Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Murdoch e sua agenda escondida

Jornais desaparecerão, sentencia o professor norte-americano Phil Meyer. Estão totalmente anacrônicos, sacramenta ‘o brucutu’ da mídia mundial, Rupert Murdoch. A fala do magnata ecoou. Até mesmo a sóbria The Economist repercutiu as declarações do barão da mídia.

No mês de abril, a Newspaper Society (a associação inglesa de jornais) organizou a conferência ‘Circulation, Editorial & Promotion’. Em seus ternos e tailleurs elegantes e bem cortados, especialistas e representantes das principais empresas da área discutiram os caminhos e descaminhos da indústria de jornais no Reino Unido. Experiências de sucesso foram exaltadas, potenciais riscos apontados. Apesar do clima de incerteza que pairava no ar, o tom era otimista. Sobretudo, depois que um diretor de uma destas grandes grifes da consultoria de gestão mostrou, por meio de suas planilhas e gráficos mágicos – que não mentem jamais – a viabilidade a médio e longo prazo do produto jornal. Os demais especialistas conclamavam as empresas para praticarem revolução já.

Uns falam em jornais gratuitos, outros em utilizar blogs como forma de aumentar o tráfego de leitores nas páginas dos jornais na internet. Há ainda os que fazem apologia para que as organizações jornalísticas embarquem em agressivas promoções e campanhas publicitárias, sem falar nos que defendem a construção de novas redações e prédios. Todos eram categóricos: as empresas precisam mudar. Há um pouco de verdade e de mentira em tudo isso. Por um lado, jornais enfrentam dificuldades ao redor do globo, por outro há inúmeros especialistas que pretendem mostrar que conhecem a solução para os problemas, pois assim conseguem vender suas especialidades a peso de ouro.

Por conta da pesquisa que desenvolvo, conversei com importantes gestores de diários ingleses nos últimos meses. Está claro para a maioria deles que os jornais precisam fazer algo para evitar maior perda de leitores. Todos estão agindo, de uma forma ou de outra, embora não exista consenso a respeito do melhor caminho a seguir. Práticas de sucesso em algumas organizações são retumbantes fracassos em outras. Até muito pouco tempo atrás, a resposta à queda de circulação foi o batido receituário de indústrias em declínio – agressiva redução de custos, sinônimo, no mais das vezes, de corte de pessoal. Organizações que tinha mais de 150 funcionários há menos de 10 anos operam hoje com pouco mais de 25. Estes cortes já comprometem demasiadamente a qualidade dos jornais, e após atingir o limite, não são mais uma resposta convincente.

Rotativas rápidas e personalização

Uma das poucas certezas dos gestores é que as margens de lucro na internet são baixas e insuficientes para sustentar as grandes estruturas jornalísticas necessárias para produzir notícias com confiabilidade. Com isso, hoje é economicamente inviável manter jornais (de respeitabilidade e porte) exclusivamente online.

Duas tendências parecem recorrentes nas conversas. A primeira delas é que corporações que operam várias mídias buscarão uma total integração de suas operações. Por exemplo, imagine um grupo proprietário de jornal pago, jornal gratuito, canal de televisão, revista, rádio e página na web. Em vez de uma redação para cada um dos meios de comunicação, já está ocorrendo uma migração no sentido de ter uma redação única e central, que distribuirá as notícias para divulgação em cada veículo. Jornalistas de algumas empresas daqui já são treinados para operar em diferentes meios ao mesmo tempo. Além disso, com uma maior integração, os departamentos comerciais poderão vender um pacote multimídia único aos anunciantes e conseguir mais lucros com isso. Na verdade, a integração de diferentes meios de comunicação é tendência mundial, com todos os malefícios que sabemos que traz. Dentro desta lógica, jornais são um produto num grupo de vários meios. Alguns títulos nacionais no Reino Unido são sustentados pelos lucros de jornais regionais e locais.

A segunda tendência que começa a ser ventilada é a produção de diferentes versões da mesma edição de um jornal para diferentes públicos. Os jornais que conhecemos seguem a linha de ‘um produto para todos’. As máquinas imprimem cada vez mais rápido e com mais cores o mesmo produto, o que parece uma afronta numa sociedade marcada pela ideologia da máxima personalização. As rotativas última geração permitem a alteração do conteúdo enquanto o jornal é impresso. Com isso, é possível personalizar o jornal para diferentes públicos e no limite para cada assinante. Mas, ainda não parece claro quando e como isso vai acontecer e qual tipo de mudança teria de ser feita nas empresas.

Espírito público e cidadania

A única coisa clara é que ninguém sabe o que acontecerá com a indústria, quais soluções surgirão, como elas afetarão o produto jornal e as organizações que os produzem. Neste momento é fundamental que se tenha muito cuidado com os magos que dizem saber como resolver os problemas das organizações num passe de mágica. Na verdade, vendedores de soluções prontas revelam-se verdadeiros engodos. O momento é de incertezas, de ausência de rumos, de insegurança, de dúvidas, e ninguém sabe ao certo o que fazer. Não há consenso e as conseqüências são imprevisíveis.

Por isso, é preciso ter atenção aos discursos e ao que se fala por aí. Livros como The Vanishing Newspaper, do professor Meyer, e falas como a de Murdoch desempenham papel fundamental na criação do consenso sobre o que está acontecendo hoje e no que acontecerá, pois o futuro não surge do nada. Ele é feito com o que falamos hoje. E mais do que com falas, com práticas. Assim, mais importante do que o desabafo do barão da mídia mundial é lembrar que as suas empresas de jornal estão investindo pesadamente em máquinas ultramodernas e em produção totalmente regionalizada. Lembremos que Murdoch mudou inteiramente a indústria no Reino Unido ao diminuir bruscamente o poder dos gráficos. Suas falas nunca são por acaso. Sempre trazem uma agenda escondida. Enganam-se os que acham que o mundo dos negócios é somente feito pela certeza dos números, das planilhas, dos gráficos e das soluções das matrizes. Ele é construído por palavras, discursos, gestos e práticas. Sobretudo, por imagens do que está por vir.

Antes de ser um produto, jornais representam a plena manifestação do espírito público e são fundamentais na construção e consolidação da cidadania de qualquer povo. Este deve ser o pressuposto de qualquer análise. Os que tratam jornais somente como meros sabonetes estão fadados a não perceber a riqueza, a complexidade e o dinamismo destas organizações. E, sem sombra de dúvida, a fazer previsões precipitadas e sem a devida fundamentação –por exemplo, a de que um dia eles irão acabar.

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Doutorando da Manchester Business School, no Reino Unido, onde pesquisa a indústria de jornais, professor da FGV-EAESP e colaborador do Jornal de Jundiaí Regional