Aventureiro de carteirinha, Denis Russo Burgierman é um daqueles jornalistas que não se contentam com nada menos do que o completo fascínio e a arrebatadora surpresa que um leitor demonstra ao se deparar com uma boa matéria. É por isso que o mais novo diretor de redação da Superinteressante, além de ditar o intrigante conteúdo da revista, já está trabalhando em novo projeto gráfico e editorial para os leitores.
Sua experiência como editor da Sapiens e editor especial da Super, bem como na autoria dos livros Piratas no fim do mundo e Vegetarianismo e maconha, ambos da coleção ‘Para saber mais’, fornecem evidências da atuação corajosa do jornalista diante das questões sociais mais polêmicas que envolvem a ciência.
Em entrevista ao Canal da Imprensa, Burgierman revela sua concepção da revista – preterindo o termo ‘divulgação científica’ e afirmando estar a serviço do leitor, e não da ciência. Às críticas sobre a postura da Super em relação à ciência, Burgierman responde caracterizando a revista como um periódico sobre o conhecimento humano muito mais do que sobre a ciência propriamente dita. E ainda há espaço para soltar o verbo ao afirmar: ‘Não tenho nenhum constrangimento em dizer que escolhemos capas pelo potencial de vendas.’
***
Nos últimos anos, especialmente no ano 2000 em diante, a Superinteressante acumulou prêmios e mais prêmios, quebrou a marca de 100 mil exemplares vendidos, concentrou quase 4 milhões de leitores em todo o Brasil e viu a marca Super gerar inúmeras outras ‘crias’. A que se deve esse sucesso? Quais são os planos para a revista na sua gestão?
Denis Russo Burgierman – A bem da verdade a Super é uma revista premiada há muito tempo. E é um sucesso de público também desde o número 1, em 1987. Houve sim uma grande reformulação em 2000, que levou a revista a patamares inéditos de circulação e a conquistar muitos prêmios em 2001 e 2002. Uma revista como a Super vive de novidade – vive de surpreender o público. Por isso, é quase obrigação nossa repensar a revista de tempos em tempos. Mudar sempre, estar sempre à frente da curva. É nisso que estou trabalhando agora – na próxima grande mudança.
Os filhotes fazem parte de um outro fenômeno. O mercado editorial brasileiro é tradicionalmente muito pobre em títulos sobre cultura e conhecimento. A idéia foi ocupar esses nichos novos – às vezes tendo que desmentir mitos antigos consolidados no Brasil (como o de que uma revista de história não vende), partindo do ‘DNA’ da Super – novas revistas, com projetos novos, mas baseadas todas na mesma filosofia – a de fazer conteúdo sério mas informal, a de acreditar na inteligência do leitor e não mastigar nada para ele, a de não se colocar de forma professoral, arrogante, em relação ao leitor, mas de forma horizontal, amiga.
No Brasil vemos um fenômeno interessante: enquanto em outros países temos como líderes de vendagem semanários de informação no estilo Veja e Época ou revistas sensacionalistas, no Brasil uma das grandes líderes de vendagem é uma revista de divulgação científica. Como é ver a ciência caindo no gosto do público brasileiro?
D. R. B. – A líder absoluta de circulação no Brasil é a Veja. Uma particularidade importante do Brasil é que em muitos países as revistas de fofocas e celebridades são as maiores do país. E o Brasil é um caso único em que uma revista como a Super é maior que qualquer revista desse tipo. Mas eu não diria que a Super seja uma revista ‘de divulgação científica’. Ela é mais uma revista sobre o conhecimento humano. Ela é uma revista que ajuda a entender o mundo. Minha opinião é que, num mundo saturado de notícia e de informação fragmentada, revistas como a Super são essenciais e serão cada vez mais importantes.
Se a popularização da ciência é um dos grandes feitos da Super no Brasil, por outro lado vocês têm que encarar as críticas de especialistas e teóricos da divulgação científica que caracterizam o trabalho da revista como sensacionalista. As acusações são: reduzir a ciência à análise de curiosidades e publicar pesquisas controversas e que ainda carecem de credibilidade na comunidade científica. Qual é a resposta da Super?
D. R. B. – Acho que a Super no geral é bem aceita dentro da academia. Temos um papel importante, que é diferente do papel da Scientific American ou da Ciência Hoje. Posso dizer que temos uma enorme preocupação em contextualizar as coisas, em não se prender à notícia e explicar com alguma profundidade todas as correntes de pensamento dentro de alguma área do saber. A Super é para quem quer entender as coisas – não para quem já está na área e quer acompanhar cada nova pesquisa que sai na Nature. Ela consolida, contextualiza, dá perspectiva histórica. E, na minha opinião, faz isso muito bem.
No decorrer da história da Super, percebe-se que houve uma certa transição temática das capas da revista. Enquanto em seus primeiros anos a Super abordou mais pautas voltadas às ciências exatas, físicas e biológicas, nos últimos anos passou a tratar com muito mais freqüência temas pertencentes às ciências humanas e sociais. Qual é o motivo dessa mudança?
D. R. B. – Interesse do público. E interesse do público se mede de um jeito simples – a capa que vende mais é a que interessa mais gente. Ou seja, não tenho nenhum constrangimento em dizer que escolhemos capas pelo potencial de vendas. Acho que temas relacionados às ciências estão sim com muita freqüência nas nossas capas – mas a abordagem costuma ser pelo que aquilo tem a ver com o leitor. Nossas capas sobre temas religiosos envolvem muito conhecimento de arqueologia, história, até paleoantropologia. Mas puxamos o assunto por aquilo que achamos que interessa mais ao leitor.
A Super, no começo, era uma revista de ciência para adolescentes. Ela era juvenil e quase paradidática. Hoje ela é mais adulta. Tem mais texto, é mais aprofundada. Talvez por isso mesmo, ela está menos presa às matérias da escola. Não fazemos mais reportagens sobre física, química e geografia. Fazemos reportagens sobre grandes temas que interessam às pessoas adultas – e muitas vezes procuramos físicos, químicos e geógrafos para nos ajudar a decifrá-los.
Juntamente com essa transição das ciências naturais para as humanas, é notável o aumento do interesse da Super por pautas cuja temática giram em torno da religiosidade ou misticismo. De setembro de 1987, data do surgimento da revista, até julho de 2000, somente cerca de 2% das capas da revista exploravam a temática ‘religião’, enquanto após essa data, aproximadamente 20% das capas da Super discorriam sobre esse tema.Isto é, um quinto das revistas lançadas após julho de 2000 tinha suas manchetes de capa abordando a temática religiosa. Curiosamente, a inserção da religião e do misticismo coincide com o período em que a revista acumulou prêmios e vendas: das sete revistas mais vendidas da história da Super, quatro abordam a temática religiosa. Por que esse tema fascina tanto a Super: interesse presumido do leitor ou garantia de vendagem?
D. R. B. – E qual é a diferença entre interesse presumido do leitor e garantia de vendagem? O único meio de que dispomos para medir interesse é a vendagem. De qualquer maneira, tenho que dizer que uma característica básica e fundamental da Super é a variedade. Por isso acho negativa a recorrência exagerada de qualquer tema – porque isso pode afastar leitores que não gostam desse tema. Nesse sentido, concordo com você que em alguns momentos houve um exagero de capas religiosas.
As mudanças pelas quais a revista passou não representam, de certa forma, as mudanças pelas quais a própria ciência tem passado? Afinal de contas, quando a concepção de ciência muda, muda-se também a maneira de divulgar a ciência?
D. R. B. – Acho que talvez tenha mais a ver com as mudanças que ocorreram na disponibilidade de informação. Quando a Super nasceu, era virtualmente impossível conseguir informação científica atualizada e de qualidade no Brasil. Ciência era para poucos e muitos cientistas gastavam parte de seu tempo encontrando jeitos de complicar suas áreas e torná-las menos acessíveis. Já não é mais assim. O acesso à informação se democratizou, o que é muito legal. Mas quem é que organiza e hierarquiza essa informação? Queremos fazer isso.
Pode-se considerar, afinal, que a Super está liderando uma nova tendência da divulgação científica no Brasil?
D. R. B. – Olha, pessoalmente não gosto da expressão ‘divulgação científica’. Para mim, parece trabalho de assessor de imprensa. Dizer que a Super divulga ciência é como dizer que ela está a serviço da ciência – tentando iluminar o leitor desinformado que vive nas trevas do misticismo com o conhecimento puro da academia. E não é isso que fazemos. Estamos a serviço do leitor, tentando encontrar no mundo (nos domínios da ciência, inclusive) temas que o interessem, que sejam relevantes, que o ajudem a lidar com as grandes questões e a se posicionar perante elas. Acho sim que essa percepção é algo novo e é uma tendência. E acho também que a Super está entre os líderes dessa tendência, não só no Brasil.
******
Secretário de redação da revista eletrônica Canal da Imprensa e professor do Centro Universitário Adventista (Unasp)