, Clóvis, que trabalhava na burocracia federal em Brasília, se juntou às irmãs e ocupou o lugar, marginalizando João. E trouxe depois Magessi de volta a Belém. Já reformado e com idade avançada, o marechal chegou com um grupo de assessores do Rio de Janeiro para reformar, modernizar e garantir a primazia da Folha, mantida por Paulo Maranhão durante meio século. Na verdade, acabou sendo o coveiro do jornal, que administrou como a um quartel.
Em decadência, a Folha foi comprada e fechada por Romulo Maiorana. No prédio lendário, ele instalou O Liberal e apagou as marcas anteriores da Folha, inclusive as gravadas na fachada do prédio, na rua Gaspar Viana, devidamente raspadas para que, como Cartago, dela não ficassem nem os vestígios em pedra.
Capricho e ironia da história, escondidas na fotografia.
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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)