Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A urgência de novas linhas editoriais

É comum a impressão de que o jornalismo brasileiro é um grande produtor de notícias, mas a realidade é que o público recebe um bombardeio de informações semelhantes das diversas mídias. São matérias padronizadas, encaixotadas e enviadas aos editores, que fazem da agenda uma ditadura obrigatória que cerceia a pauta, diferenciando-se apenas pelo título do periódico.

Uma reportagem que sai no telejornal da noite é manchete do jornal impresso do dia seguinte. Essa manchete do jornal é praticamente lida nos rádiojornais da manhã e, por sua vez, os sites jornalísticos da internet, cuja maioria é de propriedade de grandes monopólios de mídia, praticamente só publicam o que já foi dito.

Dessa forma, a chamada política editorial é praticamente maquiada pelo poder de controle exercido pelo baixo fluxo de notícias, ou seja, dos assuntos dominantes dentro dos veículos midiáticos. Os relatos pré-programados acabam por sufocar os jornalistas na ambição de informar o já transmitido, sem interpretação, discussão, checagem, cobertura, reproduzindo apenas o fato.

O silêncio da grande imprensa

Como essa contradição é possível? A resposta, na verdade, está na análise da linha editorial ou, se preferir, política editorial de cada veículo jornalístico. É um campo dos Estudos do Jornalismo conhecido como Estudos das Parcialidades [News Bias Studies], de muito sucesso nos anos 1970, mas extremamente controverso por considerá-los tão parciais quanto os jornais que estudam. Para isso, basta ver as pesadas críticas que os editores do New York Times emitiram ao livro Manufacturing Consent, de Noam Chomsky e Edward S. Herman (Pantheon, 1988), que revela a cobertura parcial desse jornal às atrocidades do Camboja e a ausência de cobertura das atrocidades que aconteciam – ao mesmo tempo e com mesma intensidade – no Timor Leste.

Pensando o jornalismo brasileiro, verificamos uma pauta fixa centrada nos assuntos estadunidenses – tal como a exaustiva cobertura da última eleição presidencial e dos atos do gabinete do presidente-eleito Barack Obama – e um descaso acerca dos assuntos da América Latina. Um assunto empiricamente interessante é o da cobertura da prisão e greve de fome da líder mapuche Patricia Troncoso Robles, no Chile. O povo mapuche é, talvez, o maior movimento social de habitantes indígenas originais da América do Sul que desejam o retorno da posse de suas terras – tomadas na década de 1880 na chamada ‘Pacificação da Araucania’ – para formar um Estado-nação.

Em seu caminho pela luta do direito da autodeterminação dos povos e contra a exploração de suas terras por madeireiras, os mapuche sofreram reveses legais, tal como indiciamento, feito pelo governo de Michelle Bachelet, de Troncoso, sob a Lei Antiterrorismo criada pela ditadura de Pinochet. Enquanto que veículos de origem alternativa divulgaram amplamente o caso – dando ressonância às declarações de diversos órgãos internacionais que foram contrários à prisão, tais como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) – a grande mídia ficou silenciada, indiferente aos assuntos relacionados ao nome de Troncoso. Afinal como diz um velho ditado entre os jornalistas ‘estamos mais próximos de Miami do que de La Paz’.

O valor-notícia e a pauta

Ora, para muitos, linha editorial e política editorial são conceitos totalmente diferentes. O jornalista e professor Luiz Beltrão, um dos pais dos Estudos do Jornalismo no Brasil, acredita que ‘na avaliação de um fato para a publicação, o jornalista deve sempre ter em mente a política editorial, isto é, a orientação ideológica do jornal para o qual trabalha e do público para o qual se dirige (…). Os namoricos de um príncipe nenhum valor têm para um diário trabalhista, cujos leitores são em sua maioria operários e gente da classe média, mas são postos em relevo pelos jornais sustentados pelas classes nobres e abastadas’ (Teoria e Prática do Jornalismo. Omnia, 2006, p.88).

Já linha editorial, quando considerada diferente de política editorial, segue a definição trabalhada pelo sociólogo francês Erik Neveu, para quem a linha editorial ‘pode residir num posicionamento político no sentido amplo, na escolha do tipo de informação e do tratamento do fato que a publicação privilegiará. Ela se traduz em cada edição na escolha dos acontecimentos a ser valorizados, ao ângulo sob a qual os cobrir: é preciso dar a primeira página à queda de um Concorde ou não? Valorizar a emoção ligada ao drama ou propor um comentário distanciado sobre segurança do transporte aéreo e a saturação dos aeroportos parisienses?’ (Sociologia do Jornalismo. Loyola, 2006, p. 77).

No entanto, como o leitor atento já observou, os termos determinam um quarteto crucial para o jornalismo: o jornal, o seu público presumido, o valor-notícia e o tratamento de pauta. É por isso que, para alguns, os dois conceitos não são indissociáveis, criando uma relação causal entre eles.

Os ideais democrático-igualitários

Se a ‘linha’ editorial é a posição mantida pelo órgão de imprensa a respeito dos assuntos noticiados, então no Brasil essa ‘política’ age mais na seleção do material pré-fabricado do que na produção. É mais fácil copiar as pautas da internet, de uma agência noticiosa de renome, ou até plagiar a rede de televisão dominante que teria o ‘Q de qualidade’.

Pior é verificar que em um país como o Brasil os principais jornais – considerados jornais de ‘qualidade’ – são para o ‘topo da pirâmide da população brasileira’ e os jornais populares não pensam em ‘aprofundar’ as notícias, seguindo a velha palavra de ordem que afirma que ‘o público quer o que a gente dá’.

As pessoas precisam de jornais compromissados com o conteúdo não só dos assuntos selecionados pela agenda, mas também pela diversidade proporcionada pela pauta, motivando os repórteres ao contato com cidadão comum. Um jornalismo baseado na conduta democrática da convivência, em que público, jornalistas e colaboradores tenham espaço para o debate, sem o posicionamento arbitrário de alguns órgãos de imprensa, que confundem ‘linha’ ou ‘política’ editorial com autoritarismo.

Se a palavra de ordem é ‘interatividade’, então é impossível conceber uma linha editorial, que vise ao cumprimento dos ideais democrático-igualitários sem uma postura dinâmica. É com uma redação aberta à conversação, à participação e à colaboração que o jornal cumpre o seu papel, enquanto principal instituição da esfera pública, perante todos os segmentos sociais.

O fetiche da agenda

Ao reproduzir o modelo da grande imprensa na produção do chamado jornal-laboratório, os docentes das faculdades de Jornalismo simplesmente consolidam a padronização dos veículos. Dessa forma, aos futuros profissionais só resta a perspectiva da normalização e do estrito seguimento do modelo, sem possibilitar o pluralismo temático ou o experimentalismo estilístico.

Forma-se uma massa de jornalistas que mantém estagnado o atual processo hegemônico, sem disponibilizar recursos para que surjam jornais diferentes, cujas linhas editoriais representarão as diversas facetas da sociedade, com pautas novas, calcadas em valores-notícia esquecidos ou mesmo em fontes nunca antes ouvidas.

A imprensa livre é o objetivo a ser seguido e é por isso que os jornalistas, desde a faculdade, trabalham com a permissão de construir linhas editoriais por meio de políticas que respeitem e conduzam os atores ao diálogo, às diversas facetas da realidade. Sabendo que são as redações que determinam o processo jornalístico, podemos dizer, então, que o conjunto de jornais é o aglomerado das mais diversas vitrines que representam os mais diferentes modos de pensar a sociedade.

No entanto, o jornalista enquanto profissional está sufocado pelo fetiche da agenda. A repetição insistente das informações já ditas é uma via de mão dupla, tal como se fosse o novo pharmacon do jornalismo: é o remédio para os bolsos dos patrões, já que economizam ao manter apenas microredações ‘copiadoras’ e também é o veneno da profissão, pois para apenas reproduzir a informação, o jornalista, enquanto profissional criativo, se torna desnecessário.

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Respectivamente, jornalista, professor doutor da ECA-USP e pesquisador-líder do Grupo de Estudos sobre Jornalismo Popular e Alternativo (Alterjor) da ECA-USP; e jornalista e pesquisador do Alterjor