Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A mídia a serviço do eleitor

Quinta-feira (5/5), mais um típico dia chuvoso no Reino Unido. Tudo irritantemente normal nas ruas de Manchester, uma das principais cidades da Inglaterra. Era impossível notar que uma eleição geral estava em curso. Nada de postes cobertos de caras de candidatos, muros pintados ou cabos eleitorais emporcalhando as ruas com santinhos. A batalha eleitoral chegava ao grand finale com a vitória dos trabalhistas praticamente certa. E histórica: a terceira consecutiva, num país onde surpresas de última hora são raríssimas.

Durante o pouco mais de um mês de campanha, o rádio e a TV desempenharam papel fundamental no processo eleitoral britânico. Por aqui, os partidos têm pouquíssimo espaço sob sua batuta em horário eleitoral, na TV e no rádio. De fato, a disputa é travada no noticiário jornalístico dos meios de comunicação. Nos dias de campanha, os principais telejornais entrevistaram pelo menos um representante de cada partido nas edições do horário nobre. Como cada partido tem um político responsável por cada tema específico, assuntos como imigração, saúde, educação e economia foram debatidos com significativo rigor de detalhe.

Além dos telejornais, todos os dias havia ao menos um programa de debates ou de perguntas e respostas, nos quais políticos eram indagados, questionados, pressionados, contraditados e até constrangidos. Cada emissora de TV criou quadros em seus telejornais para tratar de cada tema.

Por exemplo, a BBC: equipes num ônibus percorriam a Ilha falando com as pessoas do povo, entrevistando candidatos, mostrando curiosidades. Noutro quadro, eleitores indecisos falaram sobre o que viam como problemas e questões fundamentais para o futuro do país e para a decisão de seu voto. Na ITV, outra rede local, um painel de especialistas foi montado para investigar se as promessas dos políticos, os dados que levantavam, as políticas que propunham eram reais e passíveis de execução. Nas rádios, políticos eram diariamente entrevistados, respondendo, ao vivo, às perguntas do público e dos jornalistas.

Os momentos mais interessantes da campanha aconteceram nas várias oportunidades em que os líderes partidários interagiram com cidadãos comuns e em programas de debate. Tony Blair foi, ao vivo, publicamente massacrado em horário nobre da TV em pelo menos duas oportunidades. Numa delas, um apresentador ficou cerca de cinco minutos questionando o premiê sobre verdades e mentiras da Guerra no Iraque. Quando as perguntas voltaram à platéia, nem dó nem piedade. Numa das perguntas, uma jovem com face angelical disparou: ‘Mr. Tony Bush, desculpe, Tony Blair, você mentiu ao país…’. Homem extremamente hábil com as palavras, Blair suava desesperadamente.

O cidadão quer mais

Noutra oportunidade, uma entrevista coletiva, Blair perdeu a fala por infindáveis segundos quando foi questionado sobre o que pensava de ter sido chamado de mentiroso pelo líder dos conservadores – o qual também não teve vida fácil: com propostas altamente polêmicas em relação a políticas imigratórias, inúmeras vezes foi acusado de racismo, em alto e bom som, por cidadãos indignados.

De imigração a criminalidade, da economia às políticas de educação e saúde, grandes temas que afetam a vida das pessoas e do país foram discutidos, políticos tinham que se comprometer. Jornalistas e meios de comunicação não sentiram medo de pôr na parede os candidatos a cargo eletivo e de gerar sérios constrangimentos com perguntas diretas, francas e até capciosas.

A batalha eleitoral foi travada nos estúdios de TV, nos microfones das rádios e nas páginas dos jornais. A imprensa desempenhou papel fundamental na tentativa de mostrar propostas e fraquezas dos candidatos o mais claramente possível. E o mais importante: foram incansavelmente discutidos os problemas do país e as possíveis soluções. A Inglaterra desfruta de ótimos indicadores sociais, é a mais próspera economia da Europa, com baixíssimas taxas de desemprego e significativo crescimento econômico. Sem falar nas mais baixas taxas de criminalidade do mundo.

Mesmo assim, a mídia e os cidadãos não estão satisfeitos, querem um país melhor. Talvez isso ajude a explicar por que chegaram aonde chegaram.

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Doutorando da Manchester Business School, no Reino Unido, onde pesquisa a indústria de jornais, professor da FGV-EAESP e colaborador do Jornal de Jundiaí Regional