Em diversos países do mundo, o sistema público de comunicação é uma modalidade de mídia consolidada e desenvolvida. Nestas experiências, passou-se já pelos dilemas hoje em curso no Brasil, como a garantia de autonomia, a ampliação da participação no sistema geral de comunicação ou a sustentação das emissoras. Os modelos resultantes do enfrentamento destas questões e as soluções adotadas devem ser olhadas neste momento de reformulação da realidade da comunicação pública no país.
Esta foi o foco do debate ‘Sistemas públicos de comunicação’, promovido pelo Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social na quinta-feira (29/1) no Fórum Social Mundial. Na atividade, foram apresentados e comentados os resultados da pesquisa sobre esta modalidade de mídia em 12 países do mundo realizada pelo coletivo. O estudo será publicado na forma de livro em março deste ano. Foram convidados Jonas Valente, do Intervozes, Tereza Cruvinel, presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), e Paulo Miranda, da Associação Brasileira de Canais Comunitários (Abccom).
Jonas Valente, que representou a equipe autora do estudo, fez um panorama do funcionamento dos sistemas públicos de comunicação e apontou experiências que poderiam ser adotadas no país. No plano da gestão, defendeu a composição de conselhos por segmentos da sociedade, ao invés da arquitetura brasileira com a indicação dos membros pelo Presidente da República.
Valente também destacou os casos de países como Reino Unido, França e Itália, que também mantêm outros instrumentos de participação da população, como comitês de usuários, conselhos de jornalismo com a presença dos dirigentes e trabalhadores das corporações, ouvidorias e consultas e audiências públicas. ‘Na França, há um corpo de `mediadores´ responsável por rodar o país realizando audiências para colher a opinião da população’, relatou.
Convidada para a mesa de debates, Tereza Cruvinel, presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), endossou que é importante criar mecanismos de participação, mas lembrou que hoje a empresa já está submetida a diversos processos de controle, como o Conselho Curador, o Tribunal de Contas da União, a Secretaria de Controle Interno da Presidência da República, as comissões de Ciência, Tecnologia e Comunicação da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
Sobre o Conselho Curador, a presidente da EBC destacou que, na sua primeira renovação, haverá uma consulta pública junto a segmentos da sociedade sobre os novos integrantes da instância. João Brant, do Intervozes, criticou o ‘secretismo’ do conselho pelo fato deste não tornar públicos seus debates e atas. ‘Eu mesma já fui lá cobrar que o Conselho seja mais aberto, mas acho um grande avanço ter uma empresa com esses espaços’, respondeu Cruvinel.
Orlando Guilhon, superintendente de rádio da EBC, acrescentou alguns outros mecanismos de contato com o público que julgou fundamentais para a empresa e para qualquer iniciativa de comunicação pública: centros de atendimento ao público, que incluam não só ouvidorias, mas também visitas guiadas e atendimento a qualquer demanda de informação da população; pesquisas de opinião, quantitativas e qualitativas; e uma gestão interna democrática que envolva os trabalhadores, além de controles externos como a Conferência Nacional de Comunicação, a Campanha pela Ética na TV e o Conselho de Comunicação Social.
Choque de qualidade
Jonas Valente também destacou os modelos de programação como um aspecto positivo das experiências internacionais que poderiam servir de exemplo ao Brasil. Estes modelos são marcados pelo foco na pluralidade, diversidade, reflexão e educação. ‘Boa parte dos países consegue fazer uma programação diferenciada, que mostra a pluralidade e diversidade de seus territórios e discute seus problemas, mas sem se limitar a uma posição marginal, competindo de fato pelas audiências. Por mais que o Brasil não tenha um legado histórico como na Europa, temos que buscar este objetivo’, defendeu.
A presidente da EBC respondeu dizendo que, apesar da montagem da grade de programação da TV Brasil ser baseada nestes princípios, a prioridade da emissora para este ano será dar um ‘choque de qualidade’ na grade. ‘A programação de uma TV pública tem que ser diferente, tem que trazer a diversidade, tem que educar e provocar as pessoas, mas não precisa ser chata’, disse.
Valente ponderou que os casos mais exitosos de aceitação de programas por parte da população desenvolveram-se institucionalizando a linha editorial. ‘Para que os programas possam concretizar os princípios da comunicação pública, precisam ter diretrizes e uma linha clara e institucionalizada, para além das vontades de seus diretores. Isso permite também que a população tenha parâmetros para avaliar os conteúdos.’
Financiamento
As experiências internacionais também têm muito a ensinar sobre as questões do financiamento e das políticas de sustentabilidade destas estruturas de mídia pública. Segundo o representante do Intervozes, o estudo concluiu que a autonomia política e operacional dos sistemas públicos está relacionada à garantia de um financiamento estável e protegido dos humores dos governantes de plantão. Ele citou os modelos europeus, que em sua maioria taxam os cidadãos, mas ponderou que, frente à dificuldade de aplicar tal solução no Brasil, seria válido adotar mecanismos como fundos alimentados por verbas orçamentárias. A taxação das operações comerciais de mídia, como as receitas das emissoras comerciais ou a comercialização de aparelhos, também poderia ser adotada no Brasil.
Tereza Cruvinel assinalou ser ‘impossível’, hoje, qualquer tentativa de taxação dos cidadãos. Mas reforçou que só é possível garantir fortes estruturas em condições de ‘competir de fato com os sistemas comerciais’ com fortes receitas. Como exemplo das fragilidades criadas pela dependência de verbas orçamentárias, ela citou o corte de de cerca de R$ 80 milhões no orçamento da empresa, recuperada na forma de emendas parlamentares. Afirmou, no entanto, que uma das saídas deverá ser a regulamentação da contribuição para o desenvolvimento da mídia pública, formada por recursos do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), prevista para ainda este ano.
Outro convidado para a mesa de debates, Paulo Miranda, da Associação Brasileira da Canais Comunitários (ABCCom), reforçou a necessidade de financiamento estatal, acrescentando que este não deve ir apenas para a EBC ou para as educativas estaduais, mas também para os meios comunitários. ‘Nos Estados Unidos e no Canadá, há fundos para a comunicação comunitária. Precisamos replicar esta experiência aqui, pois sem verbas do Estado não conseguiremos fazer uma comunicação pública de fato’, assinalou.
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Do Observatório do Direito à Comunicação