É bem possível que se a imprensa tivesse reconhecido e dado apoio ao seu carro elétrico, nada tivesse mudado nos destinos da empresa fundada por João Amaral Gurgel, falecido sábado (31/01). Afinal, ele enfrentava adversários poderosos, como as indústrias petroleira e automobilística. Mas teria marcado muito mais essa que foi, provavelmente, uma das mais importantes idéias desse pioneiro, já comparado por alguns ao Barão de Mauá.
Nos anos 1980, Gurgel já pressentia os danos, para a economia e para o meio-ambiente, do velho motor a explosão, dos combustíveis fósseis ou dos combustíveis que roubavam espaço da agricultura, como o etanol. E lançou o Itaipu, movido a bateria. Uma bateria enorme e de vida curta, mas que poderia ter sido o começo de uma pesquisa que acabaria colocando o Brasil em posição de destaque nessa área.
A imprensa tratou do assunto até com algum respeito, mas como se fosse apenas uma excentricidade daquele professor Pardal tupiniquim. Os jornalistas da assim chamada mídia ‘especializada’ (mesmo os não comprometidos com a indústria automobilística) sempre foram apaixonados pelo ronco do motor, pelo cheiro do escapamento, pela graxa. A própria ideologia desses colegas não permitia aceitar um carro silencioso, que não tivesse um bom cheirinho de escapamento. Alguns faziam piada: ‘Precisa colocar um ventilador batendo nas páginas de uma lista telefônica, pra fazer barulho.’ É possível que até hoje alguns ainda pensem assim. E os jornalistas da área de economia não perceberam ou não quiseram perceber o enorme potencial do carro elétrico para o mundo que estava chegando.
Itaipu mal mereceu uma citação
Mas, três décadas depois, já que empresas como GM, Honda, Toyota, Mercedes estão pesquisando baterias de longa duração, parece que a posição da imprensa mudou. Hoje, está óbvio que o transporte individual do futuro – se as economias mundiais suportarem um transporte individual – está no hidrogênio, na energia solar e na bateria elétrica. Claro que o mesmo vale para transportes coletivos. O próprio etanol, que tanto lucro e orgulho vem dando ao Brasil, é, na verdade, um paliativo. Quando as pesquisas que estão em andamento estiverem concluídas, quando as redes de recarga de baterias estiverem mais ou menos espalhadas, é bom que os agricultores brasileiros já tenham pensado em alternativas para substituir as infindáveis plantações de cana. E isso pode ocorrer, do ponto de vista tecnológico, em uma ou duas décadas. Com mais duas décadas para uma reposição gradual das frotas, teríamos, em 40 anos, um cenário completamente diferente nas ruas e estradas pelo mundo.
João Conrado do Amaral Gurgel tinha acertado. Mas a imprensa parece que continua a mesma. Nos seus vários obituários, que apareceram na internet e nos jornais, entre sábado e domingo, há um justo destaque para os carros altamente econômicos que fabricou, totalmente nacionais e totalmente adequados para o território brasileiro. Até que o então governador Ciro Gomes negou uma ajuda financeira, acabou com seu sonho e a Gurgel foi à falência. Só que, nesses obituários, na maioria assinados por colegas da ‘especializada’, o Itaipu elétrico mal mereceu uma citação.
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Jornalista